Por João Carlos Gonçalves
Anna Karenina, o clássico romance de Leon Tolstói, publicado em 1873, narra a história de Anna, aristocrata casada com um importante funcionário do governo, na Rússia do século XIX, com quem tem um filho e uma vida aparentemente feliz. Em viagem de visita à irmã com problemas no casamento, Anna conhece o jovem conde Alexei Vronsky, com quem se envolve de maneira avassaladora, colocando em risco seu casamento e sua posição social, escandalizando, assim, a sociedade burguesa da época.
Hoje, tal história pode nos parecer, num primeiro momento, tradicional e datada, inclusive pelo número de adaptações que já renderam várias outras narrativas cinematográficas.
De maneira ousada e criativa o diretor Joe Wright nos presenteia com sua singular versão de Anna Karenina, levando-nos a Moscou e São Petesburgo recriados em um teatro onde as locações são substituídas por cenários que descem dos urdimentos e se transformam bem ali, aos nossos olhos de espectadores. Há inicialmente, um certo estranhamento pois vemos os personagens adentrando portas para saírem em locais totalmente diferentes, sensação que logo é substituída pelo deslumbramento, uma vez que a direção de arte dá um show de criatividade e inovação. Tudo é falso e hiperbólico, como se estivéssemos diante de uma coreografia dramática que ora aponta para o teatro, ora para a ópera, ora para a dança.
A grande quantidade de belos figurinos de época são trocados de uma cena para outra, com uma propositada falta de verossimilhança; uma determinada cena aponta para um cenário realista para logo em seguida, dar lugar a um espaço visual que aponta para a ilusão gerada pelo palco italiano, que por sua vez será também quebrada quando vemos as cordas da maquinaria cenográfica, o avesso do cenário, as coxias, a iluminação. Assim, somos conduzidos pela metalinguagem cinema-teatro que coloca em evidência o próprio processo criativo da obra e a própria carpintaria do fazer artístico, sem cair na armadilha da própria linguagem, da forma pela forma: toda a emoção narrativa está lá, mas recriada de modo original e instigante.
O diretor conta com as ótimas interpretações do trio de atores Keira Knigtley, Jude Law e Aaron Taylor-Johnson. Perfeito o trabalho de Tom Stoppard (Shakespeare Apaixonado), na adaptação do romance para a tela. Louváveis também são as criações de Seamus McGarvey (fotografia), Jacqueline Durran (Oscar de melhor figurino), Sarah Greenwood e Katie Spancer (direção de arte), e Dario Marianelli (trilha original).
“Anna Karenina” de Joe Wright comprova a provocação de Machado de Assis em “Memórias Póstumas de Brás Cubas”: A Vida é uma Ópera.