Quando começaram a se reunir em Genebra, na primavera de 2022, estes especialistas militares e civis em manutenção de paz insistiram na discrição. O tema era delicado: como implementar um futuro cessar-fogo na Ucrânia.
Na semana passada, este grupo de especialistas veio a público pela primeira vez, publicando um artigo de 31 páginas que se aprofunda em detalhes técnicos sobre como um cessar-fogo ao longo de uma linha de frente de mais de 1.120 quilômetros poderia ser aplicado e monitorado. O artigo foi compartilhado no mês passado por outro canal confidencial: uma reunião recorrente em Genebra entre especialistas em política externa americanos, russos e ucranianos próximos aos governos de seus países.
O artigo, um dos modelos mais detalhados para um cessar-fogo na Ucrânia já publicado, é um sinal da rapidez com que o tema do planejamento de um cessar-fogo passou de um exercício controvertido e teórico para uma questão urgente e prática.
A França e o Reino Unido levantaram a possibilidade de enviar milhares de seus próprios soldados para a Ucrânia após o fim dos combates, embora haja pouca clareza sobre qual seria a atribuição dessa força. A Rússia não mostrou nenhum sinal de concordância com essa presença militar, enquanto o presidente Donald Trump ofereceu poucas garantias de algum apoio dos Estados Unidos ao esforço.
“Uma das maiores operações de monitoramento de cessar-fogo de todos os tempos se fará necessária muito rapidamente, até aqui não havia nenhum planejamento sobre como seria”, disse Walter Kemp, especialista em segurança europeia, que redigiu o documento do grupo de Genebra.
Trump disse que deseja um acordo rapidamente e, na última semana, adotou medidas para forçar a Ucrânia à mesa de negociação: suspendeu a ajuda militar e o compartilhamento de inteligência com Kiev enquanto afirmou repetidamente, sem nenhuma evidência, considerar que o presidente russo, Vladimir Putin, quer um acordo.
Acordo
Ao longo da maior parte da invasão russa de três anos à Ucrânia a possibilidade de um cessar-fogo pareceu distante e, afirmam alguns analistas, um tópico considerado tabu. Kiev e os líderes ocidentais buscaram manter o foco no campo de batalha em vez das complicações de um eventual acordo e relutavam em falar publicamente sobre a possibilidade de a Ucrânia não conseguir alcançar a vitória.
Mas o desejo de Trump de pôr fim aos combates rapidamente escancarou o que acontecerá em campo se a luta terminar. O cessar-fogo anterior na Ucrânia, negociado em Minsk, Belarus, em 2015, foi minado por um monitoramento irregular e pela ausência de uma maneira de punir violações aos termos do acordo.
O artigo da semana passada, produzido pelo Geneva Center for Security Policy, um instituto de análise financiado pelo governo suíço, apresentou alguns números específicos. O texto propõe o estabelecimento de uma zona-tampão de pelo menos 9 quilômetros para separar os dois Exércitos e um plano para que uma equipe composta por 5 mil civis e policiais patrulhem a faixa. O artigo argumentou que cerca de 10 mil soldados estrangeiros podem ser necessários para fornecer segurança a esses agentes de monitoramento.
Os monitores vigiariam o cumprimento do cessar-fogo e se armamentos pesados seriam afastados da zona-tampão a uma distância acordada. A missão operaria sob um mandato das Nações Unidas ou de outro organismo internacional.
Essa força poderia ajudar a evitar que tensões e desentendidos se transformassem em novos combates, mas funcionaria separadamente de qualquer força “de detecção e alerta” destinada a fornecer uma garantia de segurança para a Ucrânia no caso de outra invasão russa.
Thomas Greminger, diretor do instituto em Genebra, coordenou o monitoramento do cessar-fogo na Ucrânia de 2017 a 2020 como secretário-geral da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa, um grupo sediado em Viena que fazia o monitoramento.
Greminger afirmou que reuniu um painel de especialistas em cessar-fogo logo após o início da invasão de 2022 com o objetivo de apresentar opções sobre como tornar um futuro armistício na Ucrânia mais duradouro do que o anterior.
