A complexa disputa entre Europa e China

Neste último mês se observou uma ofensiva chinesa ao enviar tanto o presidente Xi Jinping quanto o premier Li Keqiang a viagens oficiais para tentar conter a escalada de tensões comerciais e de investimento com a Europa. O que está em jogo aqui é um fluxo de comércio de US$ 682 bilhões, valor que é superior ao fluxo comercial entre EUA e China. Enquanto muita atenção tem sido dada para a guerra comercial entre a China e os EUA, poucos notam que há outro embate com características bastante distintas acontecendo de maneira menos midiática entre China e o velho continente.
Desde o início de 2019, alguns movimentos por parte da Europa chamaram a atenção dos chineses que apontaram para a necessidade de se buscar negociar com os europeus. Primeiro, o ministro da Economia da Alemanha, Peter Altmaier, lançou uma nova política com uma estratégia para elevar o nível de competitividade da economia alemã. O anúncio da Política Industrial Nacional 2030 chocou os mercados ao propor que primeiro a Alemanha, e depois a União Europeia, deveriam criar um time de campeões nacionais em setores estratégicos para competir a nível global. A competição desleal dos chineses estava presente nas justificativas para a criação destes campeões.
Além disso, a política ainda propôs a criação de procedimentos mais rígidos de triagem e aprovação de investimento estrangeiro direto. O objetivo era impedir aquisições de empresas alemãs por empresas não-europeias em setores que sejam considerados estrategicamente importantes. A proposta refere-se especificamente a empresas nas áreas de tecnologia e inovação e, mais precisamente, plataformas de TI, Inteligência Artificial e direção autônoma. De novo, a ameaça das empresas de tecnologia chinesa também estava presente como justificativa para a elaboração da política.
Logo depois que a Alemanha lançou essas políticas, a França veio a público indicar apoio para que estes mesmos pontos sejam pensados pela Comissão Europeia e aplicados aos países membros do grupo. Como resultado, a própria Comissão Europeia apresentou um comunicado estratégico contendo dez propostas para lidar com Pequim e, pela primeira vez, caracterizou a China como um rival sistêmico da Europa.
Se por um lado estas medidas se assemelham às características do embate entre os EUA e a China, por outro, a estratégia da Europa para lidar com a China é mais complexa. Até o momento, a Europa ainda não impôs medidas de aumento de tarifas, como os americanos e tem se mantido firme na postura de defender a estrutura de livre mercado. Além disso, a Europa busca cobrar a responsabilidade da China em áreas que são de interesse mútuo. Dentre os dez pontos apresentados pela Comissão Europeia, se encontram propostas para trabalhar em conjunto com os chineses para o cumprimento das metas de redução de CO2 estabelecidas pelo acordo de Paris, e para manter comprometimento com o acordo do Irã.
O anúncio da Política Industrial Nacional 2030 chocou os mercados ao propor que a Alemanha, e depois a UE, deveriam criar campeões nacionais em setores estratégicos para competir a nível global. A competição desleal dos chineses estava presente nas justificativas
Outro ponto que adiciona complexidade a esta relação é como lidar com a iniciativa da Rota da Seda. Uma das principais bandeiras da política externa do presidente Xi Jinping, a proposta da China de construir infraestrutura, em mais de 60 países, para gerar novas rotas de comércio internacional e elevar o nível de integração de sua economia com o mundo é feita através do fornecimento de uma série de empréstimos para países que fazem parte desta iniciativa.
O tema é complexo porque se por um lado vários países se beneficiam dos empréstimos e de infraestrutura que não tinham antes, por outro muitos especialistas julgam que esses empréstimos podem não ser benéficos por elevar o nível de endividamento e criar um relacionamento de dependência ou de cessão de infraestrutura nacional para o controle de empresas chinesas.
Neste tema, a Europa se encontra dividida e com receio de que esta divisão possa abrir uma brecha para o aumento da influência chinesa em decisões de seus países membros. Isso se justifica por dois motivos.
Primeiro, existe a participação de países da iniciativa de 16+1 que já fazem parte do Rota da Seda e, desde 2012, se beneficiam de investimentos chineses da ordem de US$ 4 bilhões e de empréstimos de US$ 6 bilhões para construção de infraestrutura. Esta iniciativa inclui 11 países que fazem parte da União Europeia e que costumam ter posições menos duras contra a China.
Segundo, há uma série de países que ainda se recuperam de crises recentes, como Grécia, Portugal e Itália, que optaram por aderir a Rota da Seda e enxergam na China uma alternativa para investimento e financiamento.
Este tipo de divisão se reflete nas discussões sobre o posicionamento do continente com relação a China presentes na Comissão Europeia. Por exemplo, não consta o tema da Rota da Seda no comunicado estratégico dos dez pontos para lidar com a China. Assim como nos últimos dias foi indicado que a questão da regulamentação do 5G, que poderia ser definida ao nível de Comissão Europeia, será delegado para que cada país membro discuta internamente seus regulamentos. Esse é um ganho importante para a Huawei, que busca manter sua presença na Europa.
Em conclusão, enquanto os americanos adotaram uma postura de embate contra os chineses em várias frentes de batalha, os europeus buscam um equilíbrio entre confronto e cooperação. Parte deste equilíbrio tem origem nas divisões internas dos países membros do bloco e outra parte se justifica pela necessidade de cobrar e ter a China comprometida com metas que são de interesse comum. Essa é uma disputa que é complexa e seus próximos capítulos devem ser acompanhados em detalhes.

Andre Soares é non­resident fellow do Adrianne Arsht Latin America Center do Atlantic Council e ex­ coordenador do Conselho Empresarial Brasil­China.

https://www.valor.com.br/opiniao/6230415/complexa-disputa-entre-europa-e-china#

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