Biden não pode enfrentar a China só com armas

O que quer que a Rússia faça na Ucrânia, a ameaça da China continua sendo a prioridade de Joe Biden – e ele deixou isso claro. Só que os EUA estão indo para o duelo com a China com um braço amarrado. Washington aceita elevar seu orçamento militar, enviar mais navios para o Mar do Sul da China e firmar acordos para fornecer submarinos nucleares para a Austrália. Mas adotar iniciativas econômicas sérias com a região mais dinâmica do mundo, nem pensar.

O desequilíbrio total da política de Biden para a China virá à tona a partir de hoje, quando ele visitar a Coreia do Sul e o Japão. A visita segue-se a uma cúpula de Biden com líderes da Asean, grupo de países do Sudeste da Ásia, na semana passada, em que ele anunciou um modesto fundo de US$ 150 milhões para segurança marítima e iniciativas para a geração de energia limpas e anticorrupção. Essa lista de desejos inúteis representa uns poucos dias de investimentos chineses na Iniciativa do Cinturão e da Rota – ou os gastos do Pentágono em cerca de duas horas.

A assimetria da política de Biden para a China aumenta o perigo daquilo que todos temem: um conflito com a China. Uma superpotência que fica satisfeita em discutir ajuda militar e armas, mas reluta em falar de comércio e investimentos, está dizendo a parceiros e inimigos que fala só uma língua. Isso torna mais provável que o foco em alianças militares exclua outros tipos de diplomacia que poderiam reduzir as tensões entre EUA e China. A mais óbvia delas seria um encontro entre Biden e Xi Jinping, que não está no horizonte.

A guerra na Ucrânia acentuou o desequilíbrio retórico da estratégia dos EUA para o Indo-Pacífico. Antes da invasão de Vladimir Putin, o Japão estava interessado em explorar alguma maneira de retomar a adesão dos EUA à CPTPP – a renomeada Parceria Trans-Pacífico, que os EUA propuseram e depois, sob Donald Trump, abandonaram. Em vez disso, dada a exibição de força de Putin, o Japão está discutindo seriamente se deve se tornar uma potência nuclear. 

A estratégia de Biden de contenção da China traz dois riscos. Primeiro, é improvável que funcione. Os EUA mostraram, nos últimos meses, que podem rapidamente excluir uma grande economia, a Rússia, do sistema global. Foi uma impressionante demonstração de poder, que levou até amigos, como a Índia, a pensar em se proteger da fúria extraterritorial dos EUA. 

A disposição americana de usar o dólar para punir transgressores é equiparada apenas à timidez em dar aos parceiros asiáticos o que eles mais querem: acesso ao mercado dos EUA. A matriz econômica para o Indo-Pacífico, recentemente lançada por Biden, certamente é melhor do que nada, mas ela exclui o acesso ao mercado. O Tesouro dos EUA fala agora em “friend- shoring” – a delimitação das cadeias de suprimentos globais a países amigáveis. Mas não está claro como os EUA definem “amigos”. Isso é inquietante para a maioria dos parceiros asiáticos, poucos dos quais são democracias. 

O mundo também está no escuro sobre o que os EUA querem dizer por “dissociação” da China. A dissociação entrou para o léxico de Washington, mas o governo Biden não chegou nem perto de definir sua extensão. Na versão máxima, isso significaria dividir a economia mundial, o que forçaria os parceiros a escolher entre EUA e China. 

Nem mesmo Taiwan, cuja prosperidade se baseia na integração com a China, quer ter de fazer essa escolha. Uma estratégia eficaz dos EUA no Indo-Pacífico permitiria aos parceiros lidar com ambos, mas que equilibrasse a China, aumentando o comércio e os investimentos dos EUA. A promessa de matriz econômica para o Indo-Pacífico, de oferecer padrões digitais comuns e ajudar com a energia limpa, não é um substituto. 

O segundo risco é que a estratégia de Biden para a China, dominada pelos militares, possa se tornar autorrealizável. Tudo isso pode ser explicado no contexto da política dos EUA. O país fez uma aposta precipitada de que o ingresso na Organização Mundial do Comércio (OMC), em 2001, levaria a China a entrar em conformidade com as regras econômicas globais e até à sua eventual democratização. 

A medida foi um ato de fé e não de cálculo. Biden enfrenta agora a reação, uma visão oposta que diz que o comércio com a China fortalece a autocracia de Xi. As duas teorias são simplistas. Mas a segunda é geopoliticamente perigosa. 

O mundo não é um jogo de soma zero, como hoje se diz, nem é uma soma positiva, como o Consenso de Washington acreditava. O mundo é o que seus principais atores escolhem que ele seja, por suas ações. Seria estranho se justamente Biden colocasse a maior parte das fichas no Pentágono. 

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2022/05/20/biden-nao-pode-enfrentar-a-china-so-com-armas.ghtml

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