Europa quer que trabalhador de app seja funcionário

A União Europeia (UE) anunciou plano para melhorar as condições de um número cada vez maior de trabalhadores da “gig economy” (que engloba formas de trabalho alternativo ou temporário, como o realizado para aplicativos). Isso poderá reclassificá-los como funcionários com direito a benefícios, o que seria mais um revés para plataformas digitais que dependem de prestadores de serviços independentes para entrega de alimentos e transporte. 

O projeto de regulamentação apresentado ontem por autoridades da UE visa clarificar a situação trabalhista de pessoas empregadas por empresas de aplicativos, como o Uber, de transporte de passageiros, e os apps de entrega de comida. Os trabalhadores e as plataformas da “gig economy” não se enquadram na atual legislação trabalhista, e as medidas em estudo pelo bloco de 27 países, que devem levar anos para entrar em vigor, visam dirimir essas áreas cinzentas. 

As plataformas que usam trabalho temporário tiveram um boom na economia digital, especialmente durante a pandemia da covid-19, quando a demanda por serviços de entrega de comida disparou. Os aplicativos oferecem trabalho de curto prazo para milhões de pessoas, mas seu crescimento galopante também subverteu modelos tradicionais de trabalho e negócios, o que resultou em confrontos entre empresas e agências reguladoras em todo o mundo. Para muitos, a flexibilidade do trabalho é um ponto forte da “gig economy”, mas trabalhadores reclamam que, depois de contabilizar suas despesas, acabam por ganhar menos do que o salário mínimo. 

Pelas regras da UE, uma plataforma que atenda a pelo menos dois critérios será considerada um “empregador”, e as pessoas que trabalham para essa empresa serão reclassificadas como “funcionários”, com direito a salário mínimo, férias pagas, auxílio-desemprego, auxílio-doença, aposentadoria e outros benefícios. 

Alguns dos critérios são: se um aplicativo define faixas de pagamento; se supervisiona eletronicamente o desempenho do trabalho; se restringe a liberdade de um trabalhador de escolher seu horário de trabalho, aceitar trabalhos ou usar subcontratados; se dita a aparência e a conduta de um trabalhador com os clientes; ou limita a possibilidade de os trabalhadores construírem bases próprias de clientes ou trabalharem para outras pessoas ou empresas. 

O Uber garante que está comprometido com a melhoria das condições de trabalho, mas teme que a proposta da UE possa “pôr em risco milhares de postos de trabalho, o que incapacitaria pequenas empresas na sequência da pandemia e prejudicaria serviços vitais” para os consumidores. 

“Quaisquer regras que se apliquem a toda a UE devem permitir que motoristas e entregadores mantenham a flexibilidade que sabemos que é o que eles mais valorizam, e ao mesmo tempo permitir que as plataformas introduzam mais proteções e benefícios”, acrescentou o Uber em nota. 

A UE estima que cerca de 5,5 milhões dos 28 milhões de trabalhadores nessa situação no bloco são classificados incorretamente como autônomos. A UE busca liderar na adoção de medidas duras contra empresas de tecnologia para garantir desde direitos trabalhistas até a segurança online. 

Segundo o projeto, as plataformas poderão contestar a reclassificação, mas caberá a elas o ônus de provar que não são empregadoras. 

“Devemos tirar o máximo proveito do potencial de criação de empregos das plataformas digitais”, disse o comissário da UE para Empregos e Direitos Sociais, Nicolas Schmit. “Mas também precisamos nos assegurar de que são empregos de qualidade, de que não promovem a precariedade.” 

Em países como Espanha e Holanda, leis ou decisões judiciais recentes já exigem que esses trabalhadores tenham o status de funcionários, e não de autônomos. 

A UE também quer obrigar as plataformas da “gig economy” a serem mais transparentes sobre os algoritmos que usam para gerir os trabalhadores, para que eles possam entender melhor como o trabalho é distribuído e como o pagamento é definido. Pelo projeto, os algoritmos seriam supervisionados por pessoas, e os trabalhadores poderiam recorrer de quaisquer decisões automatizadas. 

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2021/12/10/ue-quer-que-trabalhador-de-app-seja-funcionario.ghtml

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