País, que inaugurou em abril a usina termosolar de Cerro Dominador, é o que mais cresce em geração solar e eólica na América Latina
O Chile está despontando como um líder em energia limpa na América Latina. Hoje as principais fontes renováveis não convencionais – solar e éolica – já respondem por 19,6% da geração de eletricidade no país, ante 0,5% de dez anos atrás. Com a entrada em operação da primeira planta termosolar, capaz de fornecer energia de forma contínua, o Chile consolida sua liderança no setor entre as maiores economias da região.
Os dados são referentes ao período de janeiro a abril deste ano e compilados pela Associação Chilena de Energias Renováveis e Armazenamento (Acera).
Em comparação com as principais economias da América Latina, o Chile está à frente nos setores de solar e eólica. No início de 2020, quando essas duas fontes geravam 13,6% da eletricidade do país, os percentuais para Brasil e México eram 10% e 7,3%, respectivamente, segundo dados da Agência Internacional de Energia (AIE). Na Argentina, chegavam a pouco mais de 1%, na Colômbia, a 0,08%, e no Peru, 4,1%. No Uruguai, beneficiado pelos ventos, superavam 35%.
O conceito de energias renováveis não convencionais exclui as grandes hidrelétricas que, apesar de geraram energia renovável, têm um elevado impacto ambiental e não são vistas como limpas. Além de solar e eólica, o conceito inclui ainda energias geotérmica, de biomassa e pequenas hidrelétricas.
“Em outros países, como a Colômbia, há um problema que não temos no Chile: carvão e petróleo. Nesse tipo de economia, grupos de interesses tornam difícil a diversificação do mercado de energia”, diz Carlos Finat, diretor da Acera.
Segundo a Comissão Nacional de Energia, órgão regulador do setor no Chile, o país tem hoje 6,5 gigawatts (GW) de capacidade instalada nesses dois tipos de renováveis, sendo 3,8 GW de solar e 2,7 GW de eólica. Há dez anos esse total era de 201 megawatts (MW).
“Mais importante do que o que temos hoje são as perspectivas”, diz Patrício Lillo, da PUC do Chile. “O país tem a maior taxa de crescimento de geração de energia solar e eólica do mundo, e isso está acelerando. A capacidade fotovoltaica dobra a cada dois anos.”
Nos últimos cinco anos o Chile vem adicionando cerca de 1 GW à sua capacidade instalada de solar e eólica por ano. Neste ano, o páis espera chegar ao dobro disso. A Acera prevê que até o fim de 2021 a capacidade instalada será de 8,5 GW.
O mais recente destaque de energia renovável no Chile é o Cerro Dominador, primeira planta termosolar da América Latina, que começou a operar em abril em Antofagasta, na região do Atacama.
Diferentemente dos painéis fotovoltaicos, que dependem de baterias para guardar energia, a planta termosolar armazena energia 17,5 horas por dia, o que permite fornecimento ininterrupto.
Na usina de Cerro Dominador, 10.600 espelhos de 140 m2 cada são posicionados no solo para refletir a luz do sol para um receptor, que fica no alto de uma torre de 250 metros. Um líquido com nitrato de potássio e nitrato de sódio a 290 graus sobe por um tubo até esse receptor. Em contato com o calor da luz do sol (refletida pelos espelhos), chega a 565 graus. Esse líquido gera vapor, que move uma turbina e produz eletricidade.
“É uma turbina a vapor. Mas em vez de gerar eletricidade queimando carvão, faz isso com o calor dos sais e do sol. Esse vapor depois esfria, volta a ser água e se recicla no circuito”, diz Fernando González, que dirige a planta para a EIG Global Energy Partners. O projeto foi desenhado pela espanhola Abengoa, que em 2016 teve problemas financeiros e o passou para a EIG.
González diz que, assim como a água, que se recicla e retorna ao circuito, os sais dentro do Cerro Dominador não precisam ser trocados por 35 anos. “Essa é a grande
vantagem em relação a uma bateria, que se degrada rapidamente”, diz. “Além disso, podemos armazenar energia o suficiente para operar a noite toda, enquanto uma bateria de lítio dura três horas.”
O Cerro Dominador custou US$ 1,4 bilhão e se junta às outras cinco plantas do tipo no mundo – duas na China, uma nos EUA, uma na Espanha e outra no Marrocos.
A expectativa, diz González, é que os custo de novos projetos desse tipo caia 50% em relação a há cinco anos atrás. “A ideia é que a energia gerada aqui tenha um preço mais competitivo que o gás natural”, diz. “Estamos indo para isso. Já assinamos contratos com distribuidores como Copec e Saesa.”
A expansão do setor de renováveis nos últimos cinco anos no Chile foi impulsionada pela combinação de recursos abundantes – o país recebe a maior radiação solar do planeta -, custos cada vez menores das tecnologias e crises energéticas no começo deste século.
Em 2007, uma grave seca no norte do país resultou em crise hídrica, que prejudicou a geração de energia -risco que assombra o Brasil atualmente. Em 2008, a Argentina interrompeu a exportação de gás natural para o Chile, o que acendeu um alerta no governo chileno, diz Gabriel Dufflis, analista da consultoria Wood Mackenzie.
“Essa guinada para as renováveis tem 110% a ver com as crises energéticas pelas quais o Chile passou”, afirma Dufflis. “As autoridades perceberam que é ruim depender de outro país para produzir a própria energia.”
A partir disso, o governo passou a exigir cotas de renováveis em novos projetos de energia. Na lei de 2008 estabeleceu como meta para 2025 que 10% da geração de eletricidade teria de vir de renováveis (incluindo pequenas hidrelétricas). Em 2013 aumentou essa cota para 20%, o que foi atingido no ano passado. Hoje 25% da eletricidade provém de renováveis incluindo hidrelétricas de pequeno porte.
Dufflis diz ainda que os contratos do setor elétrico são em dólar, o que facilita investimento estrangeiro. Nenhum projeto de renováveis no Chile conta com aporte do Estado, e apenas empresas privadas estão por trás das iniciativas.
A expansão da energia limpa no Chile, porém, não significa que o país tenha se livrado dos combustíveis fósseis, que ainda importa. Termoelétricas a carvão, gás e derivados de petróleo são responsáveis pela geração de mais de 65% de eletricidade. Gasolina e diesel ainda dominam o setor de transporte.
Uma das principais apostas do governo chileno para substituir os fósseis é o hidrogênio verde. Lillo argumenta que dentro de cinco anos o Chile poderá produzir hidrogênio a US$ 1,5 por quilograma, ante um custo atual de entre US$ 6 e US$ 10. “Seria um preço bastante competitivo, pois 1 quilo de hidrogênio gera a mesma energia do que 4 litros de diesel, que hoje saem por cerca de US$ 6.”
Chegar a esse valor dependerá do custo da eletricidade. O hidrogênio é obtido por meio da eletrólise, processo que usa eletricidade para decompor a molécula de água em hidrogênio e oxigênio.
“Hoje a eletricidade responde por 70% do custo para se produzir hidrogênio. Quanto mais as renováveis avançarem na geração de eletricidade e seus custos caírem, maiores condições teremos para produzir hidrogênio barato”, diz.
Em novembro de 2020, o Ministério de Energia apresentou um plano para desenvolver o setor. A perspectiva é começar a exportar energia renovável em 2040, o que ganharia força com o hidrogênio.