Cientistas de dados começam a assumir cargos executivos

Uma nova função começa a ganhar mais poder de decisão nas reuniões de diretoria. Conhecido como Chief Data Officer (CDO, na sigla em inglês), o executivo que senta nessa cadeira é responsável pela transformação digital das organizações, cada vez mais orientadas por análises de dados de clientes e operações. Também são contratados para identificar oportunidades de negócios e buscar eficiência operacional.
Levantamento global do instituto de pesquisas Gartner indica que, até 2021,
75% das grandes organizações terão esse profissional em uma função de
missão crítica, comparável aos líderes das áreas de tecnologia, negócios,
recursos humanos e finanças. “Desde o ano passado, recrutamos CDOs para
fintechs e setores como o farmacêutico, de agronegócio e varejo”, afirma Leandro Bittioli, gerente da divisão de tecnologia da informação (TI) da consultoria de RH Talenses. Em alguns casos, promoções internas para essa posição ou a chegada de novos executivos puxam a contratação de mais funcionários, por conta da montagem de departamentos dedicados à análise de dados ou em negócios on-line.
Sancionada pelo presidente Michel Temer na semana passada, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais regulamenta o uso e transferência de dados pessoais no Brasil e dá um ano e meio para as empresas se adaptarem às novas regras. Em vigor desde maio, a nova política internacional para a proteção de informações pessoais, conhecida como GDPR (General Data Protection Regulation, da sigla em inglês) vem abrindo as portas das companhias para os CDOs. A lei, que vale para empresas brasileiras com atuação na Europa, obriga as chefias a adotarem regras mais rígidas no manuseio de cadastros de clientes e fornecedores.
Fábio Furia Silva, professor da pós-graduação em business intelligence e big data da Faculdade Impacta, especializada em cursos de tecnologia, espera que a nova lei brasileira tenha efeito no mercado. “As empresas terão um ano e meio para se adequar, o que vai exigir investimentos em gestão de dados. Muitas terão de criar o posto de CDO para liderar essas inovações.”
Na Serasa Experian, de análise de operações de crédito, o cargo de CDO foi criado há dois anos e caiu no colo de Rodrigo Sanchez, que já trabalhava na empresa há seis e era líder da unidade de informações de pessoas jurídicas. Graduado em ciência da computação e administração, e com um MBA em marketing, o executivo de 46 anos acumula mais de 25 anos de janela no mercado financeiro. “Ter essa visão dos dois ‘mundos’, da tecnologia e dos negócios, é essencial para o CDO”, garante.
Sanchez diz que a companhia decidiu criar o posto porque o mundo digital expandiu a geração de dados nas áreas de negócios, com a ampliação de oportunidades, mas também injetou complexidade na gestão dos ativos on-line. “Nesse cenário, as chefias precisam ter uma visão centralizada para focar nas melhores chances de contrato e encontrar sinergias internas.” A Serasa Experian responde seis milhões de consultas diariamente, on-line e em tempo real, auxiliando 500 mil clientes diretos e indiretos.
No dia a dia, o executivo define as políticas de uso e proteção das informações, coordena o relacionamento com fontes de dados externas, além de acompanhar os requisitos regulatórios do setor. Sanchez se reporta diretamente ao presidente da empresa e lidera 282 pessoas, 11% de um total de 2,5 mil funcionários no Brasil.
Junto com o cargo, a Serasa criou uma nova área, chamada de “data strategy” ou estratégia de dados. Este ano, o departamento abriu 39 vagas e ainda há 16 posições em aberto. A intenção é aumentar a quantidade de funcionários de perfil analítico, como cientistas de dados, estatísticos e desenvolvedores de TI, para deslanchar projetos ligados à big data. Somente em São Paulo, já são cerca de 20 cientistas trabalhando em um laboratório de inovação, o terceiro do tipo criado pelo grupo no mundo, depois das unidades de Londres e San Diego, nos EUA.
“Um dos principais desafios é conseguir mapear todas as oportunidades à vista”, diz. A agenda do cargo envolve também um diálogo constante com os executivos do topo da pirâmide, principalmente os líderes de negócios e vendas, além do CIO (Chief Information Officer), responsável pelo setor de tecnologia, e o CLO (Chief Legal Officer), parceiro importante na orientação sobre questões regulatórias no uso de informações.
O estudo do Gartner sobre os CDOs sinaliza que esses executivos possuem as missões mais difíceis nas reuniões de cúpula. São estimulados a destravar o fluxo de inovação que chega de vários setores, quebram a cabeça para integrar dados de perfis diferentes e ainda precisam manter o ritmo das entregas. De acordo com a pesquisa, 45% do expediente na função são destinados à criação de valor ou geração de receita, 28% do tempo vão para a economia de custos e eficiência operacional, enquanto 27% do dia são consumidos em ações de redução de riscos.
Esse profissional precisa ter um perfil híbrido, acostumado com as rotinas da área de tecnologia e do universo digital, afirma Bittioli, da Talenses. “É importante ainda mostrar capacidade para se envolver em múltiplas tarefas e na transformação dos processos de trabalho.”
O consultor identifica um aumento nas contratações desde meados de 2016 e acredita que a nova política europeia para a segurança de dados pode elevar a demanda, principalmente nas multinacionais. Em 2017, a Talenses recrutou dois CDOs, para os setores de agronegócio e varejo. Este ano, também intermediou contratações para as áreas de finanças, software e farmacêuticas. “A posição continuará em alta em 2019 porque a transformação digital deve ser um tema prioritário para os CEOs.”
Na Fortes Tecnologia em Sistemas, empresa cearense de soluções para gestão empresarial com 30 anos no mercado, o sócio e diretor de tecnologia Ronaldo Moreira, 46 anos, já passou a usar o crachá de CDO. Doutorando em inteligência artificial, ele responde ao CEO e ao conselho diretor do grupo de mil funcionários, espalhados em 30 unidades no Brasil. “É preciso ter autonomia para agir diante de situações que exigem respostas rápidas”, diz.
Também é necessário saber ‘pinçar’ talentos dentro da organização para desenvolver novos projetos, afirma o executivo que chega a comandar, em média, até 50 pessoas de diferentes setores, como TI, produtos e marketing. “Sempre tive afinidade com tarefas relacionadas à análise de dados. A transição foi natural.”

https://www.valor.com.br/carreira/5762257/cientistas-de-dados-comecam-assumir-cargos-executivos#

Comentários estão desabilitados para essa publicação