A crise política causada pelas indefinições do brexit ganhou um novo capítulo após o Parlamento britânico aprovar um projeto que proíbe o país de deixar a União Europeia sem antes ter um acordo com o bloco para regular a relação futura entre eles.
A decisão foi interpretada como uma declaração de guerra dos deputados contra o governo do primeiro-ministro Boris Johnson, que defende o divórcio com Bruxelas a qualquer custo.
Com apoio da oposição e de rebeldes do governista Partido Conservador, a medida foi aprovada com 329 votos a favor e 300 contrários.
O premiê assumiu o cargo em julho prometendo que o brexit iria acontecer na data marcada — 31 de outubro de 2019.
Mas, com a nova resolução, a saída agora pode ser adiada para o ano que vem, aumentando a incerteza que assola o país.
O texto aprovado estabelece que o governo britânico tem até o dia 19 de outubro para fechar um trato com Bruxelas, sede da burocracia europeia, e aprová-lo no Parlamento.
Caso isso não aconteça, o premiê deve pedir aos líderes europeus um adiamento de 90 dias do divórcio, até 31 de janeiro.
Segundo o jornal Financial Times, os europeus estão dispostos a estender o prazo, desde que Londres tenha uma boa justificativa —a data inicial do divórcio era 29 de março de 2019, mas já foi adiada duas vezes.
Para virar lei, o projeto aprovado pelos deputados ainda deve passar pela Câmara dos Lordes (espécie de Senado) e receber a confirmação da rainha.
A previsão é que isso aconteça até segunda (9), quando o Parlamento deve ser suspenso por cinco semanas em função de uma manobra do premiê.
Com isso, o trabalho será retomado apenas na segunda quinzena de outubro, a poucos dias da data do brexit. Essa suspensão, apontada como estratégia para reduzir os debates, gerou diversos protestos no fim de semana por todo o país e se repetiram nesta quarta em frente ao Parlamento.
O gesto de Boris visava reduzir o tempo que deputados teriam para bloquear uma saída abrupta do Reino Unido do bloco, como a que o líder conservador vinha repetidamente mencionando em discursos e entrevistas.
O primeiro-ministro afirmou nesta quarta que independentemente do que decidir o Parlamento, ele pretende fechar com a União Europeia um novo acordo de separação em 17 de outubro, data de uma cúpula do bloco.
Os líderes europeus, porém, têm se mostrado pessimistas com a possibilidade de fechar um pacto e afirmam que até o momento Boris não apresentou nenhuma proposta para isso.
O premiê também já avisou que não aceitará a nova regra e pretende convocar novas eleições para 15 de outubro.
Para o pleito acontecer, porém, a votação precisa ser aprovada por dois terços do Parlamento, e a oposição já declarou que só apoiará o pleito após ter garantias de que o brexit sem acordo não acontecerá em nenhuma hipótese.
“Nós não seremos enganados ou ludibriados por Johnson, por isso estamos estudando todas as maneiras pelas quais, tendo garantido a legislação, ele não possa se esquivar de cumpri-la” disse John McDonnell, o número dois do Partido Trabalhista, a principal sigla de oposição.
A votação fora de época também pode ocorrer caso seja aprovada uma moção de desconfiança contra o premiê e, em 14 dias, não houver acordo para a formação de um novo governo.
Em condições normais, as eleições gerais no Reino Unido ocorrem a cada cinco anos —a próxima está marcada para 2022.
Decidido em plebiscito de junho de 2016, o adeus de Londres ao bloco foi objeto de negociações formais entre os dois lados por mais de um ano e meio.
Porém, o pacto fechado entre a antecessora de Boris, Theresa May, e os europeus no fim de 2018 acabou rejeitado pelos deputados britânicos três vezes, levando à renúncia da primeira-ministra em julho passado.
Entretanto, em uma reviravolta inesperada, os deputados podem ter que votar esse acordo outra vez em breve.
Isso porque durante a votação das emendas nesta quarta, foi aprovada uma proposta que estabelece que caso não exista nenhum acordo até o dia 19 de outubro, os parlamentares terão novamente que opinar sobre o acordo fechado por May —apenas se ele for rejeitado o premiê terá que pedir um adiamento do brexit.
Boris assumiu o cargo prometendo resolver o impasse, mas até o momento as coisas só ficaram mais complicadas.
Só na terça (3), o premiê viu sua maioria se esvair na Casa (sua coalizão atualmente tem um deputado a menos que a oposição) e presenciou trabalhistas e rebeldes conservadores se unindo para tirar do governo o poder de definir a agenda de votação nesta quarta.
Foi essa manobra que permitiu aos parlamentares aprovarem a proibição do brexit sem acordo.
Em resposta, o premiê ordenou a expulsão de 21 deputados do partido que votaram contra o governo —o grupo inclui dois ex-ministros das Finanças e o neto de Winston Churchill, célebre ex-premiê britânico.
A principal desavença entre Londres e Bruxelas é sobre o que fazer com a fronteira entre a Irlanda do Norte (parte do Reino Unido) e a República da Irlanda (país independente e membro da UE).
O bloco insiste em manter no documento uma cláusula (o “backstop”) que visa evitar a volta de controles alfandegários na fronteira entre as Irlandas. Mas o plano soa inadmissível para boa parte dos deputados britânicos –daí as três rejeições do texto até agora.
O governo britânico também afirma que está disposto a pagar, na melhor das hipóteses, 10 bilhões de libras (R$ 50 bilhões) como indenização para o bloco.
A União Europeia, por sua vez, já repetiu que, com ou sem aprovação de acordo pelo Parlamento britânico, o Reino Unido precisa pagar 39 bilhões de libras (R$ 195 bilhões) para se separar do grupo.
É isso, ou não haverá negociação de nova relação comercial entre os dois lados após o brexit.