Games são arte ou cultura? O eterno debate sobre a influência de uma mídia.

Por Prof. Mauro Berimbau

 

Alguns alunos do GameLab ESPM enviaram  notícia do Blog do Estadão que relata a inauguração, em março, de uma exposição de 14 jogos eletrônicos que ocorrerá no museu de arte moderna de Nova Iorque (MoMA). Segundo a reportagem, dividir o espaço do museu com os renomados Picasso, Warhol, Matisse e outros do acervo permanente põe em debate o valor artístico dos jogos eletrônicos. A pergunta, que inclusive é o título da matéria, é “games são arte?”. A meu ver, a resposta é simples. Não.

Games são mídia. Um espaço para transmissão de mensagens, uma máquina de produzir narrativas, ou como chamaria o ludólogo e game designer Gonzalo Frasca, uma “mídia simulacional para as massas” (FRASCA, 2003). Pode até contê-la. Mas não é, em si, arte.

 

Cinema é arte, ou é mídia?

Não é só com os games que esse questionamento é feito. Nos anos 1940, o filósofo Theodor Adorno levantou muitas questões sobre a Arte e o cinema: Para ele, toda Arte contém uma Ideia, um princípio questionador, provocador. Mas ele perguntava: como poderia ser o cinema Arte se seu objetivo final é exclusivamente agradar uma massa de consumidores? Não seria o cinema parte de uma indústria cultural, preocupada apenas em entreter o espectador com um conjunto de complexas técnicas e efeitos construídos meticulosamente por especialistas para encantá-lo?

Ao longo do tempo, o cinema de fato se mostrou parte de uma indústria que procura agradar o consumidor com suas super-produções e happy endings. Pelo menos, em parte. Hoje em dia não é difícil notar tantas outras produções (inclusive de Hollywood) que tem esse princípio questionador que Adorno entendia como ausente no cinema. E muitas delas são respeitadas por críticos e adoradas por consumidores por conseguirem equilibrar necessidades de lucro industriais com provocações artísticas, tão dicotômicas para Adorno. Ora, talvez porque o cinema, em si, não seja arte. Mas ele pode ser um caminho, um formato disso. Depende do autor construir o conteúdo, com as escolhas de cenas, ângulos, luzes, cores, cortes, silêncios… é a sua visão de mundo, contada através das técnicas.

 

E os games, são arte?

A professora Lúcia Santaella também lembrou essa relação do cinema com os games. No 4º Seminário Internacional Rumos Jornalismo Cultural, cujo tema era “Game também é cultura?” a posição da professora Lúcia Santaella foi clara. Segundo reportagem do Terra, os games repetem essa história (e discussão) do cinema, inclusive chamando os jogos digitais de “cinema interativo”, aparecendo como uma nova forma de arte. O professor Espen Aarseth, que aparece na mesma reportagem é ainda mais categórico, com duas afirmações: “eles com certeza e obviamente são arte” e “não somente arte, mas também são um gênero cultural predominante”.

Sem discutir aqui o que é arte e o que é cultura, o que é cada um deles, onde acaba um e começa o outro, e se existem tais fronteiras, ou até se existem diferenças entre ambos… Entendo que tanto o prof. Aarseth quanto a profa. Santaella identificam os jogos como produtos que contém um trabalho artístico, como de um artesão: Dentro do jogo há uma história, uma estética, um conjunto de regras e dinâmicas que formam um conjunto intrincado, cruzado, interconectado, inseparável, que forma um complexo tecido que não são facilmente separados. Nós, como consumidores/ usuários, conseguimos enxergar o resultado final, o conjunto completo e, sem entender direito os porquês, ficamos encantados com os resultados. Talvez, por isso, desejamos tão fortemente chamar os jogos de arte.

Para deixar claro, destaco: Não entenda que os jogos não são arte, mas que os jogos podem ser arte. Este é um status que uma certa produção pode ter – tudo depende do game designer. Gonzalo Frasca, citado anteriormente, também defende o game designer como um “autor” de uma obra digital. O exemplo que dá está em “The Sims”, onde é possível controlar seu avatar para ter um relacionamento com um avatar do mesmo sexo. No código do jogo existe essa possibilidade, foi algo programado intencionalmente, e não um glitch do sistema. O game designer decidiu dar certas permissões aos jogadores em cima de seus valores, crenças, educação – este é um papel do artesão/ designer.

 

A influência na sociedade de um produto cultural independe do seu status de arte.

E este acho que é o ponto de confusão. Entendo os motivos que levam os fãs de games a desejar elevar o status de jogos à arte. Mas o que sempre põe isto em xeque é o seu vínculo com o consumidor e com uma indústria interessada em sempre agradá-lo, o que põe grilhões nesse autor, pois já não pode, livremente, colocar sua visão de mundo. Foi isto que a ministra Marta Suplicy tentou explicar, sem lá muita delicadeza, ao ser cobrada por incentivos à cultura digital, especificamente jogos eletrônicos. Mas a própria ministra faz alguma confusão com a ideia de arte e de cultura. Não a culpo. As definições do que é cada um estão muito longe de ser um consenso, quanto mais a identificação de suas fronteiras. Se é que existem, de fato.

