Acordo não evita baixo preço do petróleo

O mercado começa a semana de olho na reunião entre a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) e países associados, como a Rússia, prevista para quinta-feira e que discutirá possível corte da produção. No momento em que a demanda global por petróleo definha, em função da crise econômica provocada pela pandemia do novo coronavírus, qualquer iniciativa para reduzir a sobreoferta no mercado é considerada de grande importância. O vice-presidente mundial da consultoria IHS Markit, Carlos Pascual, um dos maiores especialistas em geopolítica do petróleo, afirma, porém, que mesmo com a possível trégua na guerra de preços entre os maiores produtores, o lado da demanda deve dificultar a recuperação do preço por um longo tempo. 

Pascual diz que o mercado americano de óleo e gás não convencional (o “shale”) deve ser o mais afetado pela crise atual da indústria petrolífera. Na avaliação dele, o pré-sal brasileiro, por sua vez, tem a vantagem de possuir custos baixos o suficiente para conviver nesse cenário. Isso não quer dizer, porém, que outras regiões produtoras do país não sofrerão com a queda de preços. 

Em meio às expectativas de retomada das negociações entre russos e sauditas, a cotação do barril do tipo Brent (segundo contrato) fechou a semana passada com alta de 26,9%, em US$ 35,48. O preço ainda está distante dos valores acima de US$ 60 vistos no início do ano. Pascual adverte que, apesar da recuperação da última semana, os estoques no mercado global estão em alta e podem levar anos para serem consumidos. Ele lembra que na última crise do petróleo, entre 2014 e 2016, os estoques globais precisaram de 18 meses para serem absorvidos pelo mercado e que, desta vez, a sobreoferta é cinco vezes maior. 

“Por isso é tão importante tentar alcançar qualquer redução de produção que possa ser acordada em médio prazo. Isso pode contribuir para reduzir a sobreoferta acumulada. Isso não é só uma questão de preço de petróleo no curto prazo, é também um fator que pode afetar preços por vários anos”, diz ele. 

Pascual destaca que, pelas estimativas da IHS Markit, no fim do primeiro semestre, haverá oferta excedente acumulada de 1,8 bilhão de barris de petróleo, volume acima da capacidade de armazenamento total do mundo, de 1,6 bilhão de barris. “A implicação disso é que, se você não consegue vender nem estocar, tem que fechar a produção. Mas essa é a questão de longo prazo: esse 1,8 bilhão de barris podem potencialmente levar vários anos para se esgotar”. 

O especialista diz ter havido, na última semana, uma ampliação do que ele chama de “diplomacia sobre a oferta excedente de petróleo”, em meio à tentativa do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de intermediar um acordo entre russos e sauditas. Isso ocorre num momento em que a queda da demanda global deve se acentuar. 

A previsão da IHS Markit é que haja “redução profunda” de 20 milhões de barris diários de óleo ou mais em abril, em relação a igual período do ano passado. Para o segundo trimestre, na média, a expectativa é que haja colapso na demanda de 16,4 milhões de barris por dia, na comparação com igual período de 2019. 

Pascual afirma que “todos os países estão cientes da situação” de agravamento da sobreoferta e que será interessante observar como os principais produtores vão coordenar esforços por cortar a produção, em realidades político-econômicas tão diferentes como a saudita e a americana. 

“Será importante ver o que vai emergir dessas discussões. Rússia, Arábia Saudita e outros países da Opep geralmente controlam de forma centralizada os sistemas econômico e político. Eles têm a capacidade de instruir seus produtores a cortar a produção”, afirma. “Para os Estados Unidos a legislação antitruste impede uma colaboração entre produtores para ajustar o suprimento e afetar o mercado.” Ele observa que o próprio efeito do mercado força o corte da produção. 

“Nos EUA, não há dúvida de que os produtores serão pressionados para reduzir produção em 2020 e 2021. Estamos esperando que a produção americana caia 2,9 milhões de barris/dia em 2020. Mas a questão é como a Opep+ vai atingir um entendimento em mercados democráticos e que não estão em posição para instruir seus produtores a cortar produção”, diz.

Enquanto a indústria do shale americano deve ter dificuldade de se sustentar com os atuais preços, Pascual conta que o pré-sal brasileiro está mais bem posicionado. Ele cita que a Petrobras se destaca por trabalhar com um preço de equilíbrio baixo, de US$ 21 o barril no pré-sal. “E os custos de extração são ainda menores [de US$ 5,6 o barril na região]. O Brasil tem a vantagem do pré-sal”. 

Para ele, a queda dos preços e os cortes na produção tem impactos sobre as participações governamentais dos países, como royalties, e que o Brasil não foge à tendência. A Agência Nacional do Petróleo (ANP), por exemplo, revisou suas projeções e estima que o país deve arrecadar, este ano, R$ 43,9 bilhões em royalties e participações especiais – 26,8% a menos que o inicialmente previsto. 

A queda da receita governamental, para Pascual, é um dos motivos que podem levar Rússia e Arábia Saudita a voltarem a negociar um possível corte. Ele destaca que o 

breakeven fiscal (preço do barril de petróleo que os países precisam para equilibrar seus orçamentos) é de US$ 75 o barril para a Arábia Saudita e a maioria dos países do Golfo, enquanto a Rússia equilibra o seu orçamento com o barril a US$ 45. 

“Isso representa uma questão muito significativa para as duas economias. E é uma razão por que os dois indicaram que precisam considerar medidas para reduzir a produção, reduzir a oferta excedente no mercado e retornar a um ambiente que mantenha preços a um nível que não apenas é benéfico para companhias, mas também endereça as preocupações fiscais dos países”, completa o analista. 

A IHS Markit é uma das principais empresas globais de informação, análise de dados e consultoria da área de energia. É resultado da compra pela IHS, em 2004, da Cambridge Energy Research Associates (Cera), fundada por Daniel Yergin, considerado um dos “papas” da indústria de petróleo. 

https://valor.globo.com/brasil/noticia/2020/04/06/acordo-nao-evita-baixo-preco-do-petroleo.ghtml

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