Marketing esportivo se adapta à pandemia

Nadar sem os braços não é nenhuma dificuldade para Samuka, Samuel da Silva Oliveira. Ele já acumulou um “varal” de medalhas em seu quarto nas competições na piscina, segundo sua mãe, Michelle. Já viajou para o Japão, para uma disputa de nado sincronizado, e realizou o sonho de pular de paraquedas, entre outras façanhas. 

Samuel teve que amputar os dois braços aos 10 anos, depois de sofrer uma descarga da rede elétrica, de onde tentava resgatar uma pipa, em Taboão da Serra, cidade da região metropolitana de São Paulo, onde mora. Depois de 10 dias em coma e um ano de fisioterapia na AACD encarou a piscina pela primeira vez. Ficou apavorado, mas depois este virou seu elemento. “A água não tem limites”, afirma o nadador, que faz parte da seleção paralímpica brasileira, em suas contas no Instagram e no Youtube. 

Outra grande alegria para ele foi compartilhar a raia de competição com outros nadadores sem qualquer deficiência. 

Isso foi possível por iniciativa da Liga Nescau de 2018, que tem como lema “Aqui todo mundo joga”. No ano passado, o campeonato patrocinado pela marca da Nestlé teve a participação de 13.771 jovens de 500 instituições de ensino, que participam de várias modalidades de esportes sem discriminação de gênero, cor ou deficiência. 

As restrições da pandemia limitaram o alcance da Liga Nescau e todos os projetos de marketing esportivo no país. Samuel, agora aos 15 anos, ficou meses sem poder treinar e ficou abatido. Recentemente, conseguiu a liberação da piscina do Clube Hebraica, onde treina de igual para igual com nadadores sem deficiência. 

A pandemia forçou mudanças para os patrocinadores da Liga Nescau. Em 2020, a expectativa é chegar a 50 mil crianças e adolescentes em todo o país, com uma Vila Olímpica virtual, navegação em 3D e atividades para toda a família, com desafios esportivos e competições, ligadas às práticas de futebol, basquete, atletismo, ballet, ginástica, dança, somando 20 modalidades. 

“O ambiente esportivo é mágico”, afirma Abner Bezerra, chefe de marketing de Nescau e bebidas da Nestlé Brasil. “É um mega-impulsionador de diálogos.” 

Outros fortes patrocinadores de esportes, como Banco do Brasil, Bradesco e Itaú (ver abaixo), também precisaram se adaptar para continuar a apoiar as atividades com objetivos sociais. 

O marketing esportivo sofreu bastante este ano, segundo Fernando Trevisan, gestor da Escola de Negócios Trevisan e especialista em gestão de esportes. “Normalmente as atividades de esporte e associadas a ele, como venda de material esportivo, representam em torno de 0,1% do PIB, algo em torno de R$ 30 bilhões anuais. Se o PIB cai 5%, o marketing tende a acompanhar”, calcula. 

Os clubes de futebol movimentam a maior parte desse montante, R$ 6 bilhões anuais. Com a parada nos campeonatos, os clubes, que vinham crescendo em faturamento a taxas superiores ao PIB, devem ter encolhimento nas finanças. 

Fora do futebol, segundo Trevisan, há uma queda do marketing esportivo desde o fim da Olimpíada de 2016. “Havia uma expectativa, depois com os escândalos envolvendo o Comitê Olímpico Brasileiro e o governo do Rio de Janeiro, veio a frustração”, comenta. 

Financiadores poderosos, como as estatais Petrobras, BNDES e Correios, cortaram os patrocínios, segundo Trevisan. E a Caixa Econômica Federal reduziu muito. Vários esportes olímpicos, onde o Brasil é competitivo internacionalmente, como o futebol de salão e o handebol, ficaram sem financiador. 

Trevisan acredita que tanto o futebol como os outros esportes, sempre serviram como caminho tradicional de inclusão social. Os patrocínios entregues aos clubes, deveriam ser repassados para os times de base e outros esportes, mas esse repasse é pouco transparente, observa. 

Esta semana, a TIM retirou seu apoio de R$ 4 milhões ao Flamengo, depois de denúncias de que o dinheiro prometido não era repassado para o time de vôlei feminino, que disputa o campeonato com a marca da empresa e do Sesc. 

As seleções nacionais de vôlei, masculina e feminina, escaparam da degola. O Banco do Brasil mantém sua marca ligada aos times campeões, tanto em quadra, quanto na praia, há 30 anos. “O Banco do Brasil não abre mão de seu patrocínio, independente do calendário esportivo”, afirma Fábio Ludweig, diretor de criação da WMcCann, que atende há anos a instituição: “O BB criou um vínculo do esporte com a marca.” 

Patrocina não só a seleção, mas a Confederação Brasileira de Vôlei, os atletas de base, muitos que saíram de regiões carentes e viraram profissionais de sucesso. 

Há três anos o banco também patrocinava corridas de rua, que foram suspensas com a pandemia. Para os novos tempos, a empresa começou a apoiar atividades para a família, como aulas de dança por vídeo. E agora, com foco no público mais jovem, começa a entrar na área dos games. 

Segundo pesquisas citadas pelo publicitário, 73% dos jovens praticam algum jogo eletrônico. “Os jogos eram estigmatizados há algum tempo, hoje já são meio de vida para muita gente”, observa. 

Da mesma maneira que patrocinou as carreiras de atletas do vôlei, como Giba e Bernardinho, o Banco do Brasil está apoiando hoje Alexandre Borba “Gaulês”, o segundo maior influenciador do mundo em determinados jogos. No primeiro semestre deste ano, conseguiu 65 milhões de horas de conteúdo assistido na rede social dos gamers, o Twitch. 

“De certo modo, o jogo eletrônico também é inclusivo”, afirma o diretor da WMcCann. “O ‘Gaulês’ conta que saiu da depressão com seu canal onde comenta os jogos eletrônicos. Essa é uma condição de muitos jovens atualmente.” 

A tática do Bradesco é centrada na sede do banco, em Osasco (SP). No ano passado, o banco investiu R$ 15,5 milhões e atende gratuitamente cerca de 2 mil meninas, de 8 a 20 anos, em 17 centros esportivos, em escolas municipais, estaduais, particulares, além das unidades esportivas da Fundação Bradesco. 

O Banco Votorantim (BV) começou seu apoio ao esporte com objetivos sociais em 2018, com atividades de vôlei, tênis, judô e skate. Atualmente mantém 1,8 mil alunos nos projetos espalhados pelo Brasil, a grande maioria em estado de vulnerabilidade social. Além do esporte, eles dispõem de psicólogo, médico, nutricionista, fisioterapeuta, aulas de meditação, inglês e matemática. Todos os projetos apoiados pelo BV tiveram o aporte de R$ 800 mil, no ano passado. 

https://valor.globo.com/empresas/noticia/2020/11/27/marketing-esportivo-se-adapta-a-pandemia.ghtml

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