Após seis meses de relativo sucesso, Biden terá fase mais difícil

Os primeiros seis meses de Joe Biden foram dramáticos. Dois terços dos americanos foram ao menos parcialmente vacinados. A economia apresenta a recuperação mais acelerada desde os anos 80. E, conforme mostram pesquisas, o mundo não mais vê os EUA com o medo e a frustração dos anos Trump. Este tem sido o melhor começo presidencial da existência da maioria dos americanos. 

Mas na política esses feitos são a exceção. As dificuldades que Biden terá pela frente – a paralisação da maior parte de suas propostas de reformas, a resiliência da covid-19 e as preocupações com a taxa de homicídios e a entrada de imigrantes ilegais no país – estão em grande parte fora do alcance de suas mãos. 

É fácil esquecer que Biden parecia destinado a ter um governo fraco até que os democratas venceram as eleições especiais na Geórgia em janeiro, dando a eles o controle do Senado. As coisas poderiam ter sido muito piores. 

Mesmo assim, Biden está agora entrando em uma fase muito mais difícil de sua Presidência. Um de seus problemas provém de um erro desnecessário – a retirada do Afeganistão. É difícil entender por que ele sentiu a necessidade de retirar a força esquelética de 2.500 soldados americanos antes do aniversário de 20 anos dos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001. Os custos da permanência são mínimos – não houve uma única morte de soldado americano em combate no Afeganistão nos últimos 17 meses. 

Por outro lado, os riscos da saída do Afeganistão são grandes. É apenas uma questão de tempo para o Talibã reconquistar o controle do país. A queda de Cabul provavelmente não terá cenas de helicópteros retirando às pressas os últimos americanos, como aconteceu em Saigon em 1975. Mas, mesmo assim, abalará o prestígio dos Estados Unidos. 

O sinal de aversão ao risco dos EUA vai prejudicar as esperanças de Biden de conquistar os corações e mentes em uma disputa da democracia versus a autocracia com a China. Esse revés foi autocriado. 

A janela de Biden para implementar sua agenda interna está diminuindo. É muito melhor ter 50 democratas no Senado do que 49. Mas pelo menos dois deles, Joe Manchin, da Virgínia Ocidental, e Kyrsten Sinema, do Arizona, são amigos de conveniência. Nenhum deles quer revogar a regra de obstrução do Senado, o que força Biden a obter ao menos dez votos republicanos em certas votações. 

Isso significa que a maioria dos projetos de lei, como o do fortalecimento dos direitos de voto, anistia para os imigrantes ilegais e a facilitação da organização de sindicatos, não tem quase nenhuma chance de aprovação. Até mesmo um único voto republicano seria um milagre. 

É possível que ele consiga dez votos republicanos para o seu projeto bipartidário de infraestrutura. Mas o custo da negociação com eles está crescendo. Depois de recusarem qualquer tipo de aumento de impostos para compensar os custos do projeto de infraestrutura, os republicanos agora estão torpedeando a proposta de recursos para o Internal Revenue Service (IRS, a receita federal americana), que foi bastante enfraquecida por cortes de verba e a perda de funcionários nos últimos 15 anos. 

Biden poderia ter usado esse momento para propagar o cinismo republicano sobre o Estado de direito. Tudo o que ele estava pedindo era meios para fazer cumprir leis já existentes. 

Biden está tão envolvido nessa busca por um momento bipartidário que há poucas concessões que ele não fará. Mesmo assim, não há garantias de que ele conseguirá 10 votos republicanos no fim do processo. Os ecos de 2009, quando Barack Obama perdeu meses se reunindo com os republicanos no processo das discussões sobre a reforma do sistema de saúde, apenas para vê-los rejeitar unanimemente o projeto, são reais. Biden em grande parte escapou da demonização a que Obama foi submetido, talvez por ser branco. Mas a estratégia republicana de negar a ele quaisquer vitórias não mudou. 

A história da covid-19 é um microcosmo da Presidência de Biden. Em seu período inicial, ele alcançou os “frutos mais baixos do pé” com uma rápida campanha de vacinação. A taxa de mortes mergulhou, enquanto o número de vacinas aplicadas por dia superava os 3 milhões. O que resta dos frutos – as dezenas de milhões de americanos que suspeitam da vacina – está sendo difícil de alcançar. 

O número diário de vacinas aplicadas caiu para pouco mais de 500 mil, e o número de infecções voltou a subir. Empresas e universidades estão passando pelas mesmas e apreensivas análises de custo-benefício de um ano atrás. 

Conseguirá Biden fazer algo a respeito? Ele poderia imitar o premiê do Reino Unido, Boris Johnson, e efetivamente mandar as restrições para o inferno, ou seguir o presidente da França, Emmanuel Macron, e adotar uma política de vacinação mais coercitiva. Nenhuma dessas medidas está completamente dentro dos poderes de um presidente americano. Na prática, ele terá de sair dessa de alguma maneira e esperar que a terceira onda da covid-19 não seja violenta o suficiente para atrapalhar a recuperação da economia americana. Enquanto Biden tiver isso, sua Presidência permanecerá nos trilhos. 

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2021/07/23/apos-primeiros-seis-meses-de-relativo-sucesso-governo-biden-tera-fase-mais-dificil.ghtml

Comentários estão desabilitados para essa publicação