China resiste à pressão dos EUA para mudar seu comportamento

Enquanto Wendy Sherman, vice-secretária de Estado dos EUA, se preparava para viajar à China no fim de semana, Pequim impôs sanções a sete cidadãos americanos, uma resposta na mesma moeda contra Washington e que ilustra a péssima situação nas relações entre as duas potências. 

Autoridades americanas disseram que a nova saraivada, direcionada contra o ex- secretário do Comércio Wilbur Ross e funcionários de instituições americanas de direitos humanos, não dará a Pequim nenhuma vantagem quando Sherman se reunir hoje com o ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi. 

Mas o anúncio, que veio em retaliação contra Washington por ter imposto sanções neste mês contra sete autoridades chinesas em Hong Kong, coloca em evidência o abismo cada vez maior entre EUA e China, durante os preparativos para o segundo encontro de funcionários de alto escalão dos dois países desde que Joe Biden assumiu o governo americano. 

Em seus primeiros seis meses como presidente, Biden adotou um tom rigoroso contra a China, punindo Pequim por sua ofensiva contra a liberdade em Hong Kong, sua perseguição a uigures e outras minorias muçulmanas em Xinjiang e suas atividades militares perto de Taiwan. Biden espera que essa estratégia, fortalecida pela coordenação com aliados, ajude os EUA a ganhar o que ele vê como uma batalha existencial entre as democracias e as autocracias. 

Oriana Skylar Mastro, especialista em China na Universidade Stanford, disse que Biden tem mostrado com sucesso à China que o descontentamento dos EUA não era algo limitado ao governo anterior. Ela acrescentou, contudo, que não há sinais de que Biden tenha conseguido convencer o presidente da China, Xi Jinping, a mudar de rumo. 

“Infelizmente, eles decidiram dobrar a aposta em todos seus comportamentos problemáticos”, disse. “Não acho que eles tenham dado uma olhada no espelho da forma que queríamos.” 

Em março, Yang Jiechi, principal nome da política externa chinesa, encerrou seu primeiro e áspero encontro com representantes do governo Biden dizendo que os EUA não falam mais com a China estando em “uma posição de força”. 

Depois disso, Pequim continuou rebatendo as pressões de Washington. Em junho, aprovou uma lei de contrassanções que lhe permite impor penalidades a qualquer um que ajude outros países a direcionar sanções contra a China. 

Embora Pequim não tenha dado sinais de recuo, o governo Biden argumenta que sua abordagem multilateral tem tornado mais difícil a vida para a China. Isso inclui a ação coordenada com a União Europeia (UE), o Reino Unido e o Canadá para impor sanções relacionadas a Xinjiang e o aprofundamento da iniciativa “Quad”, uma aliança em temas de segurança, com Japão, Austrália e Índia. 

“Essas ações multilaterais realmente chamaram a atenção de Pequim e, em alguns casos, […] realmente levaram Pequim, em muitos aspectos, a dar passos que realmente vão potencialmente contra seus interesses”, disse um alto nome do governo dos EUA, destacando que as retaliações da China contra cidadãos da UE colocaram em risco um tratado de investimento entre os dois lados. 

Bonny Lin, especialista em China no Center for Strategic and International Studies, disse que Biden convenceu os aliados a manifestar preocupações sobre o comportamento da China em relação a Hong Kong, Xinjiang e Tibete. “A questão é até que ponto as atuais medidas levarão a China a mudar, mas faz sentido, do ponto de vista dos EUA, que nos oponhamos as ações problemáticas que a China está tomando nas três regiões.” 

Eric Sayers, especialista em segurança na Ásia no American Enterprise Institute, disse que Biden conseguiu “vitórias respeitáveis no placar” ao ativar o Quad, aprofundar relações com Taiwan e ao adotar uma abordagem multilateral quanto à guerra cibernética e aos abusos de direitos humanos da China. Mas ele disse que seria uma “tarefa difícil” converter as preocupações dos parceiros europeus e asiáticos nessas questões em ações conjuntas, por exemplo, no que se refere a controles de exportação. 

Sayers disse que o governo Biden também tem trabalho a fazer em outras frentes, como garantir que o orçamento militar e a estratégia dos EUA sejam orientados para responder ao “desequilíbrio militar convencional” com a China e para lidar com desafios tecnológicos, como a iniciativa de Pequim para criar um yuan digital. 

Mesmo com a China adotando uma postura cada vez mais desafiadora, alguns especialistas acreditam que o país não está tão confiante quanto a imagem que projeta e que Xi deseja um encontro de cúpula com Biden no G-20 na Itália – um dos pontos que Sherman deverá discutir com Wang em Tianjin. Tal reunião de cúpula pode ser usada para tentar diminuir o tom das críticas aos direitos humanos na China e à sua diplomacia do “lobo guerreiro”. 

“Manter a imagem de uma China globalmente forte e respeitada também serve à agenda interna de Xi, para manter sua autoridade pessoal”, disse Zsuzsa Anna Ferenczy, especialista em China na Taiwan Next Generation Foundation. 

Sana Hashmi, especialista que trabalha na Taiwan-Asia Exchange Foundation, disse que a China também está preocupada com o Quad, particularmente porque Biden se prepara para sua primeira reunião pessoal com líderes da aliança. “Não importa o quão confiante a China se retrate, o país está preocupado com a institucionalização do Quad”, disse. 

Entre os inúmeros pontos espinhosos na relação EUA-China, o mais sério é Taiwan, em especial porque a China promove uma escalada nos voos militares dentro da chamada zona de identificação de defesa aérea da ilha. Alguns militares americanos têm sinalizado que a China se aproxima centímetro a centímetro de tentar tomar o controle de Taiwan, embora outros membros do governo Biden tentem reduzir o volume da retórica para evitar desencadear conflitos. 

Wang Chong, especialista em política externa na Universidade de Estudos Internacionais Zhejiang, acredita que a China deseja abrandar as tensões militares, em especial no que se refere a Taiwan. Para ele, Wang Yi e a equipe de negociadores chinesa usarão o encontro com Sherman para melhorar a comunicação e tentar garantir que ninguém “erre a pontaria”.

Autoridades americanas não quiseram dar detalhes sobre o encontro. Mas, segundo um represente americano, a diplomata veterana destacará que os EUA não querem “que essa disputa dura e permanente deslize para um conflito.” 

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2021/07/26/china-resiste-a-pressao-dos-eua-para-mudar-seu-comportamento.ghtml

Comentários estão desabilitados para essa publicação