The New York Times; Navios de guerra russos patrulham a superfície do Mar Negro, lançando mísseis contra cidades ucranianas ao mesmo tempo que criam um bloqueio de facto, ameaçando qualquer embarcação que ouse rompê-lo.
Drones navais ucranianos percorrem furtivamente a superfície do mar carregados com explosivos mirando portos e embarcações da Rússia, uma ameaça crescente do arsenal ucraniano. No espaço aéreo, aviões de vigilância e drones da Otan e dos países aliados voam sobre águas internacionais recolhendo informações de inteligência usadas para afrontar a invasão russa — mesmo enquanto Moscou enche os céus com suas próprias aeronaves.
Costeado por Ucrânia, Rússia e três países da Otan mas em certas ocasiões menosprezado na guerra, o Mar Negro se tornou um caldeirão cada vez mais perigoso de tensões militares e geopolíticas após a decisão de Moscou, do mês passado, de encerrar o pacto que garantia a passagem segura de grãos exportados pelos ucranianos.
Mas mesmo afastado dos combates ferozes do front, o Mar Negro coloca a Rússia e os países da Otan num tipo de proximidade não existente em outros teatros da guerra, como a defesa a Kiev ou a batalha por Bakhmut — o que aumenta o risco de confrontos diretos.
“O Mar Negro é agora uma zona de conflito: uma zona de guerra tão relevante para a Otan quanto o oeste da Ucrânia”, afirmou o ex-embaixador dos Estados Unidos na Otan Ivo Daalder, que dirige o Chicago Council on Global Affairs.
Depois que se retirou do pacto dos grãos, a Rússia pulverizou portos ucranianos no Mar Negro para entravar exportações cruciais para a economia ucraniana e atacou alvos até no Rio Danúbio, a poucas centenas de quilômetros da Romênia, que é membro da Otan. O ataque intensificou temores de que a aliança militar poderia ser arrastada para o conflito.
A Ucrânia retaliou na semana passada com dois ataques contra navios russos em dias consecutivos — demonstrando um novo alcance com drones navais capazes de atingir portos russos a centenas de quilômetros da costa ucraniana. E emitiu um alerta declarando seis portos russos no Mar Negro e suas proximidades áreas de “risco de guerra” até segunda ordem.
“Nós devemos defender nossa costa começando pela costa inimiga”, afirmou o comandante da Marinha ucraniana, almirante Oleksii Neizhpapa, em maio, ao argumentar por uma resposta mais robusta ao que ele qualificou como a “tirania” russa nas águas internacionais do Mar Negro.
A batalha por controle do Mar Negro poderia surtir consequências sobre mercados globais de energia e cadeias de fornecimento de alimentos. E quase certamente apresentará novos desafios à Otan conforme a aliança busca sustentar um princípio central do direito internacional — à livre navegação dos mares — sem ser atraída para um conflito direto com as forças russas.
Em Washington, autoridades do governo Biden expressaram reservas a respeito da Ucrânia atacar alvos e realizar operações de sabotagem dentro da Rússia, incluindo em portos russos no Mar Negro, temendo que ataques desse tipo fossem servir apenas para escalar as tensões com o presidente Vladimir Putin. Essas preocupações diminuíram, mas não desapareceram.
Os EUA proibiram o uso de armas americanas em qualquer ataque contra o território russo, e autoridades americanas afirmam que não escolhem alvos para a Ucrânia. Mas os americanos e os aliados ocidentais fornecem há muito tempo informações de inteligência para os ucranianos que, juntamente com suas extensas redes de coleta de inteligência, Kiev usa para selecionar alvos.
A batalha para projetar poder
Há séculos, o Mar Negro se situa no centro dos esforços da Rússia de ampliar sua influência geopolítica e econômica — ocasionando confrontos com outros poderes globais, incluindo várias guerras com o Império Otomano.
