China amplia sua fatia no comércio global

Apesar dos esforços dos EUA e da Europa de reduzir a dependência das fábricas chinesas, nos últimos dois anos a China consolidou sua posição de maior fornecedora global de bens manufaturados. 

Isso mostra a complexidade que é se “desconectar” do maior chão de fábrica do mundo. Isso porque as fábricas chinesas estendem seu alcance para produtos de ponta, como chips e smartphones, e novas tecnologias, como carros elétricos e energia verde. 

Os EUA e alguns de seus aliados estão mais preocupados com sua dependência da China considerando questões que vão da segurança nacional à fragilidade das cadeias de suprimentos globais. A China rejeita essas preocupações, mas tem seus próprios motivos para reduzir sua dependência excessiva dos mercados ocidentais. Pequim quer aumentar o consumo interno para impulsionar sua economia a novos patamares. 

Por enquanto, o boom das exportações chinesas pode fornecer uma sustentação de curto prazo para o crescimento, diante da política de tolerância zero contra a covid-19 e os efeitos da crise no importante setor imobiliário. 

A participação da China nas exportações globais de bens em valor aumentou durante a pandemia, para 15% no fim de 2021, de 13% em 2019, segundo a agência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), que acompanha o comércio global. 

A participação dos principais concorrentes chineses nas exportações globais encolheu no mesmo período, sugerindo que os ganhos da China ocorreram às custas de outros. A participação da Alemanha caiu para 7,3% em 2021, de 7,8% em 2019; a do Japão encolheu de 3,7% para 3,4%; e a dos EUA diminuiu de 8,6% para 7,9%. 

A rápida recuperação da China do choque inicial da covid-19 em 2020 deu a suas fábricas uma vantagem para atender à súbita alta demanda de bens do Ocidente: de equipamentos médicos de baixo custo — máscaras faciais e kits de teste — a bens de consumo, como periféricos de computador e equipamentos de ginástica, com os lockdowns levando muitos nos EUA e na Europa a trabalhar de casa. 

A ajuda generosa de muitos governos de países avançados para ajudar os trabalhadores durante a pandemia turbinaram ainda mais os gastos no Ocidente. As fábricas chinesas foram inundadas com pedidos e a participação da China nas exportações aumentou. 

A fatia da China nas exportações globais de eletrônicos, por exemplo, aumentou para 42% em 2021, de 38% em 2019, enquanto sua participação nas exportações de têxteis aumentou de 32% para 34%, segundo dados da Unctad. 

O boom das exportações da China continuou em 2022, desafiando as expectativas dos economistas de desaceleração, com a economia global enfrentando inflação crescente, taxas de juros em elevação e a guerra na Ucrânia. 

Parte da explicação são os preços. A inflação elevou o custo dos bens de consumo, de modo que o valor em dólar das exportações chinesas aumentou. O valor das exportações chinesas em junho foi 22% superior ao do ano anterior, segundo a Administração Geral das Alfândegas da China. Em termos de volume, o aumento foi de apenas 5,5%. Ainda assim, a demanda externa por produtos chineses se manteve melhor do que muitos economistas esperavam, principalmente dos EUA, da Europa e de vizinhos da China na Ásia. 

O déficit comercial dos EUA com a China nos primeiros seis meses de 2022 aumentou 21% ao ano, para US$ 222 bilhões, segundo dados do Departamento do Comércio americano. 

Além disso, nos últimos anos, a China aumentou sua participação de mercado em produtos manufaturados sofisticados e de maior valor, como bens de capital, veículos, motores e máquinas pesadas. A China está consumindo a fatia de mercado de exportação de países como a Alemanha, que tradicionalmente se destacam na fabricação e exportação de tais produtos, disse Rory Green, da TS Lombard. 

Ajudadas por Pequim, as chinesas também estão conquistando nichos em setores mais novos que devem se tornar uma fatia maior do comércio global nos próximos anos. 

As exportações de células solares da China, por exemplo, aumentaram para US$ 25,9 bilhões no primeiro semestre, um aumento de 113% na comparação anual. As exportações de carros da China atingiram novo recorde mensal em julho de cerca de 290 mil unidades, segundo a alfândega chinesa, impulsionado pelas vendas de veículos elétricos. 

Nos EUA, ocorreu um certo grau de dissociação da China. A participação da China nas importações totais dos EUA caiu nos últimos anos, refletindo o impacto das sobretaxas em alguns produtos e o esforço das empresas para reduzir sua dependência da China abrindo fábricas em outros países, como o Vietnã. Washington busca ativamente a dissociação em algumas áreas por questões de segurança, como tecnologia. 

Mas é muito mais difícil para os países menores, em especial na Ásia, seguir a política dos EUA e reduzir a dependência da China, dado o seu peso econômico e sua importância como comprador e vendedor no comércio global. 

“Os EUA estão lutando contra a geografia, lutando contra a gravidade econômica”, disse Green. 

Para alguns economistas, o boom das exportações da China ressalta um perigoso desequilíbrio de sua economia, apesar das repetidas promessas de Pequim de aumentar o consumo. 

O superávit comercial da China — que subiu para mais de US$ 100 bilhões em julho — reflete não apenas o vigor das exportações, mas importações fracas, um sinal de fraca demanda doméstica. 

Em vez de ajudar os consumidores, a resposta à pandemia de Pequim se concentrou em subsídios e empréstimos baratos a fabricantes, deixando os consumidores chineses em dificuldades e sua economia vulnerável a mudanças repentinas no apetite estrangeiro por seus produtos, observa Michael Pettis, professor de finanças da Universidade de Pequim. 

“É completamente errado ver os dados comerciais chineses como o único ponto positivo no desempenho econômico da China”, disse Pettis. “O problema de desequilíbrio da China está piorando.” 

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2022/08/21/china-amplia-sua-fatia-no-comrcio-global.ghtml

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