Da série: Princípios da Criação

Por Heraldo Bighetti Gonçalves

3. Apreendendo imagens

Se seguirmos a história da propaganda, veremos que a imagem hoje reina quase absoluta sobre o texto revertendo a supremacia que os redatores tinham sobre os diretores de arte. Mas não é o que acontece com o jovem proponente a direção de arte.

Nos anos 1960, o ingresso para o pessoal que iria desenvolver sua carreira na direção de arte era o talento artístico. Crianças que sabiam ilustrar e pintar começavam no estúdio da agência e depois de muitos anos de aprendizado técnico-analógico, tornavam-se diretores de arte.

A constatação, à primeira vista óbvia, é que existiam poucos diretores de arte pois, para sê-lo, necessitariam dominar ou possuir o talento visual artístico. Só para comprovar, uma das características da maioria dos diretores de arte é que ele foram ou são pintores bissextos. Portanto, as artes plásticas dominavam a formação desses profissionais publicitários assim como na distante Florença onde surgiram os primeiros estagiários. Eles eram os aprendizes de um artista renomado. Leonardo Da Vinci, por exemplo, foi estagiário do estúdio de Verocchio, que já a aquela época era um estabelecimento onde a multidisciplinaridade existia. Ou seja, as artes tinham sua funcionalidade ligada ao que podemos denominar de comunicação integrada renascentista.

Os mecenas, ou anunciantes, usavam as ferramentas de comunicação da época para fazer propaganda de suas realizações para a população, de suas críticas, da política etc. E os estagiários iam aprendendo com seus mestres as artes da pintura (em vários substratos – tela, mobiliário, panos ou bandeiras, pergaminhos etc.), escultura, arquitetura, e ourivesaria. O começo era difícil, pois ao aprendiz era relegado o trabalho de um serviçal. Limpar o lugar, providenciar comida, arrumar os utensílios. E assim prosseguia o jovem até o momento que o mestre o convidava para fazer a mistura dos pigmentos e obter as cores tão necessárias para a expressão da genialidade artística. Nesse ponto, nosso estagiário seiscentista começava a descobrir os segredos da síntese aditiva nas tintas. A importância da luz que refletia uma cor e absorvia outras. Conhecimentos e vivências que hoje continuam tão necessários para o futuro diretor de arte, mas também muito distantes da realidade que o formará.

As agências de propaganda, até o advento da informática, praticamente reproduziam o ambiente de um estúdio florentino no Renascimento. Os aprendizes do ofício, os estagiários, exercitaram e aprimoraram suas habilidades junto a experientes profissionais. Começavam jovens, levados pelos pais até aquela empresa que fazia “reclames” e era a única apta a acolher as habilidades do filho pródigo, orgulho para a família e causa de assombro nos vizinhos pelo dom da pintura. Isso não iria importar muito para o chefe de estúdio que, imediatamente, colocava o imberbe gênio dos pincéis para limpar pincéis, godets e outros apetrechos analógicos de uso normal naqueles tempos românticos. Assim, como Leonardo Da Vinci e tantos outros gênios da pintura, nosso pequeno aprendiz iria aos poucos adquirir a vivência dos processos e habilidades que compunham o trabalho no estúdio de uma agência de propaganda, que no caso era o de marcar letras, layoutar, diagramar, fazer paste-up e arte-finalizar. Nesse ambiente onde se respirava arte publicitária praticamente vinte e quatro horas por dia, ele também conheceria os vários processos de impressão que dariam forma ao trabalho criado pelas duplas de criação, preparado por ele e seus companheiros, permitindo assim que as artes gráficas entrassem em seu sangue. Depois de alguns anos, nosso aprendiz já poderia pleitear um lugar de assistente de direção de arte e prosseguir a carreira até se tornar diretor de arte.

Tudo ia bem no mundo da criação publicitária quando a revolução digital transformou para sempre a forma de produzir anúncios. E, por que não, de pensar e criar?

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