Diplomacia chinesa se torna mais agressiva

Embaixadores chineses pelo mundo estão deixando a diplomacia de lado e adotando um discurso agressivo, com ameaças e críticas aos governos locais. Isso mostra uma China cada vez mais assertiva 

Os diplomatas chineses têm deixado a diplomacia de lado. Nos últimos dois meses, com a missão de rebater as acusações do Ocidente de que o coronavírus se originou em seu país, os emissários de Pequim substituíram a cortesia pela intimidação. 

Pequim mergulhou de cabeça numa luta raivosa quanto à narrativa da pandemia, Isso inclui acusações de que aposentados franceses em asilos foram abandonados para morrer, ameaças de boicote a produtos australianos caso a Austrália faça uma investigação sobre a covid-19, pressões sobre governos pelo mundo, de Praga a Wellington, para que façam elogios públicos do envio de máscaras, e tuítes com teorias de conspiração de que os EUA criaram a pandemia para prejudicar a China. 

Os diplomatas “lobos guerreiros” – assim apelidados por causa de uma série de filmes em que forças especiais chinesas derrotam mercenários liderados por ocidentais – surgiram nos últimos três anos. Mas a eclosão da epidemia colocou suas táticas combativas no centro da abordagem de política externa de Pequim. 

Analistas chineses e ocidentais disseram que ver como EUA e China atuaram para conter a epidemia ajudou a convencer Pequim de que a China eclipsará os EUA como maior potência do mundo. 

“Estamos vendo uma versão 2.0 da assertividade exibida por Pequim depois da crise financeira mundial de 2008”, disse Jude Blanchette, especialista em China no centro de estudos americano Center for Strategic and International Studies. “Isso é resultado da convicção de seu poder cada vez maior versus um Ocidente em declínio.” 

A ofensiva também é motivada pela frustração diante do impacto mínimo dos esforços chineses em conquistar o que Pequim chama de “poder de discurso” no cenário internacional. 

Mesmo depois de mais de dez anos tentando conter as narrativas ocidentais mais negativas sobre a China, “o Ocidente ainda domina o jogo”, escreveu Nadège Rolland, analista no centro de estudos americano National Bureau of Asian Research, em relatório recente. 

Embora Blanchette acredite que Pequim ajustará seu rumo nas próximas semanas, após a diplomacia agressiva relacionada ao vírus ter desencadeado reações contrárias, especialistas em política externa preveem implicações mais amplas. Eles acreditam que o empenho de décadas da China para envolver-se com o Ocidente chegou ao fim. 

“A mentalidade agora é mais a de coagir as contrapartes a respeitar os interesses da China, uma vez que a segurança cooperativa é vista como cada vez menos efetiva”, disse Zhao Tong, pesquisador sênior no Centro de Políticas Globais Carnegie- Tsinghua, uma parceria entre o centro de estudos americano e uma das principais universidades chinesas. 

Zhao descreve a mudança como um “processo em aceleração” motivado pela ambição do presidente Xi Jinping e pela hostilidade dos EUA em relação à China. 

Essa mudança está ocorrendo há algum tempo. Eventos como as críticas ocidentais à China pela repressão na Praça da Paz Celestial, em 1989, ou o bombardeio acidental pelos EUA da embaixada chinesa em Belgrado provocam abalos periódicos no compromisso de Pequim de trabalhar com Europa e EUA para impulsionar seu desenvolvimento econômico. 

Já em 2009, o então vice-presidente Xi revelava uma antipatia bem enraizada contra o Ocidente. “Alguns estrangeiros, depois de terem se fartado, não têm nada melhor a fazer do que apontar dedos acusadores contra nós”, disse a uma audiência chinesa no México. “Não exportamos revolução, pobreza nem fome e não causamos nenhum problema, então o que há para vocês reclamarem?” 

Embora estrangeiros lidando com a China estivessem acostumados a autoridades chinesas expressando esse sentimento de forma reservada há muitos anos, tal atitude tornou-se mais proeminente desde que Xi assumiu o poder, em 2012. Ele abandonou a máxima da política externa chinesa de que o país tinha que esconder sua força. 

Outros acadêmicos chineses dizem que essas preocupações ganharam força depois de o governo Trump começar a citar a China como adversária em documentos de segurança. 

Depois da intensificação das críticas internacionais sobre os campos de reeducação do Partido Comunista em Xinjiang e sobre a forma como lidou com os protestos em Hong Kong, a liderança em Pequim tem pedido um “espírito de combate” na sociedade chinesa. Essas instruções foram repassadas aos diplomatas pelo ministro das Relações Exteriores, Wang Yi. 

“A chamada mentalidade de resultados em relação ao Ocidente [e] a convicção de que precisamos compreender plenamente a hostilidade dos EUA agora se tornaram muito dominantes, mesmo que isso não seja manifestado frequentemente em público”, disse Zhao. 

Embora tenha sido motivada principalmente pela percepção de maior rivalidade de poder contra os EUA, boa parte das consequências dessa disputa durante a crise do coronavírus tem sido vista na Europa. “Eles começaram a falar conosco num tom que antes teriam usado apenas com países que consideravam pequenos ou fracos”, disse um diplomata alemão. 

Mareike Ohlberg, pesquisadora do German Marshall Fund especializada nas campanhas chinesas de influência na Europa, disse: “No passado, no que se refere a nós, eles destacavam o longo prazo, o positivo, o construtivo. É a primeira vez que vemos uma mensagem destrutiva em grande escala direcionada à Europa.”

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2020/05/13/diplomacia-chinesa-se-torna-mais-agressiva.ghtml

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