Narendra Modi, da Índia, e Vladimir Putin, da Rússia, chegaram a um acordo para ampliar o comércio entre as duas nações, em desafio aos esforços ocidentais para sufocar a economia da Rússia após o país ter invadido a Ucrânia.
Durante a visita de Modi a Moscou na segunda e terça-feira, ele e Putin prometeram elevar o comércio bilateral anual dos atuais US$ 65 bilhões para US$ 100 bilhões até 2030, com a Índia importando mais petróleo e fertilizantes e procurando vender mais produtos industriais e agrícolas.
Modi — que tenta conter os laços cada vez mais próximas entre Rússia e China, um rival estratégico da Índia — saudou a Rússia como um “amigo [da Índia] para todos os climas” durante sua visita e presenteou Putin com a maior honraria civil do país, a Ordem de Santo André.
Sergei Lavrov, ministro das Relações Exteriores russo, disse que Putin e Modi estabeleceram uma “base fantástica” para aprofundar os laços econômicos, políticos e de defesa durante a visita, segundo a agência de notícias Interfax.
O Kremlin, que busca se aproximar de países como a Índia para apoiar a ideia de Putin de uma “maioria global” liderada por Moscou que desafia a hegemonia dos EUA, saudou a visita como sinal de que os aliados ocidentais da Ucrânia não conseguiram isolar a Rússia nem obter apoio para Kiev entre os países em desenvolvimento.
Putin agradeceu a Modi pelo que descreveu como os esforços do premiê indiano para “encontrar uma maneira de resolver a crise ucraniana, principalmente por meios pacíficos”, durante uma conversa de cinco horas na residência do presidente russo.
A Índia não condenou a invasão nem escolheu lados na guerra, mas tem defendido o fim das hostilidades ao mesmo tempo em que dá a Moscou um apoio crucial contra as sanções ocidentais, na forma compras de petróleo russo com desconto. Nova Déli tem uma relação de décadas com a Rússia, seu maior fornecedor de armas.
O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, criticou Modi pela visita e a chamou de “uma grande decepção”. O ucraniano também disse na plataforma de relacionamento social on-line X que foi “um golpe devastador para os esforços de paz ver o líder da maior democracia do mundo abraçar o criminoso mais sanguinário do mundo em Moscou”.
A visita de Modi, sua primeira à Rússia desde a invasão em larga escala da Ucrânia por Moscou em 2022, se dá depois de um bombardeio russo na segunda-feira ter atingido um hospital infantil em Kiev e outros alvos, matando pelo menos 38 pessoas, sendo 4 crianças, e ferindo 190 outras.
Modi expressou tristeza pelas vítimas de segunda-feira e defendeu o “diálogo e diplomacia” para resolver o conflito. “Quando crianças inocentes morrem, o coração se parte e essa dor é horrível”, disse.
O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse que os países ocidentais estavam “com ciúmes […] e com bons motivos”, pois Modi escolheu a Rússia para sua primeira visita bilateral após a eleição na Índia em junho, na qual ganhou um terceiro mandato de cinco anos.
Os laços entre Índia e Rússia tornaram-se particularmente importantes para Nova Déli, depois que as sanções ocidentais impostas para isolar a Rússia aproximaram Moscou da China. Pequim deu a Moscou uma tábua de salvação econômica, aumentando o comércio bilateral a níveis recorde e tornando-se um fornecedor fundamental para a Rússia de componentes fabricados no Ocidente com possível uso militar.
“A Índia quer dar à Rússia margem de manobra”, disse Alexander Gabuev, diretor do Carnegie Russia Eurasia Center, em Berlim. “Eles podem não ter os meios para afastar a Rússia da China, mas querem dar o máximo possível de oportunidades para impedi-los de colocar todos os ovos na cesta chinesa.”
A Índia está presa em um impasse com a China em razão das fronteiras contestadas ao longo dos Himalaias e vê a neutralidade da Rússia como vital para a segurança nacional, segundo autoridades. “A China é o desafio principal”, disse Pankaj Saran, ex-embaixador indiano na Rússia. “Realmente não podemos nos dar ao luxo de fazer qualquer coisa que converta um amigo em adversário.”
O comércio entre a Índia e a Rússia aumentou muito desde a invasão em larga escala de Moscou, em grande parte pelas compras de petróleo a preços mais baixos que os de mercado. Em junho, o produto russo representou 43% das importações de petróleo da Índia, segundo a firma de dados Vortexa, tornando-se o segundo maior comprador depois da China.
Isso tem levado a um forte desequilíbrio comercial. O secretário de Relações Exteriores da Índia, Vinay Mohan Kwatra, disse a repórteres que as questões econômicas “dominaram” as discussões entre os líderes e que Modi falou com Putin sobre “a necessidade de diversificar a cesta de comércio”. Kwatra disse que a Rússia também assegurou à Índia que garantiria a liberação antecipada das dezenas de cidadãos indianos recrutados involuntariamente para o Exército russo para lutar na Ucrânia.
As sanções ocidentais têm complicado a capacidade de Moscou de repatriar as receitas em dólares de suas vendas de petróleo para a Índia. O cerco dos EUA levou os bancos a cortar em grande medida o envolvimento de contrapartes russas, limitando o acesso delas a certas moedas e forçando as empresas de comércio exterior a realizar transações em rublos russos ou até por meio da permuta de mercadorias, segundo financiadores envolvidos no comércio.
EUA e União Europeia também intensificaram os esforços contra a frota que transporta o petróleo russo, deixando compradores como a Índia vulneráveis a possíveis sanções futuras.
“Os bancos globais ficarão hesitantes em tocar em quaisquer transações que possam expô-los a ações de aplicação [das sanções] dos EUA”, disse Benjamin Hilgenstock, do Kyiv School of Economics Institute. “Uma campanha ampliada de designação dos petroleiros poderia se tornar um problema para os compradores indianos.”
Índia e Rússia tentam promover um sistema de pagamentos locais para o comércio, mas será complicado fazer isso em grande escala em razão da capacidade limitada e da dificuldade de trocar rublos e rupias indianas por dólares e euros, acrescentou Hilgenstock. Maxim Oreshkin, assessor econômico de Putin, disse que Índia e Rússia já realizam 70% do comércio entre eles em suas próprias moedas nacionais, segundo a Interfax.
Alguns analistas disseram que a visita de Modi obscurece o fato de que a Índia cada vez mais aposta seu futuro na cooperação econômica e militar com o Ocidente.
A participação russa nas importações indianas de armas caiu para o menor patamar em 60 anos entre 2019 e 2023, segundo dados do Stockholm International Peace Research Institute. Isso reflete a opção da Índia de busca tecnologias militares mais avançadas, de países como EUA e Israel.
A crescente dependência de Moscou ao fornecimento chinês para sua indústria de armas criou outra preocupação para a Índia e seus planos de compras de armamentos, segundo Gabuev, do Carnegie Russia Eurasia Center, porque Moscou não pode prestar serviços aos sistemas de armamentos ou vender novas armas sem componentes vindos da China.
“A parte substancial [da compra de armamentos] no relacionamento [Índia-Rússia] está sobre uma base muito frágil”, disse Pramit Pal Chaudhuri, chefe do departamento do Sul da Ásia da firma de consultoria Eurasia Group. “Eu diria que se trata de um declínio administrado.”