Economia chinesa debilitada favorece EUA em negociação

Os EUA e a China iniciaram dois dias de negociações em Washington para tentar resolver uma batalha comercial que vem ganhando intensidade, com os EUA alegando estar em vantagem, pelo fato de o governo chinês está tendo dificuldades para manter seu crescimento econômico num ritmo estável.
Pequim vem tentando uma série de estratégias para fortalecer sua economia no curto prazo, incluindo o relaxamento dos controles de crédito e encorajando a concessão de mais empréstimos e investimentos, especialmente em rodovias, ferrovias e outros grandes projetos de obras públicas. Como mostrou matéria do Valor assinada por Bob Davis.
Mas as medidas ameaçam enfraquecer a economia no longo prazo, segundo alertam muitos economistas. Isso porque o endividamento da China aumentou bastante desde 2009, quando Pequim também sofria com a recessão mundial, e a disputa comercial poderá levar o governo chinês a adiar as reestruturações de dívida.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) disse este ano que nos 43 casos internacionais em que o crédito cresceu tão rapidamente quanto no caso da China num período de cinco anos, “somente cinco terminaram sem uma grande desaceleração econômica ou crise financeira”.
O aumento dos gastos do governo, alimentado pelo crédito fácil, agrava os problemas da China com a dívida e reduz a disponibilidade de crédito para empresas e consumidores, segundo economistas. “O mercado está preocupado com o risco de estagflação”, diz Jiang Chao, economista da Haitong Securities de Xangai. Refletindo essas preocupações, Jiang diz que as ações e os bônus chineses, e o yuan, caíram nas últimas semanas.
Os EUA se concentraram na fraqueza da China antes das discussões, iniciadas ontem em Washington. Na semana passada, Lawrence Kudlow, diretor do Conselho Econômico Nacional, disse que a economia da China parece horrível. No fim de julho, Arthur Laffer, economista da era Ronald Reagan e assessor do presidente Donald Trump, enviou para a Casa Branca uma análise econômica intitulada “A grande queda da China”, dizendo que as tarifas impostas pelos EUA à China estão produzindo “um risco substancial de arruinar grande parte dos últimos 50 anos de crescimento da China”.
Para alguns no governo, incluindo o assessor comercial da Casa Branca, Peter Navarro, e o Representante Comercial dos EUA, Robert Lighthizer, a nuvem negra que paira sobre a economia da China é um motivo para adiar as negociações até que tarifas adicionais dos EUA entrem em vigor, disseram autoridades.
Hoje, os EUA começam a cobrar tarifas sobre US$ 16 bilhões em produtos chineses, além da sobretaxa já aplicada a US$ 34 bilhões em produtos. Até o fim de setembro, os EUA poderão elevar as tarifas sobre outros US$ 200 bilhões em produtos – metade de todas as importações chinesas.
Até agora, o secretário do Tesouro, Steven Mnuchin, tem a aprovação de Trump para ver se uma nova rodada de negociações conseguirá obter concessões dos chineses.
As discussões visam encontrar um novo meio para os dois lados resolverem a disputa, segundo autoridades dos dois países, e poderão levar a novas rodadas de discussões elaboradas para culminar no planejado encontro de Trump e o presidente chinês, Xi Jinping, durante as reuniões de cúpula multilaterais de novembro, que incluirão o G-20 e o Fórum de Cooperação Econômica da Ásia-Pacífico.
A porta-voz da Casa Branca, Sarah Sanders, disse que as negociações continuam e que os EUA pressionam por “um comércio livre, justo e recíproco”.
Os obstáculos ao progresso das discussões são muitos. Para começar, os dois lados não tinham chegado a um acordo até ontem sobre o que será discutido nas negociações desta semana, segundo informou uma fonte a par do assunto.
Autoridades chinesas disseram estar prontas para discutir a política de câmbio da China, uma prioridade dos EUA. Na terça-feira em Pequim, Li Bo, uma autoridade do alto escalão do banco central chinês, disse que seu país não vai desvalorizar o yuan, que acumula uma queda de 10% desde abril, como um meio para contra-atacar os EUA no comércio. “A cotação do yuan é decidida pelo mercado.”
Outras fontes disseram ontem acreditar que Pequim prometerá comprar mais produtos dos EUA – basicamente melhorando uma proposta feita anteriormente para aumentar as compras em US$ 70 bilhões. Trump rejeitou essa proposta, classificando-a de insuficiente e difícil de ser fiscalizada.
Um sinal da preocupação de Pequim com o impacto da escalada do conflito comercial é que as autoridades chinesas estão questionando grandes empresas de tecnologia americanas para tentar descobrir se elas pretendem transferir suas linhas de produção para fora da China. Segundo alguns executivos, Pequim não vem oferecendo incentivos para essas empresas ficarem, ou mesmo as ameaçando caso elas queiram sair.
Um executivo americano do setor de tecnologia disse que o cálculo para realocação de sua empresa dependerá do tempo de duração da batalha comercial. Se a disputa não for resolvida até novembro – a meta de Pequim e de alguns no governo Trump -, ele acredita que ela vai durar ao menos mais um ano. Nesse caso, faria sentido transferir fábricas para fora da China para atender o mercado americano e evitar as tarifas de 25%.
No passado, Pequim já intensificou os investimentos em infraestrutura e no setor da construção para estimular o crescimento. Mas desta vez, a disparada dos preços das moradias e muitas áreas do país deixam o governo reticente em encorajar mais investimentos no setor imobiliário. Na verdade, Xi prometeu continuar contendo as bolhas imobiliárias.
A campanha de Pequim para desacelerar a concessão de empréstimos está pesando sobre os investimentos e o consumo. Nos primeiros sete meses do ano, segundo dados oficiais, os investimentos em máquinas industriais e obras públicas atingiram o ponto mais baixo em quase duas décadas. Em julho, o crescimento das vendas no varejo caiu abaixo das expectativas do mercado.
Dito isto, as autoridades chinesas deverão fazer seu melhor para alcançar as metas oficiais de crescimento. Pequim estabeleceu uma meta de crescimento de cerca de 6,5% para 2018. Em 2017, a economia cresceu 6,9%, embora muitos economistas acreditem que os números oficiais sejam inflados.
Várias áreas do governo começaram a contrair mais empréstimos para financiar mais projetos de infraestrutura. Jiang, da Haitong Securities, estima que para o segundo semestre de 2018, as emissões de bônus do governo ficarão em média em cerca de 700 bilhões de yuan (US$ 102 bilhões) ao mês. Em comparação, as emissões mensais médias foram de 560 bilhões de yuans no ano passado.

https://www.valor.com.br/internacional/5762127/economia-chinesa-debilitada-favorece-eua-em-negociacao#

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