Chapinhas e ‘air fryers’ mudam perfil de importados no Brasil

Comprar um aparelho para cortar cabelo em casa, investir num notebook para o “home office” ou, sob o chapéu de chef, concluir que precisa de um fritadeira ou grelha elétricas. Ou até perceber a necessidade de uma máquina para lavar as louças que sempre estarão na pia, mesmo após uma refeição simples do cotidiano. Quem sabe se dar ao luxo de ter, enfim, um violão e aderir àquelas aulas de música antes adiadas para algum momento mais calmo da vida. Se você fez alguma dessas coisas durante a pandemia, contribuiu para mudar os hábitos de consumo anteriores à crise sanitária e talvez tenha ajudado a alterar o perfil da importação brasileira de bens de consumo duráveis. 

A despeito do câmbio desfavorável, de janeiro a maio de 2021 mais do que dobrou, em relação a igual período de 2020, o valor das importações de itens como fritadeiras eletrotérmicas para uso doméstico — as “air fryers” – assim como o do grupo que reúne fornos, fogões e grelhas elétricas e os aspiradores de pó. As máquinas de lavar louça mais do que triplicaram, assim como os tablets. Notebooks avançaram 73%. Na área de cuidados pessoais, os aparelhos para cortar cabelo cresceram mais de 80% e as secadores para uso doméstico, mais de 60%. Chapinhas para alisar cabelos dobraram. 

No início do ano passado as importações brasileiras foram em parte afetadas pela suspensão de produção e de embarques na China, onde o vírus da covid-19 já havia sido identificado e demandava medidas restritivas. Os itens mencionados, integrantes de uma lista de 21 produtos ou grupos de produtos escolhidos, porém, também tiveram aumento de valor de importação consistente quando se compara com os dados de mesmos meses de 2019 (ver tabela). 

Para se ter uma ideia, essa lista somou US$ 509 milhões em importações de janeiro a maio, o que representou 26,3% dos desembarques brasileiros no período em bens de consumo duráveis – incluindo na conta os automóveis e outros equipamentos de transporte não industrial. Em iguais meses do ano passado eram 17% e em 2019, 13,2%. A importação de veículos e outros itens de transporte cresceu 21,6% de janeiro a maio deste ano. em relação a igual período de 2020, mas ficou 30,4% menor em relação aos mesmos meses de 2019. Se retirarmos todos os itens de transporte do conjunto de bens de consumo duráveis, os 21 produtos ou grupos selecionados correspondem a 52,3% dos desembarques da categoria, Essa fatia era de 37,8% em 2020 e de 36% em 2019 (sempre nos cinco primeiros meses do ano). 

As variações de valores importados de bens de consumo duráveis podem esconder em muitos casos uma alta de volume maior. Os preços médios de importação em dólar desse grupo caíram e as quantidades avançaram. Segundo os dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex/ME), o valor de importação de bens de consumo duráveis aumentou 34,2% de janeiro a maio de 2021, num nível acima do avanço de 20% dos desembarques totais brasileiros. Dados do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) mostram que nesse grupo o volume de importações cresceu 34%, mas os preços caíram 2,3%. O crescimento de quantidade desembarcada de bens de consumo duráveis ficou acima da média de alta de 17,4% do total de compras do exterior. 

Houve uma mudança de hábitos que falou mais alto que o dólar ou a pressão do aumento de preços de fretes nos preços ao consumidor brasileiro, segundo Daniel Neves, presidente da Associação Nacional da Indústria da Música (Anafima), que representa produtores e importadores de itens que vão desde equipamentos de som, como caixas e aparelhos de reprodução até instrumentos musicais. “Na pandemia e no isolamento social, o brasileiro trouxe o entretenimento para dentro de casa”, diz. 

Muitos, diz Neves, direcionaram a renda que gastavam em serviços para a compra de bens ao ambiente doméstico. “Com mais tempo em casa as pessoas resgataram sonhos ou passaram a fazer algo que ‘eu sempre quis’.” Isso, diz, explica o desempenho de importação e vendas na área de música e som. 

Segundo a Secex, a importação de produtos de grupos que incluem, entre outros, aparelhos para reprodução e gravação de sons – códigos do Sistema Harmonizado 8527 e 8525 – somou US$ 60,1 milhões de janeiro a maio deste ano, praticamente o dobro de 2020 ou de 2019, sempre em igual período. “A pessoa melhorou o equipamento de som de casa ou o ‘home theater’ ”, diz Neves. Instrumentos musicais também chamam a atenção, com alta de mais de 60% para guitarras e contrabaixos e de 50% para instrumentos de corda. No último grupo, Neves destaca a demanda pelo violão. 

Apesar de terem caído 90% nos primeiros meses da pandemia no ano passado, o volume de vendas do setor, diz Neves, fechou 2020 com queda de 17% contra 2019. A redução diz ele, aconteceu porque houve quebra de estoques e o segmento não conseguiu atender toda a demanda. Para este ano a projeção é crescer de 15% a 20%. A importação do início de 2021 é reflexo, avalia, da reposição de estoques e da expectativa de vendas.

José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), diz que, de forma semelhante ao que acontece nos bens intermediários, o desabastecimento alterou a dinâmica das importações de bens de consumo. O câmbio passou a não ser impeditivo em meio a uma alta de preços no mercado interno provocada por outros fatores. 

Guilherme Santos, diretor-executivo da Amvox, empresa que importa kits de aparelhos eletrônicos e eletrodomésticos e os monta na fábrica em Camaçari (BA), diz que a demanda reprimida durante parte de 2020 e o olhar voltado para dentro de casa contribuíram para as vendas. Segundo ele, o faturamento da empresa aumentou em 67% no ano passado em relação a 2019. Para este ano a projeção é de alta de 45%. O diretor diz que o avanço foi possível porque a empresa apostou na retomada de demanda e por isso teve estoques para atendê-la mais ao fim de 2020. O carro chefe da empresa são as caixas e torres de som, diz. Depois, em segundo lugar, estão praticamente empatados os climatizadores e os eletroportáteis de cozinha, entre os quais ele destaca a alta demanda pelas panelas “air fryer”. 

Estudo da EY Parthenon em 2020 também dá pistas do que levou ao aumento de importação de alguns itens. Com a pandemia, diz a pesquisa, 69% dos brasileiros passaram a cozinhar mais em casa e 50% reduziram a contratação de apoio a tarefas domésticas. 

https://valor.globo.com/empresas/noticia/2021/06/21/brasileiro-importa-mais-produtos-para-usar-em-casa.ghtml

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