Os portos em águas que não congelam facilitam o comércio o ano inteiro. A localização do Mar Negro — numa encruzilhada geopolítica — ofereceu à Rússia posição para projetar poder político sobre a Europa, o Oriente Médio e além.
Por anos, Putin buscou incrementar a influência de Moscou em torno do Mar Negro despejando dinheiro público na construção de portos e cidades turísticas e reforçando o poder militar de instalações navais que atendem à frota russa no sul.
O Mar Negro é igualmente importante para a Otan, que, segundo insiste Putin, busca destruir a Rússia. Três países-membros — Turquia, Romênia a Bulgária — também costeiam o Mar Negro, mantendo quatro portos importantes. Cinco países parceiros da Otan também estão presentes na região: Armênia, Azerbaijão, Geórgia, Moldávia e Ucrânia.
O controle do Mar Negro é um objetivo de guerra óbvio para a Rússia e uma das razões para Moscou ter anexado a Crimeia em 2014, uma grande península na costa norte do mar, quando um presidente pró-Rússia foi deposto por uma rebelião.
Poucas horas depois de lançar sua invasão em escala total à Ucrânia, no ano passado, as forças russas dispararam um míssil que atingiu o navio comercial Yasa Jupiter, que navegava sob bandeira das Ilhas Marshall. Ao menos outras duas embarcações civis foram atingidas durante ataques contra portos ucranianos e ao longo da costa do país.
Desde então, a Rússia ocupou três grandes portos da Ucrânia, minando pesadamente as águas, neutralizando a Marinha ucraniana e impondo um bloqueio de facto sobre o frete civil, em ambos os sentidos, nos portos sob controle ucraniano.
Apesar do desejo expressado pela Otan de evitar um confronto direto com a Rússia, os riscos de um incidente inadvertido descambar para uma escalada desenfreada têm crescido há algum tempo.
A Otan e seus Estados-membros estão realizando missões de vigilância e patrulha aérea sobre o território da aliança, suas águas territoriais e as águas internacionais do Mar Negro, mas são cuidadosos para não entrar na zona de guerra.
Em março, no único contato físico conhecido entre militares russos e americanos durante o atual conflito, aviões de guerra da Rússia atingiram um drone de vigilância dos EUA, fazendo com que seus operadores o derrubassem em águas internacionais.
Mas recentemente a Otan tem aumentado o número desses voos de vigilância e patrulhas aéreas, conforme anunciou a aliança após a segunda reunião do Conselho Otan-Ucrânia, em 26 de julho.
A Ucrânia e alguns dos líderes da indústria de frete pediram que os aliados da Otan forneçam escoltas navais para afrontar as ameaças russas e permitir que os grãos deixem dos portos ucranianos, mas há numerosos problemas com isso.
Primeiro, a Turquia tem sido firme em tentar evitar que os aliados da Otan escalem as tensões com a Rússia no Mar Negro. A Turquia também tem tentado convencer Putin a retornar para o acordo de grãos que ajudou a intermediar, mesmo que as esperanças venham diminuindo, afirmou o ex-diplomata turco Sinan Ulgen, diretor do instituto turco de pesquisa EDAM.
“A Turquia tem sido muito avessa a qualquer missão da Otan no Mar Negro, sentindo que uma presença maior da Otan elevaria o risco do conflito com a Rússia”, afirmou Ulgen.
Desde a invasão russa, a Turquia — que controla os estreitos de Dardanelos e do Bósforo, que dão acesso ao Mar Negro, segundo uma convenção de 1936 — proibiu navios de guerra russos e ucranianos de atravessar os canais, um ato elogiado pela Ucrânia e a Otan.
Mas a Turquia também pediu para seus aliados não enviarem seus navios de guerra.
“Portanto, a tensão subjacente aqui decorre da maneira que os EUA e a Turquia consideram o Mar Negro e como o definem sob o guarda-chuva de segurança da Otan”, afirmou Ulgen. “Mas até aqui, já que a Turquia fechou os estreitos para os navios de guerra russos, os EUA não têm tentado colocar os turcos contra a parede.”
