Ilha chinesa, Hainan ajuda a aquecer o mercado de luxo

Quando poetas, literatos e cortesãos caíam em desgraça junto aos imperadores da China, eram banidos para a ilha de Hainan para defenderem-se sozinhos entre florestas virgens e tribos nativas. Atualmente, o balneário conhecido como o Havaí da China tornou-se um raro caso de sucesso do mercado de luxo mundial, atingido pela pandemia de covid-19.

“A ilha de Hainan está pegando fogo”, disse John D Idol, chefe da Capri Holdings, proprietária das marcas Michael Kors e Versace, a analistas em fevereiro. 

Para aumentar o consumo interno, o governo chinês transformou a ilha em uma zona de compras isenta de impostos (“duty-free”). Os turistas compram artigos de moda da Gucci e da Prada, joias da Cartier, produtos de beleza Estée Lauder ou uísque de primeira categoria da The Macallan. 

Hainan atraiu ainda mais turistas quando as restrições às viagens determinadas pelo combate à propagação da covid-19 impediram os consumidores chineses, que puxaram o crescimento do setor de luxo nos últimos anos, de fazer viagens de compras a Paris, Londres, Milão ou Hong Kong. 

A ilha é um símbolo poderoso de quanto o centro de gravidade dos artigos de luxo está se inclinando na direção da China, refletindo a tendência de “repatriação” das décadas anteriores dos consumidores japoneses que compravam Louis Vuitton e Balenciaga no exterior, mas que agora o fazem em seu país. 

Com nenhuma outra marca isso fica mais claro do que com a líder do setor, a LVMH, cuja recuperação das vendas, em aceleração, tem sido alimentada, em grande parte, pela China. A LVMH disse na semana passada que as vendas do primeiro trimestre na Ásia, com exceção do Japão, ficaram 26% maiores do que em igual período de 2019, antes da pandemia. 

Mesmo quando os consumidores chineses puderem voltar a viajar, os analistas preveem que continuarão a comprar em seu próprio país, num momento em que as marcas abrem lojas físicas e expandem as opções de venda por comércio eletrônico, como as lojas virtuais do Tmall Luxury Pavilion do Alibaba. 

O percentual das compras de produtos de alto valor efetuadas pelos consumidores chineses dentro do próprio país disparou de 32% em 2019 para mais de 70% em 2020, de acordo com a consultoria Bain, e deverá alcançar aproximadamente 55% até 2025 assim que o efeito da pandemia arrefecer. 

Amy Day é emblemática do tipo de consumidor que essas marcas conseguiram atrair. Essa moradora de 30 anos de Chongqing fazia peregrinações à Europa para comprar artigos de luxo, e era, portanto, um dos 170 milhões de chineses ao ano que viajavam ao exterior, cujos gastos respondiam por mais de 33% do total das vendas mundiais de artigos de luxo de antes do advento da pandemia. 

Mas, no ano passado, Dai pegou um voo de duas horas para a cidade de Sanya, em Hainan, para fazer compras, e para isso recorreu a plataformas “on-line”. Seus gastos com produtos de luxo superaram 1 milhão de yuans (US$ 150 mil) no ano passado, mais do que os realizados em 2019. “Antes da pandemia, eu preferia ir ao exterior e, às vezes, comprava de agentes de compras no exterior”, disse ela. “Desde que a pandemia começou, mudei para varejistas nacionais, porque senão não consigo as coleções mais recentes em tempo.” 

O setor de luxo está contando com os consumidores chineses para estimular a recuperação após um 2020 difícil, no qual as vendas sofreram uma contração de cerca de 20%, para € 217 bilhões mundialmente, segundo a Bain. 

A aniquilação do vírus comparativamente bem-sucedida empreendida pela China e sua rápida recuperação econômica desempenharam um papel central na manutenção do otimismo. A recuperação foi inicialmente incentivada pelas “compras por vingança”, mas desde então deu lugar a um comportamento mais estável. 

