BP projeta início da era do declínio do petróleo no mundo

A demanda global por petróleo pode já ter atingido o seu pico e nunca mais recuperar os patamares anteriores à pandemia de covid-19, segundo a BP. Se confirmado, o cenário apontado pela petroleira britânica pode inaugurar um novo momento na história moderna, marcado pelo declínio do consumo petrolífero. Mesmo assim, a multinacional acredita que a produção brasileira da commodity crescerá de forma acelerada nas próximas décadas, embora não o suficiente para impedir que as renováveis ganhem espaço na matriz energética nacional. 

As projeções estão contidas no estudo “Energy Outlook 2020”, publicado ontem pela BP. De acordo com a companhia, a queda do consumo de petróleo será puxada, sobretudo, pela retração do uso de combustíveis nos meios de transporte – reflexo de ganhos com eficiência energética e crescimento da frota de veículos elétricos. 

Em seu relatório, a empresa considera três cenários de transição para uma economia de baixo carbono: um mais conservador, segundo o qual as políticas públicas e transformações sociais e tecnológicas mantêm o ritmo do passado recente; um segundo, alinhado com os compromissos do Acordo de Paris que visam a limitar o aumento da temperatura até 2100 ao teto de 2 oC em relação aos níveis da era pré- industrial; e um terceiro, mais agressivo, que prevê esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5 oC, no máximo. Em todos eles a demanda por óleo será menor até 2050, entre 10% e 80%, dependendo do ritmo da transição energética. 

No cenário mais conservador de transformações, o pico de consumo do óleo se dará ainda no início dos anos 2020, enquanto nos demais a demanda jamais recuperará completamente os volumes pré-crise. Nas três curvas de projeção, o uso da commodity no transporte atingirá o teto na segunda metade da década – embora, nas economias emergentes ele tenda a manter o crescimento pelo menos até o início dos anos 2030. A expectativa é que a participação do petróleo na matriz do transporte caia de 90% para entre 20% e 80% em 2050, dependendo da velocidade das mudanças no hábito de consumo. 

O economista-chefe da BP, Spencer Dale, afirmou ontem que é difícil apontar quando exatamente, de fato, o pico da demanda por petróleo será atingido. Ele destacou, contudo, que o plano estratégico da empresa não se baseia na data em que o fenômeno ocorrerá, e sim no fato de que o mundo passa por uma transformação no hábito de consumo. “As renováveis vão penetrar mais rápido [na matriz mundial] do que qualquer combustível na história moderna”, disse, na apresentação do estudo. 

A BP anunciou este ano planos para aumentar em vinte vezes a sua capacidade de geração renovável, para 50 gigawatts, e reduzir em 40% a produção de petróleo e gás até 2030. O presidente global da companhia, Bernard Looney, disse que a ideia da multinacional é se transformar numa empresa integrada de energia. E destacou que acredita ser possível atingir retornos de investimentos da ordem de 8% a 10% com a aposta em renováveis. “Na verdade, acreditamos que podemos fazer melhor, e esses retornos podem acabar sendo conservadores”, comentou. 

A BP acredita que a pandemia desencadeará mudanças duradouras no comportamento dos consumidores. A previsão é que a covid-19 levará a um corte de 2,5% na demanda energética em 2025 e de 3% em 2050. Num cenário em que esses efeitos são mais agressivos, a expectativa é que a crise leve o nível do consumo de energia a um patamar 8% menor em 2050.

Os impactos da pandemia serão mais pronunciados sobre o consumo de petróleo, que poderá ser 3 milhões de barris/dia menor em 2025 e 2 milhões de barris/dia em 2050, como resultado de um ambiente econômico mais fraco pós-covid-19. No cenário mais agressivo de impacto da pandemia, a queda pode atingir os 5 milhões de barris/dia em 2050. 

A britânica assume que a atividade econômica mundial deve se recuperar parcialmente nos próximos anos. “Muitas dessas mudanças comportamentais tendem a se dissipar com o tempo, conforme a pandemia seja controlada e a confiança do público seja restaurada, mas algumas mudanças, como o aumento do trabalho em casa, podem persistir”, cita o estudo. 

Na geopolítica do petróleo, países de fora da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), com destaque para EUA e Brasil, tendem a ganhar mercado até os anos 2030. Nas décadas seguintes, porém, a expectativa é que a produção não- Opep comece a perder espaço para os membros do cartel, que possuem estruturas de custos mais baixas. 

A BP estima que a produção brasileira de petróleo crescerá de forma rápida nas próximas décadas, do patamar atual de 3 milhões de barris/dia para um pico de 4,3 milhões a 5 milhões de barris diários. A expectativa é que, nos cenários mais intensos de transição energética, o Brasil atinja o pico de produção de petróleo já no fim da década de 2020, enquanto na projeção mais conservadora o fenômeno ocorrerá ao fim dos anos 2030. 

Em todos os cenários, contudo, a participação das renováveis (não incluída a fonte hídrica) no mix de consumo de energia primária no Brasil crescerá rapidamente, de 15% em 2018 para entre 32% e 54% em 2050. Já o petróleo deixará de responder por 39% da matriz para se limitar a 7% a 28%, a depender da velocidade da transição. 

A multinacional projeta ainda que, depois das renováveis, a energia nuclear será a segunda a crescer mais rápido: entre 3,4% e 4,8% ao ano. A BP acredita também que o Brasil continuará sendo um dos maiores produtores hidrelétricos do mundo e destaca o potencial do país nos biocombustíveis. No cenário de rápida transição energética, a previsão é que a produção de biocombustíveis mais que dobrará até 2035. “O Brasil é a Arábia Saudita dos biocombustíveis”, disse Dale, em referência à relevância árabe no petróleo. 

https://valor.globo.com/empresas/noticia/2020/09/15/bp-projeta-inicio-da-era-do-declinio-do-petroleo-no-mundo.ghtml

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