Não podemos nos deixar cair na armadilha dessa discussão. Mais importante do que destacar o status artístico do jogo é identifica-lo como um elemento que fortemente influencia a sociedade contemporânea, pois é uma mídia muito poderosa. Como nos conta Douglas Kellner, de maneira bem objetiva, as produções midiáticas (cinema, programas de TV, novelas, músicas, livros…) se transformam em mercadorias, cujas “imagens, sons e espetáculos ajudam a urdir o tecido da vida cotidiana, dominando o tempo de lazer, modelando opiniões políticas e comportamentos sociais, e fornecendo o material com que as pessoas forjam sua identidade” (KELLNER, 2001).

Santaella, Aarseth e Paola Antonelli (a curadora do museu) parecem concordar com um ponto: os jogos são produtos culturais que influenciam nosso repertório, nosso cotidiano. Meu ponto apenas é: este pode não ser um efeito necessário da arte, mas seguramente é um efeito das mídias.

Assim como a Paola Antonelli, concordo que os games já tem um impacto cultural muito relevante na sociedade contemporânea e, por conta disso, pode valer a pena “manter a memória” e organizar as exposições no museu. A animação “Detona Ralph” parece ser uma celebração desses ícones culturais: Street Fighter II, Pac Man, Super Mario Bros., Sonic, personagens que fazem parte dessa memória dos produtos midiáticos de entretenimento do passado, e que ainda estão presentes como símbolos estampados em camisetas, capas de celular e iPad, tênis, relógios, mochilas e tantas outras mercadorias. E nem jogamos mais os jogos que deram origem a tudo isso.

Myst, Out of this World, Portal e Katamari Damacy – alguns dos games que estarão presentes no MoMA e que games que mudaram a forma que consumidores e game designers enxergavam os jogos por oferecer uma nova proposta estética, mecânica ou por ter, de fato, uma preocupação em comunicar algo para o usuário, e não apenas entretê-lo. Algo que muitos produtores independentes procuram fazer hoje, com jogos como Limbo, Braid, Minecraft e Fez – um belíssimo conteúdo que a nossa Ministra da Cultura certamente desconhece, como ela mesma apontou. Não só os “game-cabeça” valem o destaque: imagino que a Paola Antonelli também enxerga valor em Angry Birds que, assim como Sonic fez no passado, teve seus ícones estampados em tantas mercadorias e memórias, tornando-se importantes elementos da nossa cultura.

 

Games como mídia transformadora da sociedade.

Perguntar se Pac Man ou Angry Birds é arte só é possível se admitirmos que os jogos, antes de tudo, são meios que podem transmitir mensagens. McLuhan fez essa pergunta ao estudar os jogos em geral, do futebol aos de azar: “Se se perguntar, finalmente: “os jogos são meios de comunicação de massa?” E ele mesmo respondeu “a resposta tem de ser: “sim”. Os jogos são situações arbitradas que permitem a participação simultânea de muita gente em determinada estrutura de sua própria vida corporativa ou social” (McLUHAN, 2003 (1964), p. 275).

Os jogos podem ser simples formas de entretenimento ou chegar ao status de obra de arte. Independente disto, já são, inegavelmente, influenciadores da nossa cultura. Essas discussões ainda continuarão, em grande parte porque ninguém sabe ao certo o que é cultura, o que é arte e, infelizmente, o que é game. Minha hipótese é de que é uma mídia, que ainda estamos aprendendo a lidar.

 

Referências

ESTADÃO. Games são arte? Disponível em  goo.gl/ybLzl. Último acesso em 21/02/13.

FRASCA, Gonzalo. Simulation versus Narrative: Introduction to Ludology. Routledge: 2003. Disponível em <http://www.ludology.org/articles/VGT_final.pdf&gt; . Último acesso em 18 de fevereiro de 2013.

HORKHEIMER, Max. ADORNO, Theodor. A Indústria Cultural: O esclarecimento como mistificação das massas. In: Dialética do Esclarecimento: Fragmentos Filosóficos. Rio de Janeiro: Ed. Jorge Zahar, 1985. p. 113-156

KAO, Tokio. Para Ministra, Game Não é Cultura. Sim, Ele É. Cyber Geek. Disponível em goo.gl/Js74n. Último acesso em 21/02/13

KELLNER, Douglas. A cultura da mídia – estudos culturais: identidade e política entre o moderno e o pós-moderno. São Paulo: EDUSC, 2001.

McLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem. Ed. Cultrix: São Paulo, 2003.

NOTÍCIAS TERRA. Rumos 2012: games são gênero cultural predominante na arte. Disponível em goo.gl/CX0lR. Último acesso em 21/02/13

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