Uma frota de drones nova e eficaz
Por meses, a Ucrânia não conseguiu fazer muito para combater o controle russo do Mar Negro, mas trabalhou constantemente para desenvolver um desafio às forças navais russas muito mais poderosas.
A Ucrânia usou drones marítimos para atacar a frota naval russa em outubro. Na época, não era claro se o recurso se tornaria parte consistente e efetiva de seu arsenal. Mas então, na semana passada, Kiev realizou um ataque furtivo contra dois navios russos, atingindo ambos.
“Nossa visão tem base na necessidade de substituir os princípios soviéticos de ‘massa e poder’ pelos princípios ocidentais de ‘qualidade’ e ‘capacidades necessárias’”, escreveu Neizhpapa, o comandante naval ucraniano, para o Instituto Naval dos EUA.
PW Singer, especialista em guerra do século 21 do instituto Nova América, de Washington, afirmou que a Ucrânia tem se beneficiado de uma nova geração muito melhorada de drones marítimos.
Em menos de um ano, afirmou Singer no domingo, os drones navais evoluíram tornando-se barcos maiores, mais velozes, mais difíceis de detectar e capazes de carregar mais explosivos.
Os fabricantes das embarcações afirmam que elas são projetadas para vários tipos de missão, de vigilância a combate; são capazes de navegar a até 77 km/h; e possuem autonomia de até 833 quilômetros. Com esse alcance, um drone acionado do porto ucraniano de Odessa tem capacidade para atingir Novorossiisk, que a Ucrânia atacou na sexta-feira — apesar de não ser conhecido como nem de onde o drone foi lançado.
Singer afirmou que o rápido progresso da Ucrânia na construção de drones é “quase à la Vale do Silício”.
O impacto econômico
Enquanto provoca ultraje geral no Ocidente, a invasão russa também intensifica preocupações a respeito dos preços do petróleo em elevação, que poderiam abalar a economia internacional.
Mais de 3% do petróleo e dos derivados de petróleo produzidos globalmente atravessam o Mar Negro. Historicamente, cerca de 750 mil barris de petróleo produzido na Rússia, 20% de suas exportações, deixam o país através do Mar Negro, mas esses envios foram reduzidos a 400 mil e 575 mil barris diários, de acordo com empresas petroleiras, à medida que a Rússia buscou manter preços altos juntamente com sua colega produtora Arábia Saudita.
Autoridades ucranianas deixaram claro que esperam, ao levar a guerra para os portos russos, infligir alguma dor econômica em Moscou.
O conselheiro sênior do presidente ucraniano, Mikhailo Podoliak, afirmou que, enquanto se recusar a cumprir o direito internacional, o Kremlin pode esperar “uma redução acentuada no potencial comercial russo”.
Mesmo assim, a Rússia tem se provado uma fornecedora de petróleo resiliente.
Depois de grandes negociadores de petróleo e empresas petroleiras internacionais terem se recusado a vender petróleo da Rússia após sua invasão à Ucrânia, firmas de negócios recém-fundadas e empresas de frete com base nos Emirados Árabes Unidos, na Grécia e em Hong Kong assumiram.
David Goldwyn, ex-autoridade do Departamento de Estado responsável por temas de energia, afirmou que os preços globais do petróleo poderiam aumentar em US$ 10 a US$ 15 por barril se as exportações russas através do Mar Negro forem deslocadas.
O barril do petróleo é negociado hoje a US$ 85, valor que se manteve estável mesmo depois de a Ucrânia atacar um navio petroleiro russo no fim de semana.
A dúvida agora, afirmou Sarah Emerson, presidente da consultoria Energy Security Analysis, é se “os ucranianos conseguirão repetir isso consecutivamente, o que acirraria ainda mais mercados de energia já acirrados”.