A gota d’água: após o 7×1, agora o 4×2 – Um brevíssimo ensaio

Mário René

Se for mesmo efetivado o incrível plano de racionamento de água pelo governo de São Paulo, poderemos viver grandes transformações.

Tanto na vida das famílias, quanto no ambiente urbano.

Recordo-me vagamente do fantástico filme de Luis Buñuel “O Fantástico Charme da Burguesia”, em que numa das cenas os convidados do casal anfitrião estão reunidos em torno de uma mesa sentados em vasos sanitários. Aparentemente, o ágape é menos o da refeição, e bem mais do defecar coletivo. Pois bem: antevejo reuniões como essa em torno do chuveiro, banheira ou hidro, nas quais a festa rola em torno da água; não é o “Tea Party” americano, mas o nosso “Water Party”: cada um traga a sua toalha, por favor.

A prefeitura se encarregará de instalar Borrifadores Públicos de Perfume, também conhecidos pela sigla BPP (ou bepepê), em parques e entradas de estações de metrô. Os bepepês irão borrifar perfumes populares. Mas haverá clínicas especializadas nos Jardins que irão borrifar os privilegiados com Chanel 5 e marcas da moda. Chanel D´Eau deverá ser um “must”.

A população, com seu espírito zombeteiro, obviamente chamará os bepepês de “lança-perfumes”. Aproveitando a deixa, empresários mais arrojados driblarão a proibição ora vigente e relançarão em grande estilo o famoso produto carnavalesco com a marca “As águas vão rolar”. Aspirá-lo já será um poderoso antídoto contra o fedor que a falta de banho diário causará principalmente aos ambientes fechados.
Assim como as castas na Índia, a população será dividida conforme os dias “Sem Banho”, os sebas. Na base da pirâmide, assim como os párias na Índia, tidos como impuros, ficarão os “Cincodiasembanho”. Reparem que todos nós – à exceção da classe política – vivenciaremos vários estratos sociais. A população será intimada a portar crachás que mostrem o número de dias sem-banho, e serão alocados com seus pares nos tranportes públicos. O Metrô reservará um vagão especial para os “Números Cinco”, impedidos por lei de se misturar aos cidadãos puros, ou privilegiados, que tomaram seu banho no dia.

Surgirão novas redes de lavanderia para lavagem de pessoas a seco.

A falta do shampoo diário fará as mulheres adotarem o corte Joãozinho, e os homens quase todos serão “skinheads”.

Nos condomínios, o elevador de serviço ficará restrito aos animais de estimação e aos sebas. Vários prédios instalarão chuveiros coletivos, que atenderão a todos os moradores, e se verá filas de condôminos enrolados em toalhas à espera de seus cinco minutos de banho.

As companhias aéreas voltarão a reservar fileiras de assentos no fundo da aeronave, mas desta feita não para os fumantes, mas para os sebas.

O grande temor das autoridades será o recrudescimento do alcoolismo. Assim como a Rainha Antonieta da França, perante a crise da falta de pão recomendava a seus súditos: “Então comam brioches”, o corte no bom e velho líquido fará com que inúmeras pessoas tenham que “recorrer” à cerveja e principalmente ao vinho.

A indústria de higiene e beleza não dará conta da demanda. A procura por desodorantes e talcos pédicos de todos os tipos baterá recordes, e faltará produto nas farmácias e nos supermercados. Os remanescentes serão certamente vendidos com ágio. A propaganda ressuscitará o CC (Cecê – cheiro de corpo, muito empregado nos anos 70) como mote na comunicação. Até o desodorante “Mum”, o primeiro a ser comercializado no Sec. XIX, será relançado com estrondo, ao lado da saudosa marca Avanço.

A indústria de perfumes viverá seu auge. A falta de banho nos remeterá de volta ao século XVIII , quando em vários países da Europa, eles eram vedados pela Igreja, que os considerava imorais, e os perfumes eram utilizados para disfarçar os odores da população. Mas o lado bom é que finalmente estaremos adentrando o primeiro mundo, pois estaremos mimetizando alguns países como a França, notória pela falta de banho diário da maioria da população.

A indústria de aromatizadores de ambiente também viverá seu esplendor, e também não dará conta da procura. Principalmente em ambientes públicos, como salas de aula e cinemas. Faltará incenso para os vendedores de artesanato.

Sem dúvida, serão novos tempos. Este é apenas o começo.

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