O Parlamento britânico aprovou nesta terça-feira (29) a convocação de novas eleições gerais para o fim do ano, em mais uma tentativa de resolver o impasse sobre a saída do país da União Europeia.
Os eleitores irão às urnas no dia 12 de dezembro para escolher quem deve comandar o país durante as negociações finais do brexit: o atual premiê, o conservador Boris Johnson, ou o líder da oposição, o trabalhista Jeremy Corbyn.
Embora outras siglas também disputem a eleição e na teoria tenham a possibilidade de chegar à chefia do governo, na prática apenas os dois principais partidos se alternam no comando desde 1922 —e a expectativa é que a tradição continue.
Quem vencer a votação de dezembro, que estava marcada para ocorrer apenas em 2022, terá pouco mais de um mês para formar o governo e negociar com Bruxelas (sede da burocracia europeia) um novo acordo para o brexit e aprová-lo no Parlamento britânico —que já rejeitou a proposta de pacto com os europeus diversas vezes.
A data de saída do bloco atualmente está marcada para 31 de janeiro de 2020 e após três atrasos, nenhum dos dois principais candidatos pretende estender o prazo.
Corbyn lidera os trabalhistas desde 2015 e sob seu comando o partido deu uma guinada à esquerda, abandonando o viés centrista dos ex-premiês Tony Blair (1997-2007) e Gordon Brown (2007-2010).
Ele é criticado, porém, por sua posição ambígua sobre o brexit. Embora tenha declarado voto pela permanência no bloco durante o plebiscito de 2016 que decidiu pela saída, Corbyn nunca foi um defensor muito convicto da UE.
Ele também sempre se recusou a apoiar de maneira inquestionável a convocação de um novo plebiscito para rever a decisão anterior e manter o país no bloco, apesar da pressão interna no partido a favor dessa alternativa.
Apesar disso, a tendência é que a campanha trabalhista tenha como uma de suas prioridades a defesa de um referendo para aprovar qualquer acordo que Londres e Bruxelas fechem sobre como deve ficar a relação entre eles pós-brexit.
Já Boris, representante da ala mais radical do Partido Conservador e apoiador de longa data da saída do país da Europa, deve defender que apenas ele é capaz de concluir o brexit.
O ex-prefeito de Londres já afirmou por diversas vezes que caso a oposição assuma o comando do país, ela tentará cancelar o divórcio com a UE. Assim, seu mantra de “let’s get brexit done” (vamos terminar o brexit) deve ser seu principal lema de campanha.
O atual premiê tem tentado convocar uma eleição desde setembro, quando o Parlamento barrou pela primeira vez sua proposta para o brexit. Para isto, ele precisava do apoio de dois terços da Casa, mas por três vezes os deputados vetaram o novo pleito, a última delas nesta segunda (28).
Com isso, o premiê mudou de tática e nesta terça apresentou uma lei específica marcando a data para 12 de dezembro, em vez de convocar uma eleição antecipada. A manobra legislativa não muda em nada a votação, mas permite que a aprovação aconteça apenas com maioria simples.
No fim, porém, tanto os trabalhistas quanto os dois outros principais partidos da oposição, os liberais-democratas e o SNP (Partido Nacional Escocês) decidiram apoiar a eleição antecipada.
Assim, a proposta foi inicialmente aprovada por aclamação, sem a necessidade de votação, na Câmara dos Comuns (a câmara baixa do Parlamento) e depois confirmada em uma segunda votação com 438 votos a favor e 20 contrários.
Os trabalhistas apresentaram ainda uma emenda para transferir a data do pleito para o dia 9 de dezembro, mas a proposta acabou derrotada.
Para ser realizada, a nova eleição ainda precisa ser aprovada na Câmara dos Lordes (a câmara alta) e receber a confirmação da rainha Elizabeth 2ª até sexta-feira (1º), mas a expectativa é que isso aconteça sem sobressaltos.
Isso porque a lei determina que o Parlamento deve ser dissolvido 25 dias úteis antes da eleição —ou seja, na próxima segunda (4) ele já deve estar de portas fechadas. Boris continuará como premiê até a realização do pleito.
