Efeitos da economia de via dupla dos Estados Unidos

Estamos na temporada de graduação nas universidades nos EUA e esta é a ocasião para se deixar a faculdade e partir em busca de um emprego. Apesar dos tremores das bolsas na semana passada, a economia americana mantém uma base sólida. Está agora em seu 12.º mês de expansão e há poucos sinais de bolhas prestes a explodir.
O desemprego continua em queda, a inflação está controlada, os salários finalmente vêm aumentando, e talvez de modo significativo, e a produtividade está em alta. Algumas destas tendências podem ser efêmeras, mas é inegável que os indicadores econômicos são categoricamente positivos.
Mas esses dados favoráveis não devem alterar outro grupo de indicadores com relação à geografia do crescimento. No discurso de formatura de alunos da universidade estadual de Ohio no outro fim de semana previ que os formandos em busca de um emprego o conseguirão – em uma cidade.
Segundo cálculos feitos por Mark Muro, da Brookings Institution, durante a década passada, as 53 maiores áreas metropolitanas americanas representaram 71% de todo crescimento populacional, dois terços de todo o crescimento do emprego e três quartos de toda a expansão econômica. Na verdade, o aumento no número de vagas de trabalho nos EUA se verificou em apenas 20 cidades.
Por outro lado, pequenas cidades e a América rural perderam moradores e praticamente não contribuíram com quase nada para o crescimento econômico. Os números seriam piores não fosse o fato de que o boom na área de extração de petróleo e gás criou muitos empregos em regiões rurais.
O Comitê Econômico Conjunto do Congresso divulgou um relatório alertando para essas tendências. Jovens formados partem das pequenas cidades e áreas rurais em busca de oportunidades nas grandes cidades. Essa fuga de cérebros deprime o crescimento em áreas deixadas para trás, o que, em consequência, leva a uma nova fuga de pessoas instruídas. É uma espiral clássica: favorecimento das cidades em detrimento das zonas rurais.
Esta economia de via dupla produziu uma cultura similar, com americanos das áreas urbanas e rurais vivendo cada vez mais seus mundos distintos de informação, entretenimento e produtos de consumo. Como podemos avaliar pelas votações, o Congresso hoje está mais polarizado do que as extremas divisões políticas observadas anteriormente em consequência da Reconstrução.
Por que isso vem ocorrendo? As tendências econômicas são mais fáceis de explicar: elas têm a ver com a revolução digital e a globalização. O trabalho mental é mais valioso, o trabalho braçal menos. As forças culturais têm influência na ascensão da política de identidade e a reação contra uma sociedade mais multicultural e a imigração. Mas, independente das causas, estas tendência devem persistir e até mesmo se intensificar à medida que a inteligência artificial e a automação tornam obsoleto o trabalho rotineiro não qualificado.
Vemos as forças que dividem os EUA. A pergunta que devemos fazer é: o que fazer para unir o país? Uma resposta que me atrai cada vez mais é o serviço nacional. Pode ser uma das poucas maneiras de eliminar a vasta e crescente divisão nos EUA. Fiquei animado ao ver dois candidatos democratas que disputam a candidatura à presidência, Pete Buttigieg e John Delaney, endossarem esta ideia.
Donald Trump se referiu calorosamente ao serviço nacional durante sua campanha em 2016, sugerindo que os democratas só falavam a respeito, mas que ele faria coisas extraordinárias para promovê-lo. Naturalmente, uma vez na presidência, ele tentou cortar gastos nesses programas.
Há muitas maneiras de elaborar um programa de serviço nacional. Um sistema voluntário provavelmente funcionaria melhor, com incentivos como perdão de dívidas e ajuda para pagamentos das taxas escolares. Segundo um estudo de 2013 os atuais programas poderiam ser ampliados para incluir um milhão de voluntários sem tirar o emprego dos trabalhadores existentes, propiciando benefícios sociais que valeriam quatro vezes mais do que os custos implicados. 
Como observou Mickey Kaus em seu livro publicado em 1992, The End of Equality, John F. Kennedy, um dos mais ricos herdeiros dos EUA, estudou na escola de elite Choate Rosemary Hall e em Harvard, serviu na 2.ª Guerra num torpedeiro com homens que trabalhavam como mecânicos, operários, choferes de caminhão e pescadores. Imagine se na América de hoje os filhos de gestores de fundos de hedge, de milionários do setor de tecnologia ou de banqueiros passassem um ano com filhos de mineiros e agricultores.
O serviço nacional não resolvera todos os problemas dos EUA. Mas poderá nos unir como nação. Este é o primeiro passo crucial que temos de dar à frente.

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