Dançando à beira do desastre climático

Financial Times; Como devemos avaliar o resultado da COP26 em Glasgow? Seria razoável concluir que foi tanto um triunfo quanto um desastre – triunfo por alguns passos notáveis terem sido dados, e desastre por eles estarem muito aquém do necessário. Ainda é incerto se nosso mundo dividido conseguirá reunir a vontade para enfrentar esse desafio no tempo que nos resta, antes que os danos se tornem impossíveis de administrar. 

O Climate Action Tracker (Monitor da Ação Climática) nos proporcionou um resumo útil de onde estamos: nas políticas e ações atuais, o mundo caminha para um aumento médio da temperatura de 2,7oC acima dos níveis pré-industriais; considerando-se apenas as metas para 2030, isso cairia para 2,4oC; a implementação total de todas as metas submetidas e vinculativas proporcionaria um aumento de 2,1oC; e, finalmente, a implementação de todas as metas anunciadas resultaria num aumento de 1,8oC. Assim, se o mundo entregasse tudo o que agora sinaliza, estaríamos perto do teto recomendado de um aumento de 1,5oC. 

O ceticismo é plenamente justificado. Segundo o Climate Action Tracker, apenas União Europeia (UE), Reino Unido, Chile e Costa Rica têm hoje metas de emissões líquidas zero adequadamente projetadas. As melhorias anunciadas nas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, na sigla em inglês) desde setembro de 2020 reduzirão o déficit nos cortes das emissões dos gases do efeito estufa exigidas até 2030 em apenas 15% a 17%. 

Mais da metade dessa redução nas NDCs vem dos Estados Unidos, cujas políticas futuras são, para dizer o mínimo, incertas. Novas iniciativas setoriais reduzirão o déficit de 2020 nos cortes das emissões dos gases do efeito estufa até 2030 em 24% a 25%. As reduções anunciadas nas emissões de metano e no desmatamento serão particularmente significativas, se realizadas. Mas a redução do desmatamento é duvidosa. Em todo caso, o déficit continua grande. 

No entanto, o quadro não é totalmente sombrio. Os compromissos “net zero” hoje cobrem 80% das emissões totais. O teto de 1,5oC também é um consenso claro. Outro bom sinal é uma declaração conjunta dos Estados Unidos e China, uma vez que nada pode ser alcançado sem esses dois países. A declaração final também inclui um compromisso de “acelerar os esforços para a redução progressiva da geração de energia pela queima de carvão, que continua inabalada, e dos subsídios aos ineficientes combustíveis fósseis”. Isso é muito pouco. Mas é uma novidade em termos de acordos climáticos. 

Entretanto, se o mundo quiser atingir as reduções recomendadas nas emissões até 2030, muita coisa mais terá de acontecer. Uma possibilidade são os novos compromissos na sequência da COP, que acontecerá no Egito no ano que vem. Esta será a primeira de uma série de reuniões de cúpula anuais em que os países serão solicitados a melhorar suas promessas. 

Outra possibilidade é um setor privado mais ativo. Quanto a isso, a principal notícia é a Glasgow Financial Alliance for Net Zero (GFANZ). Segundo Mark Carney, ex-presidente do Banco da Inglaterra, seu objetivo é “construir um sistema financeiro em que todas as decisões tomadas levem em conta as mudanças climáticas”. 

A GFANZ é formada por grandes gestores de ativos e bancos mundiais, com ativos totais sob administração de US$ 130 trilhões. Em princípio, a alocação desses recursos para objetivos net zero faria uma grande diferença. Mas, segundo observa Carney, US$ 100 trilhões são “a quantia mínima de financiamentos externos necessários para o esforço de energia sustentável ao longo das próximas três décadas”. Isso é assustador. 

Desnecessário dizer que, embora seja possível evitar que as empresas façam coisas lucrativas, é impossível forçá-las a fazer coisas que elas considerem insuficientemente lucrativas, após o ajuste aos riscos. Se elas forem investir na escala necessária, será preciso haver uma precificação das emissões de carbono, uma eliminação dos subsídios aos combustíveis fósseis, proibição dos motores de combustão interna e divulgações financeiras obrigatórias relacionadas ao clima. Mas também será preciso haver algum meio de se conseguir grandes quantidades de investimentos privados na transição climática nos países emergentes e em desenvolvimento, China à parte. 

A GFANZ pede a criação de “plataformas de país”, que convocariam e alinhariam as “partes interessadas – incluindo governos nacionais e internacionais, empresas, ONGs, organizações da sociedade civil, doadores e outros agentes do desenvolvimento -… para chegar a um acordo e coordenar as prioridades”. Uma grande e controvertida questão será a divisão de riscos. O setor público não deveria assumir todos os riscos e o setor privado ficar com todas as recompensas da transição energética. 

Muita atenção é dedicada ao fracasso dos países desenvolvidos de entregar os prometidos financiamentos anuais de US$ 100 bilhões aos países emergentes e em desenvolvimento. Isso é 

simbolicamente importante. Mas, conforme observam Amar Bhattacharya e Nicholas Stern, da London School of Economics, isso é pouco: “Juntos, os mercados emergentes e as nações em desenvolvimento, com exceção da China, precisarão investir aproximadamente US$ 800 bilhões adicionais por ano até 2025, e perto de US$ 2 trilhões por ano até 2030” na amenização e adaptação às mudanças climáticas e na restauração do capital natural. Cerca de metade disso terá de vir de fora, principalmente de fontes privadas. 

No entanto, o setor público também precisa fazer mais. Nesse contexto, é realmente lamentável que não se tenha aproveitado ainda mais a recente emissão de direitos especiais de saque. Da alocação total de US$ 650 bilhões, cerca de 60% irão para países de alta renda que não precisam disso e parcos 3% irão para países de baixa renda. Está planejado o repasse de US$ 100 bilhões desses recursos de países de alta renda para países em desenvolvimento. Isso deveria ser muito mais, para ajudá-los a lidar com o legado da covid-19 e com os desafios climáticos. 

Resumindo, se compararmos a discussão global atual com a de uma década atrás, percorremos um longo caminho. Mas se a compararmos com onde precisamos estar, ainda há um caminho espantosamente longo a percorrer. É cedo demais para abandonar a esperança. Mas ser complacente seria um absurdo. Precisamos agir com força, credibilidade e rapidez e, principalmente e não menos importante, devemos concordar em fazer isso juntos. A tarefa é grande e estamos atrasados. Não podemos mais ficar sentados esperando. (Tradução de Mário Zamarian). 

Martin Wolf é editor e principal analista econômico do Financial Times 

https://valor.globo.com/opiniao/coluna/dancando-a-beira-do-desastre-climatico.ghtml

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