Uma parceria informal que manteve a economia da Alemanha ancorada à da China por décadas, está se desfazendo, ameaçando a recuperação pós-pandemia alemã – e da Europa -, no momento em que o gigante asiático ensaia uma retomada vigorosa.
A parceria em que a Alemanha fornecia à China máquinas para mover sua economia ajudou a economia alemã a se recuperar rapidamente da crise financeira de 2007-08. Mas os líderes empresariais alemães dizem que esse modelo não já funciona mais e que a China vai de parceira em rival.
A Alemanha deverá ver seu PIB encolher entre 5,8% e 7,1% neste ano, segundo economistas, números melhores que os da maioria das demais economias ocidentais, mas pior que os 2,5% da China.
Embora os exportadores alemães estejam se beneficiando da recuperação do comércio global, eles não conseguem o impulso que tiveram da China há dez anos. Em julho, as exportações foram maiores que as de junho, mas 11% menores que as de julho de 2019.
Essa divergência, dizem economistas e líderes empresariais alemães, deve-se em parte à estratégia de Pequim de encorajar seus fabricantes a produzir máquinas mais sofisticadas e mais competitivas com os bens de capital de ponta da Alemanha, antes inigualáveis.
“As empresas chinesas estão ainda mais competitivas nos mercados internacionais, oferecendo preços baixos”, diz Achim Kuehn, porta-voz da Herrenknecht, fabricante de perfuradoras de túneis de última geração. “É surpreendente para a Europa a velocidade com que eles chegaram.”
Por quase duas décadas a China precisou dos robôs alemães para se tornar a maior fabricante mundial de bens de consumo. Por alguns anos, no começo do século, isso ajudou a Alemanha a se tornar o maior exportador de bens do mundo. Permitiu, ainda, ao país manter empregos no setor industrial quando o setor migrava nos EUA e outros países para a China.
Agora, as empresas chinesas estão vendendo turbinas eólicas na França, ônibus na Noruega, redes de energia na Polônia e máquinas industriais avançadas no mundo todo. Na capital da Suécia, um grupo chinês recentemente firmou um contrato para cavar três túneis para o metrô de Estocolmo.
Em segmentos importantes da produção industrial avançada, incluindo equipamentos de infraestrutura, a China conseguiu chegar no mesmo patamar das empresas alemãs, segundo Karl Haeusgen, presidente do conselho de administração da Hawe Hydraulik. “A China não é um país em desenvolvimento. É um país industrial de primeira classe”, diz Haeusgen.
Como Pequim conseguiu controlar a disseminação do novo coronavírus, e também em razão de suas políticas de apoio à economia, os exportadores chineses estão agora abocanhando uma fatia maior das exportações globais, enquanto outros países continuam paralisados pela pandemia.
“É só uma questão de tempo para as empresas chinesas se tornarem as melhores”, diz Ulrich Ackermann, diretor-gerente de comércio exterior da Associação Alemã de Fabricantes de Máquinas e Instalações Industriais. A participação alemã no comércio global de produtos mecânicos de engenharia – setor que emprega cerca de 1,3 milhão de pessoas – encolheu de 19,2% na década até 2018, para 16,1%, enquanto a fatia da China cresceu de 8,5% para 13,5%, segundo dados da VDMA.
https://valor.globo.com/mundo/noticia/2020/09/21/china-e-alemanha-agora-sao-concorrentes.ghtml