Dados sugerem desaceleração mais forte da China

A economia da China cresceu 6,2% no segundo trimestre, segundo dados oficiais. O resultado ficou próximo à meta de Pequim e dentro da faixa de um ponto percentual na qual tem estado o PIB chinês em todos os trimestres nos últimos quatro anos e meio.
Alguns meses antes, satélites que monitoram os polos industriais chineses sugeriam que partes da economia estavam se contraindo. E um indicador da produção industrial chinesa criado por uma multinacional apontava para um crescimento menor que o anunciado pelo governo.
Há uma convicção cada vez maior entre economistas, empresas e investidores de que o quadro real na China é pior do que mostram os dados oficiais. Isso fez com que analistas e pesquisadores analisassem uma série de dados alternativos – desde consumo de energia até fotos de satélite -, em busca de números mais precisos.
Eles concluíram que a economia chinesa não está despencando, mas está mais frágil do que o apregoado. Alguns economistas avaliam que a taxa de crescimento da China pode ser até três pontos percentuais inferior, com base na análise dos lucros das empresas, arrecadação fiscal, frete ferroviário, vendas de imóveis e outros dados de atividade considerados mais difíceis de serem maquiados.
Os dados alternativos indicam que a desaceleração na economia chinesa está ocorrendo em áreas como a indústria de transformação. Em muitos casos, os indicadores alternativos anteciparam os resultados oficiais e mostram a profundidade dos desafios enfrentados pelas autoridades chinesas.
“A indústria de transformação está sendo fortemente prejudicada”, disse Leland Miller, diretor executivo do Livro Bege da China, que mede a força da economia com base numa pesquisa junto a milhares de empresas. “Os investimentos caíram, as contratações sofreram sério abalo, houve uma enorme queda nas encomendas.”
Boa parte dos dados “não nos revela nada de bom sobre a economia da China”, disse Eric Pratt, diretor da AVX, fabricante de componentes eletrônicos com sede na Carolina do Sul, e que tem duas fábricas na China que produzem autopeças e componentes para celulares. Pratt disse que, ao longo dos últimos 12 meses, quando indicadores alternativos apontavam para mais fragilidade na China, sua empresa fechou postos de trabalho e desacelerou a produção.
Desde a escalada do conflito comercial entre EUA e China, suspeitas de que Pequim possa estar manipulando seus indicadores a fim de fornecer um retrato de saúde econômica, se tornaram um desafio para o governo americano. Os negociadores comerciais dos EUA tentam captar qualquer sinal de fragilidade para arrancar mais concessões de Pequim.
À medida que os efeitos das ofensivas e contraofensivas tarifárias se infiltram na economia chinesa, Pequim passou a dificultar o acesso a dados que se mostraram confiáveis no passado, suspendendo, em alguns casos, a divulgação de indicadores que dão um quadro desfavorável.
Em dezembro, o indicador de produção industrial da província de Guangdong – importante polo exportador – foi suspenso após apontar números inferiores aos dados nacionais por vários meses. Isso abriu espaço para dezenas de fornecedores de dados proprietários, que disputam um crescente campo de clientes financeiros e multinacionais, bancos centrais e órgãos governamentais de todo o mundo. Elas enfrentam uma tarefa difícil, em vista da magnitude e da diversificação da economia chinesa, na qual as condições de trabalho, renda e os níveis de atividade sofrem ampla variação, conforme as cidades, os polos industriais e as áreas rurais em questão.
A empresa de pesquisa Capital Economics, sediada em Londres, tem seu próprio indicador de crescimento da economia chinesa, formulado a partir de medidas como a quantidade de área útil em construção, produção de energia elétrica, tráfego de frete e de passageiros e de volumes dos portos marítimos. “O problema não é a falta de dados, e sim a qualidade”, afirmou Julian Evans-Pritchard, economista-sênior para a China.
O indicador da empresa, chamado China Activity Proxy, revelou um crescimento inferior aos números oficiais nos últimos sete anos. Recentemente, ele indicou uma taxa de expansão em torno de 5,7%, atribuída, em parte, ao aumento do nível de atividade do setor de construção civil. Mas a produção de energia elétrica – um indicador da atividade na indústria de base – despencou, e a expansão do crédito continua fraca, o que corrobora a impressão de que partes da economia não vão bem.
Em julho, a China informou um crescimento ano a ano de 4,8% da produção industrial, seu ritmo mais lento dos últimos 17 anos. Uma grande multinacional tinha captado esses sinais muito antes.
A Eaton, fabricante mundial de componentes elétricos e sistemas de energia elétrica para prédios, instalações industriais, aviões e outros equipamentos, tem cerca de US$ 2 bilhões de vendas na China. Em 2018, seu indicador mostrou uma expansão de 2,7% da produção industrial chinesa, enquanto o dado oficial chinês estava acima de 5% no decorrer de 2018. O índice da empresa estimou um crescimento de 2,5% para o primeiro semestre deste ano.
O indicador foi montado por uma equipe de economistas da casa há dez anos, quando a Eaton percebeu que a demanda era inferior aos números de expansão da economia divulgados por Pequim, disse seu ex-economista-chefe Jim Meil. O índice foi implementado a partir de dados chineses captados de fontes internas, que incluíram vendas de automóveis, produção de aço e nível de atividade da construção civil, disse Meil.
No fim de 2018, meses antes de o índice de atividade industrial da China apontar uma contração, satélites operados pela empresa de pesquisa SpaceKnow, dos EUA, detectaram uma desaceleração significativa desse setor.
A SpaceKnow monitora cerca de 6 mil localidades na China e analisa dados de luzes noturnas e bandas de infravermelho – indicadores de calor produzidos por energia elétrica ou por fábricas – de metade dessas localidades aproximadamente a cada duas semanas. Produz um índice que se tornou um dos principais indicadores chineses de atividade industrial usados por fundos de hedge, bancos centrais e governos, disse seu executivo-chefe, Jeremy Fand.
Fand disse que a empresa também está trabalhando em um projeto para um órgão governamental americano que tenta analisar o impacto das tarifas dos EUA sobre a economia e sobre determinados setores chineses.

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