O apoio da oposição à nova eleição também aconteceu porque a União Europeia oficializou nesta terça o adiamento do brexit para 31 de janeiro de 2020, impedindo assim que a saída do bloco aconteça sem um acordo entre as partes.
“Talvez seja a última [extensão do prazo]. Por favor, façam um bom uso desse tempo”, escreveu em uma rede social o presidente do Conselho Européu, Donald Tusk. “Vou manter meus dedos cruzados por vocês”, completou ele no comunicado.
ENTENDA A ELEIÇÃO NO REINO UNIDO
Como funciona a eleição britânica?
O Reino Unido usa um sistema distrital puro. Isso significa que o país é dividido em 650 distritos (um para cada cadeira do Parlamento) e o candidato que ganhar mais votos em cada um é eleito para representar aquela região. O mandato é de no máximo cinco anos, mas a eleição pode ser antecipada, como é o caso dessa vez –o pleito anterior foi em junho de 2017.
Por que as eleições foram convocadas?
Brexit, brexit e brexit. A vida política do país está paralisada por causa das indefinições sobre a saída do país da União Europeia e a nova eleição é uma tentativa de resolver o impasse. Os conservadores devem ter como mote de campanha a aprovação do atual acordo de saída e a realização do brexit em 31 de janeiro de 2020. Os trabalhistas vão defender que é hora de assumirem as negociações, provavelmente apoiando a convocação de um referendo para definir o assunto. Já os liberais-democratas defendem a revogação do divórcio com a Europa, enquanto o Partido do Brexit, como indica o nome, quer que a saída aconteça de qualquer maneira. E o Partido Nacional Escocês ainda deve fazer campanha em defesa da independência escocesa.
Quem ganha a eleição?
Tradicionalmente, um dos dois maiores partidos do país —o Conservador e o Trabalhista— costuma vencer a maioria das cadeiras e, portanto, tem o direito de indicar o novo primeiro-ministro. Ultimamente, porém, isso tem sido cada vez mais difícil e as duas siglas têm sido obrigadas a formam coalizões com agremiações menores para conseguirem governar. O atual governo de Boris Johnson, por exemplo, é apoiado por uma coalizão dos conservadores com o partido norte-irlandês DUP.
O que mostram as pesquisas?
Segundo levantamento do jornal Financial Times, os conservadores estão na liderança com 35% de apoio, contra 25% dos trabalhistas, 18% dos liberais-democratas e 11% do Partido do Brexit, de direita radical. Esses números, porém, indicam apenas a intenção de votos em todo o país e não levam em conta a divisão das cadeiras. Como o voto não é proporcional, esses dois números podem divergir bastante. Na eleição de 2015, por exemplo, a sigla de ultradireita Ukip foi a terceira que mais recebeu votos, com 12,6% do total, mas só conseguiu eleger um deputado —sete partidos que ganharam menos votos acabaram conquistando mais cadeiras.
Então o impasse sobre o brexit pode continuar?
Sim. A maior parte dos analistas britânicos considera que essa será uma das eleições mais incertas da história recente do país, mas dois cenários são considerados os mais prováveis: ou os conservadores conquistam uma maioria (o que provavelmente acabaria com o impasse) ou a votação terminaria sem maioria (o que deve manter a indefinição atual). Uma vitória trabalhista é considerada improvável no momento, mas existe a possibilidade de um governo de coalizão entre a sigla, os liberais-democratas e os nacionalistas escoceses.
E o que vai acontecer com Boris Johnson?
Por enquanto, ele segue como premiê. Caso seu partido vença a eleição, ele deve permanecer no cargo, mas caso a oposição vença, caberá a ela indicar o novo primeiro-ministro —provavelmente o líder dos trabalhistas, Jeremy Corbyn. A lei estabelece ainda que o Parlamento britânico deve ser dissolvido 25 dias úteis antes da eleição, para os parlamentares terem tempo de fazerem campanha. Assim, a Casa deve fechar as portas na próxima semana.