A pandemia também acelerou mudanças que estavam em curso no mercado de luxo da China, como a expansão do comércio eletrônico, a queda das tarifas de importação e o endurecimento dos controles sobre o mercado paralelo impulsionado pelos “daigou”, compradores profissionais que adquirem relógios de pulso, joias, roupas e cosméticos no exterior por ordem de chineses do continente. As marcas já tinham começado a diminuir o diferencial de preços que fazia com que os produtos vendidos na China custassem mais caro do que os estocados na Europa ou nos EUA. 

Essas tendências fizeram com que as marcas de luxo investissem mais na China. 

Relatório de analistas do banco de investimento Jefferies revelaram que apenas a Louis Vuitton, a Burberry e a Gucci tinham lojas em todas as 25 maiores cidades da China, o que sugere que outras marcas poderão ter de expandir sua presença. 

Fincar uma bandeira em Hainan pode ser uma medida eficiente de ser procurado por um número maior de consumidores chineses. 

A Shiseido, marca japonesa de produtos de beleza, planeja dobrar seus balcões de vendas na ilha para 60 até o fim do ano. A Estée Lauder, com sede nos Estados Unidos, também declarou estar registrando uma demanda sólida. 

Produtos de beleza e cosméticos respondem por quase 50% de todas as vendas  “duty-free” de Hainan, de acordo com a Bernstein Research, enquanto os artigos de luxo representam cerca de 33% das vendas. Mas estes últimos estão crescimento acelerado, tanto que o número de marcas de luxo na ilha subiu 80% nos últimos seis anos. “Prevemos que essa fatia crescerá”, escreveram analistas do Bernstein. 

A analista Chen Xin, do banco UBS, disse que as vendas isentas de tarifas de Hainan mais do que duplicaram no ano passado em comparação a 2019, para 30 bilhões de yuans, e previu uma taxa de crescimento anual composta de 40% de 2019 a 2025. 

O que sustentou ainda mais esse crescimento foram mudanças de política pública voltadas para aumentar as compras “duty-free” na ilha. 

No ano passado, o governo chinês triplicou o volume que os consumidores podiam comprar anualmente sem arcar com tarifas em Hainan para 100 mil yuans e aboliu o teto de 8 mil yuans incidente sobre a compra de um só item. Além disso, emitiu três licenças para empresas operarem lojas “duty-free”, em um único ano, uma expansão significativa em relação às sete licenças que vinham sendo concedidas desde a década de 1980. 

Mas algumas marcas de luxo encararam com restrições a possibilidade de apostarem demais em Hainan, uma vez que só podem vender na ilha por meio de acordos e não são autorizadas a abrir lojas próprias. Isso dá às marcas menor controle sobre a fixação de preços e experiência do cliente. 

Outras se preocupam com a possibilidade de os riscos da ilha estarem sendo alvo de abusos pelos “daigou”. 

“Achamos que o desenvolvimento de Hainan é positivo, mas precisamos continuar cuidadosos e trabalhar juntos para garantir que a ilha não se torne um polo de distribuição do mercado paralelo na China”, disse jean Jacques Guiony, diretor financeiro da LVMH, o maior grupo de artigos de luxo do mundo. 

“Se os consumidores viajarem para Hainan e vierem às nossas butiques, estaremos preparados para atendê-los. Mas, se for para comprar no atacado e depois vender para intermediários, não”, acrescentou Guiony. 

Apesar dessas preocupações, a LVMH se expandiu em Hainan por meio da DFS, sua divisão de varejo de viagens. A empresa se associou com o Shenzhen Duty Free Group em um shopping isento de tarifas chamado Haikou Mission Hills, localizado em um “resort” muito frequentado. Abriu em janeiro, mas será expandida nos próximos dois anos a fim de alcançar mais de 30 mil metros quadrados de espaço de varejo. 

Esses destinos poderão contribuir para desafogar as multidões com que Sharron Zhou, uma executiva de Xangai, se deparou na sua viagem a Hainan durante o Ano-Novo Lunar. Ela ficou tão contrariada que nãocomprou nada. “Não se conseguia encontrar vendedores…As pessoas pisavam nosmeus pés”, disse ela. (Tradução de Rachel Warszawski) 

https://valor.globo.com/empresas/noticia/2021/04/20/ilha-chinesa-hainan-ajuda-a-aquecer-o-mercado-de-luxo.ghtml

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