FMI propõe injeção de liquidez de US$ 500 bi

Um plano emergencial do Fundo Monetário Internacional (FMI) de injetar liquidez na economia global através de expansão de Direitos Especiais de Saque (DES), a moeda escritural da instituição, vem sofrendo rejeição isolada dos EUA no G20, grupo das maiores economias do mundo. 

O FMI propôs fazer alocação adicional de US$ 500 bilhões de DES para seus membros, afim de ajudar países emergentes e em desenvolvimento em meio à crise econômica causada pela pandemia da covid-19. 

O montante sugerido é o dobro dos US$ 250 bilhões que o Fundo emitiu na crise financeira global de 2009 para suplementar as reservas internacionais de países mais fragilizados. Na época, os EUA, sob a Presidência de George W. Bush, aprovou a iniciativa. 

Desta vez, em meio à nova crise, que atinge em cheio a economia real, a única negativa vem dos EUA, que tem votos suficientes para vetar sozinho as decisões no FMI. “Só os EUA estão contra”, diz uma fonte a par das discussões do G20. Washington aparentemente vê o plano como antagônico a seu papel no sistema monetário global, que continua a ser dominado por ativos em dólar. 

“Os EUA têm resistência tradicional a emissões de DES porque acha que esse é um caminho na direção de menor importância do dólar”, diz Otaviano Canuto, ex- diretor-executivo do FMI e hoje pesquisador-sênior não residente do centro de estudos Brookings Institution, de Washington. 

No G20 e no conselho executivo do FMI as discussões continuam sobre como garantir mais liquidez. “Alguns de nossos membros nos perguntaram sobre algo que de fato entra no afrouxamento monetário para o mundo”, disse a diretora-gerente do FMI, Kristalina Georgieva, na sexta-feira, sem mencionar cifras. 

O DES é um ativo internacional emitido pelo FMI, pelo qual o fundo atua na prática como uma espécie de banco central do mundo. Fornece a cada país membro um ativo de reserva internacional gratuito e incondicional dentro dos limites de cotas que cada país tem. O DES faz parte das reservas de divisas dos países e pode ser vendido ou usado para pagamento a outros BCs. Esse ativo monetário tem como referência uma cesta de moedas que incluem o dólar, o euro, a libra esterlina, o iene e o yuan. 

 “Faz sentido examinar a possibilidade de criação emergencial de DES diante da demanda monstruosa por recursos do Fundo, por causa do choque do coronavírus”, diz Canuto. “Mas temos que lembrar que o DES é uma moeda contábil que circula entre bancos centrais, não é recurso direto nas mãos dos governos para intervir no câmbio, por exemplo.” 

Os países do G20 somam 71% das cotas do FMI. E o único explicitamente contrário até agora foram os EUA. Alguns países no G20 indagam, em todo caso, se a expansão da moeda do FMI será efetiva para os que mais necessitam de liquidez. É que a distribuição aos 189 membros é em proporção à fatia de cota de cada um. 

Assim, 55% dos recursos vão para países desenvolvidos, que controlam o poder de voto. Dos 45% restante, boa parte vai para os grandes emergentes, que tampouco precisam dessa liquidez. 

Basta ver o caso do Brasil, décimo maior cotista do FMI, com 2,32% do total. Uma alocação adicional de US$ 500 bilhões de DES significa para o país ter acesso a US$ 11,6 bilhões na moeda do Fundo – ou seja, metade do que o BC gastou de reservas entre 2 de março e 2 de abril, conforme dados publicados em seu site. 

Já para a Argentina e outros países com dificuldade na balança de pagamentos qualquer ajuda adicional é bem recebida. Segundo uma fonte, o que de fato está em jogo é “manter afastado o risco que países mais vulneráveis oferecem para a economia global”. Acrescenta que “se pipocar uma série de países parando de pagar seus compromissos externos, o sistema começa a travar e os problemas aumentam para todos”. 

Na linha oposta dos EUA, alguns países sugerem que a expansão de DES seja mais ambiciosa e alcance US$ 1 trilhão, o dobro do que o FMI propõe. Certos analistas, por sua vez, insistem que o montante não pode ser meramente simbólico e deveria ser de até US$ 4 trilhões. 

É nesse contexto que reuniões virtuais em diferentes foros prosseguem nesta semana. A expectativa é decidir até o dia 16 se a alocação adicional de DES será autorizada e qual seu montante. O G20 pode decidir, mas formalmente é o conselho de diretores do FMI que aprova ou não a medida. 

“Agora estamos em recessão”, disse Georgieva, na sexta-feira. “Essa crise é como nenhuma outra. Nunca na história do FMI testemunhamos a economia mundial parando. É pior que a crise financeira global [de 2009].” 

Ela destacou como economias emergentes estão sendo duramente atingidas, e frequentemente tem menos recursos para se protegerem dessa dupla crise, de saúde pública e econômica. Exemplificou com saída de capital recorde de quase US$ 90 bilhões dos emergentes, mais que na crise de 2009. Com o colapso dos preços de commodities, a dificuldade aumenta. 

O FMI nunca viu tanta demanda por assistência financeira como agora, na esteira dos danos causados pelo coronavírus. Nada menos de 90 países já recorreram as linhas de crédito emergencial do FMI, para evitar falências e demissões que tornariam a crise ainda mais severa. Mas, o montante solicitado no total não passa de US$ 20 bilhões até o momento. O FMI diz ter capacidade de empréstimos de US$ 1 trilhão e está disposto a mobilizá-lo inteiramente. 

No pacote que o G20 poderá anunciar na reunião virtual do FMI e Banco Mundial na metade do mês, outra iniciativa é criar uma nova linha de crédito de emergência do Fundo completando linha de swap de BCs para apoiar os países mais necessitados. 

Inclui uma moratória da dívida dos países mais pobres, jogando os pagamentos deste ano para o ano que vem. Também o acesso ao Fundo Fiduciário para Alívio e Contenção de Catástrofes (CCRT, na sigla em inglês) será flexibilizado. 

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2020/04/06/fmi-propoe-injecao-de-liquidez-de-us-500-bi.ghtml

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