Epidemia e crise ameaçam investimentos chineses na África

Agora que a pandemia da covid-19 está a ponto de devastar as frágeis economias e sociedades da África, a China precisa reconhecer que é improvável que consiga recuperar a maior parte de seus investimentos ou empréstimos no continente 

As atividades comerciais da China na África, como investimentos, projetos de infraestrutura e empréstimos bancários, atraem há tempos escrutínio e críticas. Os críticos acusam Pequim de praticar uma nova forma de colonialismo econômico para assumir o controle dos recursos naturais valiosos do continente, ao atrair países africanos desavisados para as chamadas armadilhas de dívida. 

Embora essa perspectiva domine a narrativa sobre os laços econômicos de Pequim com a África, ela provavelmente exagera a visão estratégica chinesa e subestima os perigos da grande aposta da China no continente. 

Com a forte queda dos preços do petróleo, do cobre e de minerais encontrados na África em meio ao colapso econômico mundial, as perspectivas dos projetos financiados pela China parecem sombrias. A China enfrenta uma pressão cada vez maior para perdoar as dezenas de bilhões de dólares de empréstimos que fez a países africanos desde o início dos anos 2000. Os maus-tratos a moradores africanos na China durante a pandemia alimentaram acusações de racismo e provocaram protestos diplomáticos contra Pequim. 

Até o núcleo do envolvimento econômico chinês na África, o programa de infraestrutura Iniciativa do Cinturão e da Rota (BRI, na sigla em inglês), está ameaçada. O coronavírus atingiu duramente a economia chinesa, que recuou 6,8% no primeiro trimestre. 

É duvidoso que Pequim tenha os recursos para financiar a BRI no futuro. Um sinal revelador é a ausência de citações à BRI como uma prioridade nos comunicados das últimas reuniões do Politburo do Partido Comunista Chinês. Em retrospecto, o desmoronamento do projeto da China para a África não deveria ser nenhuma surpresa. A estratégia de Pequim se baseava em premissas falsas e foi executada no momento errado. 

Os líderes chineses veem a África principalmente como uma fonte de recursos naturais. O crescimento acelerado da China desde o início dos anos 90 provocou uma demanda voraz por petróleo e minérios, e a África parecia a solução perfeita, já que as multinacionais dominantes tinham uma fraca presença no continente, e Pequim poderia facilmente superá-las para ganhar participações acionárias em minas e campos de petróleo. 

Por motivos desconhecidos, Pequim acreditava que, como acionista e credor, teria melhores condições de garantir o acesso seguro às cruciais matérias-primas de lá. Como resultado, a China abriu seus cofres e se tornou o fornecedor de crédito não tradicional mais ativo da África. Segundo o China Africa Research Initiative, da Universidade Johns Hopkins, a China emprestou US$ 152 bilhões para 49 países africanos entre 2000 e 2018. O Banco Mundial estima que, em 2017, o valor dos empréstimos da China a países da África subsaariana somava US$ 64 bilhões, ou mais de 60% do estoque da dívida bilateral. 

Além de encher a África de crédito, a China apostou muito em investimentos diretos, principalmente por meio de suas empresas estatais. Entre 2008 e 2018, o investimento estrangeiro direto (IED) chinês na África subiu de US$ 7,8 bilhões para US$ 46 bilhões, segundo dados oficiais. 

No papel, pode parecer que a aposta valeu a pena para a China. O comércio de mercadorias entre a China e a África cresceu de US$ 107 bilhões para US$ 204 bilhões em 2018, segundo dados chineses. 

Mas a questão é saber se a China poderia ter expandido seu comércio com a África e mantido seu acesso a matérias-primas sem comprometer US$ 200 bilhões em empréstimos bilaterais e IED em um continente distante e cheio de riscos políticos e econômicos. 

Muito provavelmente, a China não teria pago mais pelas mesmas matérias-primas se tivesse optado por comprá-las no mercado aberto. A esperança de Pequim de que o controle direto ou semidireto dos recursos lhe daria mais segurança é ilusória. 

Para começar, a partir do momento em que concedeu o crédito ou fez investimentos diretos em minas, campos de petróleo ou estradas, a China ficou à mercê dos beneficiários, os governos nacionais da África e suas elites políticas. A China não tem poder para impedir a estatização de seus investimentos ou um calote em seus empréstimos. 

Se o fornecimento for interrompido por causa de conflitos na África ou nas longas linhas de comunicação marítima da China, a vantagem teórica do controle direto não terá nenhum valor, porque a China, pelo menos no futuro próximo, carece de capacidade militar para proteger suas minas e ferrovias na África ou escoltar seus navios mercantes de forma sustentável. 

A aposta da China na África também fracassou por causa do momento. Sua incursão no continente coincidiu com o pico do último superciclo das commodities, com escalada dos preços das matérias-primas, desta vez impulsionadas pela demanda chinesa. Como resultado, as empresas chinesas pagaram o preço mais alto por ativos que provavelmente perderam muito valor após o colapso dos preços das commodities. 

Agora que a pandemia da covid-19 está a ponto de devastar as frágeis economias e sociedades da África, a China precisa de uma estratégia de saída pragmática. Pequim precisa reconhecer que é improvável que consiga recuperar a maior parte de seus investimentos ou empréstimos por causa do impacto econômico que a epidemia terá na África. 

A única política sensata que se pode derivar desse cálculo é a renúncia a seus empréstimos como um gesto humanitário. Mas mesmo esse passo dramático poderá ser uma pechincha, pois Pequim ganhará boa vontade com um dinheiro que não tem nenhuma esperança real de recuperar. 

Minxin Pei é professor de administração pública no Claremont McKenna College e membro sênior não residente do German Marshall Fund dos Estados Unidos. 

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2020/05/04/epidemia-e-crise-ameacam-a-estrategia-e-os-investimentos-chineses-na-africa.ghtml

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