O brilhante romance de ficção científica The Three-Body Problem (2014), do autor chinês Liu Cixin, retrata o destino de civilizações como se dependessem quase inteiramente de corridas para alcançar importantes marcos científicos. Alguém na liderança chinesa deve ter lido o livro, pois Pequim fez da corrida pela inteligência artificial uma obsessão nacional, dedicando bilhões de dólares à causa e definindo 2030 como meta para o domínio global no setor. Nunca disposto a ser deixado para trás, o presidente Vladimir Putin, da Rússia, declarou recentemente que aquele que dominar a IA “passará a governar o mundo.”
É verdade que as ousadas promessas feitas pelos grandes adeptos da IA podem parecer excessivas; as tecnologias de IA de hoje são úteis somente em situações específicas. Mas, se houver a menor chance de a corrida pela IA mais sólida determinar o futuro do mundo – e essa não parece ser apenas uma possibilidade distante – os Estados Unidos e o restante do Ocidente estão adotando uma abordagem surpreendentemente relaxada e arriscada para o desenvolvimento dessa tecnologia.
Aparentemente, o plano é deixar que a indústria americana da tecnologia, que ganha a maior parte do seu dinheiro com a publicidade e a venda de dispositivos eletrônicos, atue como defensora do Ocidente. Espera-se que essas empresas pesquisem, desenvolvam e disseminem as tecnologias básicas mais importantes do futuro.
Empresas como Google, Apple e Microsoft são entidades formidáveis, dotadas de grande talento e recursos comparáveis aos de pequenos países. Mas elas não dispõem de recursos na escala dos países maiores, e não há incentivo para o seu alinhamento com o interesse público.
Em uma comparação exagerada, é como se, em 1957, esperássemos que as empresas aéreas comerciais levassem o homem à Lua.
Se a corrida em busca da IA poderosa for de fato uma disputa entre as civilizações pelo controle do futuro, os EUA e os países europeus deveriam gastar pelo menos 50 vezes mais do que hoje no financiamento público a pesquisas básicas com IA.
Deve-se notar que empresas como Google, Amazon, Microsoft e Apple investem somas consideráveis em pesquisa avançada. O Google se mostrou disposto a perder cerca de US$ 500 milhões por ano com o DeepMind, um laboratório de inteligência artificial, e a Microsoft investiu US$ 1 bilhão no laboratório independente OpenAI. Nessas iniciativas as empresas são parte de uma tradição de laboratórios corporativos revolucionários como Bell Labs, o Centro de Pesquisas da Xerox em Palo Alto e a Cisco Systems na época do seu auge.
Mas seria um erro grave pensar que o Vale do Silício vai se ocupar de todo o esforço necessário nessa corrida. A história da pesquisa em computação não é apenas a história de grandes laboratórios, mas também de colaboração e concorrência entre governo civil, forças armadas, academia e participantes privados, sejam maiores (IBM, AT&T) ou menores (Apple, Sun).
Em se tratando de pesquisa e desenvolvimento, cada um desses atores apresenta vantagens e limitações. Comparada à pesquisa financiada pelo governo, a pesquisa corporativa pode, nos seus melhores momentos, oferecer um estimulante equilíbrio entre teoria e prática, produzindo inventos como o transistor e o sistema operacional Unix. Mas as grandes empresas também podem guardar segredos, nutrir uma paranoia e cometer equívocos, como foi o caso da AT&T ao fazer pouco das tecnologias da internet.
As grandes empresas também podem mudar suas prioridades. A Cisco, que já fo líder no seu setor, gastou mais de US$ 129 bilhões na recompra de ações nos 17 anos mais recentes, enquanto sua principal concorrente chinesa, Huawei, desenvolvia os melhores produtos 5G do mundo.
Alguns dos defensores de pesquisas mais aprofundadas na área da IA pedem a criação de um “projeto Manhattan” para a inteligência artificial – mas esse não é o modelo adequado. A IA é um conjunto amplo e vago de tecnologias científicas que abrange não apenas as recentes tendências de aprendizado de máquina, mas também tudo mais que for pensado para imitar ou ampliar a capacidade cognitiva humana. Não queremos necessariamente um foco único em uma ideia específica daquele que pode ser o futuro da IA.
Como ocorreu com a pesquisa que deu origem à internet, o governo dos EUA deveria financiar generosamente a pesquisa básica e insistir em uma ampla disseminação, exceção feita às ferramentas com potencial perigoso. Nem todo o financiamento do governo precisa ser destinado à academia: instituições privadas de pesquisa como a OpenAI, comprometidas com o desenvolvimento da IA com base em princípios e com a ampla difusão da pesquisa, também devem estar entre os possíveis destinos desses recursos.
Além disso, os EUA precisam de leis de imigração que possam atrair os melhores talentos mundiais na área da IA. O histórico de inventos revolucionários obtidos pelas startups também aponta para a necessidade de políticas como o policiamento da legislação antitruste e a defesa da neutralidade da rede, dando assim uma chance aos participantes menores.
É revelador que, em seu livro AI Superpowers: China, Silicon Valley, and the New World Order, o empreendedor e cientista da computação Kai-Fu Lee descreva uma corrida entre a China e o Vale do Silício, como se este fosse a soma total da ciência ocidental nessa área.
No futuro, quando analisarmos esse período, talvez nos arrependamos da perda de um equilíbrio saudável entre pesquisa pública e privada no setor da IA no Ocidente, e a captação de uma parte excessiva do talento científico e de engenharia por parte do setor privado.
Tim Wu é professor de direito da Universidade Columbia, em Nova York, e autor de The Master Switch: The Rise and Fall of Information Empires.