Uma entrevista em que o presidente da França, Emmanuel Macron, defende que a Europa seja mais independente dos EUA e da China gerou controvérsia devido a trechos que teriam sido suprimidos.
De acordo com o site americano Politico, o Palácio do Eliseu, a sede do governo francês, censurou partes da entrevista em que Macron falou de forma mais franca sobre o tema —e sobre Taiwan em específico, ilha que o regime de Xi Jinping considera uma província rebelde e parte inalienável do território chinês.
Em um aviso no final da entrevista, concedida a bordo de um voo entre Pequim e Guangzhou na última sexta-feira (7), o site afirma que, “como é comum na França e em muitos outros países europeus, o gabinete do presidente francês […] insistiu em checar e revisar todas as falas dele” como pré-requisito para a concessão da entrevista. “Isso viola os princípios e as políticas editoriais do Politico, mas concordamos com os termos para falar diretamente com o presidente”, continua o texto.
Na entrevista, publicada no domingo (9) tanto no Politico quanto no jornal francês Les Echos, Macron destrincha sua proposta de uma “autonomia estratégica” da Europa. O conceito, que pressupõe mais independência do bloco, é defendido pelo presidente desde o seu primeiro mandato, mas só ganhou força no restante do continente com a pandemia de Covid.
As falas mais enfáticas de Macron se referem a essa ideia no contexto da crescente disputa entre Washington e Pequim. O líder francês diz que a Europa corre o risco de se tornar uma “vassala” caso as tensões entre as superpotências se intensifiquem.
Em outra declaração, afirma que a pior opção para o continente seria acreditar que é preciso tomar partido na disputa por Taiwan e defende que ele não siga nem “o ritmo americano” nem a “reação exagerada chinesa”. “A pergunta que os europeus precisam responder é: temos interesse em acelerar [a crise] em Taiwan? Não”, disse.
Em outro trecho —publicado apenas pelo Les Echos, que incluiu tanto as perguntas dos jornalistas quanto as respostas completas de Macron no texto—, reforça que não deseja se inserir em uma lógica de blocos.
“Autonomia estratégica significa supor que temos visões similares às dos EUA, mas seja em relação à Ucrânia, à China ou às sanções temos uma estratégia europeia. Precisamos esvaziar nosso modelo de riscos, não depender dos outros e manter uma integração forte de nossos valores onde for possível.”
Também no veículo francês, o chefe do Eliseu defendeu em certa medida a posição de Pequim acerca de Taipé —a ditadura comunista iniciou uma simulação de “cerco total” à ilha momentos depois que o francês foi embora de Pequim, uma represália ao encontro da presidente Tsai Ing-wen com o presidente da Câmara dos Representantes dos EUA na semana passada.
“Como europeus, nossa preocupação é a nossa unidade”, disse ele, acrescentando que foi por essa razão que viajou à China com a chefe da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen. “Os chineses também estão preocupados com sua unidade, e Taiwan, do ponto de vista deles, faz parte dela. É importante entender como raciocinam.”
A relação com a China é um de vários pontos sensíveis entre o governo do francês e a Casa Branca. Questionado se Joe Biden era só uma versão “mais polida” do ex-presidente Donald Trump, Macron foi diplomático e elogiou sua defesa da democracia e o respeito a princípios de negociações internacionais.
Mas também foi claro: “Ele [Biden] parte de uma lógica americana transpartidária, que define o interesse dos EUA como prioridade número um e a China como prioridade número dois. O resto é menos importante”.