Entre os especialistas figuram autoridades de organizações internacionais e ex-comandantes militares com experiência em manutenção de paz, disse ele. Os integrantes do grupo pediram para não ser identificados publicamente, em razão da sensibilidade do tema para suas entidades.
”Tivemos de ser bastante discretos”, afirmou Greminger.
Encontros
Separadamente, Greminger organizou discussões confidenciais entre especialistas em política externa da Ucrânia, da Rússia, dos EUA e da Europa.
Os participantes desses encontros — cujas identidades Greminger não revelou — agiram a título pessoal, disse ele, mas esperava-se que eles fossem pautados por seus governos anteriormente e os informassem depois a respeito do teor das conversas. Greminger afirmou que o propósito inicial das reuniões, que começaram em 2022, era “estabelecer um canal de comunicação” com Moscou e que cenários para um cessar-fogo ou acordo também foram discutidos.
Não está claro qual impacto, se houver, a proposta de cessar-fogo surtirá nas negociações propriamente ditas, especialmente em razão da abordagem personalista adotada por Trump e Putin. Mas os esforços do instituto de Genebra também lançam luz sobre a diplomacia de bastidores que tem sido uma marca registrada de uma guerra na qual o Ocidente e a Ucrânia buscaram isolar a Rússia na arena internacional ao mesmo tempo se comunicavam com Moscou em relação a certos assuntos em particular.
Negociações de bastidores com a Rússia, por exemplo, resultaram em uma série de trocas de prisioneiros de guerra e no acordo que permitiu à Ucrânia exportar seus grãos através do Mar Negro (até a Rússia se retirar do pacto, em 2023). Ao longo da guerra, o artigo do instituto de Genebra diz que Rússia e Ucrânia “encontraram maneiras de cooperar em questões de interesse mútuo”.
O texto propõe que os monitores internacionais trabalhem com uma comissão conjunta composta por oficiais militares russos e ucranianos. Por meio da comissão, ambos os lados poderiam assumir responsabilidades e negociar coisas como libertação de prisioneiros, remoção de minas e corredores civis através da zona-tampão.
“Será um problema difícil e sem precedentes”, disse Samuel Charap, analista especializado em Rússia na RAND Corporation, referindo-se à implementação de um cessar-fogo na Ucrânia.
Um motivo é a extensão da fronteira entre o território ucraniano e o território ocupado pela Rússia — cerca de cinco vezes mais longa que a Zona Desmilitarizada entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul. Outro, ele disse, é a sofisticação e o alcance do armamento de que a Rússia e a Ucrânia dispõem.
Charap afirmou que não estava envolvido com o projeto do instituto de Genebra, mas disse que conhece seus termos e está trabalhando em propostas próprias sobre maneiras que sensores montados em drones, balões, dirigíveis, bóias e barcos poderiam ser usados para monitorar um cessar-fogo.
Segundo Charap, o monitoramento preciso seria um fator crítico para determinar se um futuro armistício na Ucrânia seria mantido. Aumentar a probabilidade de uma violação ser documentada, disse ele, reduziria os incentivos para ambos os lados testarem a estabilidade do armistício. Também seria capaz de diminuir as chances de ações não intencionais ou desonestas poderem desencadear novos combates.
“Acho que não temos na estante algum esboço que possa ser consultado facilmente” sobre como implementar um cessar-fogo na Ucrânia, disse Charap, que pede há muito tempo que o Ocidente explore a possibilidade de um acordo negociado. “Em parte porque o assunto foi tabu por tanto tempo.”
No entanto, o ceticismo a respeito da disposição de Putin em concordar com um cessar-fogo, quem dirá cumprir seus termos, continua generalizado; autoridades russas prometiam quase até o início da guerra que o presidente russo não tinha intenção de invadir a Ucrânia. E nenhuma missão de monitoramento será capaz de deter Putin se ele decidir lançar uma nova invasão da Ucrânia.
Janis Kluge, especialista em Rússia no Instituto Alemão de Assuntos Internacionais e de Segurança, uma organização de pesquisa em Berlim, afirmou que é “perigoso ocupar nossas mentes com essa ilusão” de um cessar-fogo potencialmente iminente. “Não considero realista a Rússia concordar com um pacto segundo o qual a Ucrânia permaneça independente e soberana, mesmo no território que controla”, disse Kluge.