Enquanto um bom punhado de gente acompanha o mundo virtual de “Game of Thrones”, há uma outra guerra real e dramática acontecendo em torno da ascensão das fintechs, as startups do setor financeiro.
Essa guerra pode ser resumida por uma única palavra: “unbundling” (desagregação).
Hoje, o modelo dos bancos é agregar o maior número de serviços em uma mesma estrutura monolítica: conta-corrente, investimentos, seguros, crédito, pagamentos, gestão patrimonial e até mesmo loterias, como nos chamados “títulos de capitalização”.
Esse modelo, obviamente, dá muito certo. Especialmente porque é um prato cheio para a possibilidade de colocar em prática subsídios cruzados. É fácil escolher um produto altamente popular e zerar o seu preço, desde que ele sirva de ponte para outros produtos altamente rentáveis. Não por acaso as margens de lucro do setor são muito elevadas.
No entanto, há bárbaros cercando o castelo. Lucros exorbitantes são um forte chamariz para a competição (ou ao menos deveriam ser). Como disse o presidente-executivo da Amazon, Jeff Bezos: “A sua margem é a minha oportunidade”.
E, obviamente, Bezos já notou as ineficiências do sistema bancário. Para cada um dos serviços que os bancos agregam hoje, a Amazon está lançando um competidor equivalente: Amazon Pay (pagamentos), Amazon Lending (empréstimos), Amazon Cash (conta-corrente), Amazon Protect (seguros), Amazon Prime (cartão de crédito) e assim por diante.
No entanto, a competição está acontecendo mesmo no território das fintechs, as startups que estão desagregando cada um dos serviços que os bancos prestam de forma unificada, criando modelos mais eficientes e de maior qualidade para o consumidor.
No Brasil, já existe uma pletora dessas novas empresas, cada uma atacando uma modalidade de serviço específico.
E, é claro, isso começou a incomodar e gerar reações. A experiência com outras indústrias nos últimos anos demonstra, no entanto, que apostar contra a inovação não costuma dar certo. Em 2006, entre as 5 maiores empresas globais em valor de mercado, havia um banco. Em 2019, todas as cinco maiores empresas do planeta são de tecnologia.
As mudanças ocorrem rapidamente. O que hoje é monolítico em cinco anos pode não ser mais, como gosta de dizer o consultor Anand Sanwal, citando Hemingway: “Como você faliu? De dois jeitos. Gradualmente, depois subitamente”.
Chegou o momento em que as fintechs começarão a ter curvas de adoção parecidas com a das empresas de tecnologia. No entanto, esse caminho não vai ser fácil. O papel da regulação do setor e da proteção à competição vai ser determinante.
Quando a indústria da música foi “desagregada” pela internet, tentou ao máximo valer-se da regulação para conter os novos entrantes. Queriam continuar vendendo CDs com 12 músicas para consumidores que queriam comprar só uma. O resultado é que hoje as gerações mais novas nem sabem o que é um CD.
Com os serviços bancários, a banda já começou a tocar dessa forma. Resta saber se a música será um tango argentino ou um abre-alas para a inovação, capaz de construir um futuro sintonizado com os desejos da ponta que mais importa, o consumidor.
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/ronaldolemos/2019/04/a-guerra-das-fintechs.shtml