Vamos precisar pensar junto com as máquinas

Na medida em que tecnologias como inteligência artificial e robótica são adotadas por empresas, ter familiaridade com seus usos e possibilidades se transformará em uma habilidade funcional para quem trabalha, como ler e escrever. Para a maioria dos profissionais, mais importante do que ser expert em tecnologia é ser capaz de pensar junto com as máquinas – e questioná-las quando necessário.
A visão é de Thomas Philbeck, diretor do departamento de ciência e estudos em tecnologia do Fórum Econômico Mundial. O professor americano, que já foi reitor assistente da faculdade de artes e ciências do New York Institute of Technology e hoje vive na Suíça, estará em São Paulo amanhã para participar do seminário “Como será o trabalho do futuro à luz das novas tecnologias?”, como mostrou matéria de Letícia Arcoverde, publicada no Valor de 26/04.
Formado em filosofia e com PhD na área de ciências humanas, o americano passou a carreira pensando os efeitos da tecnologia na vida humana. Entre 2016 e 2017, liderou o projeto do Fórum Econômico Mundial que estudou os impactos da quarta revolução industrial na economia, na sociedade e no mundo do trabalho.
Na sua opinião, para avançar nesse futuro incerto a responsabilidade terá que ser compartilhada – cabe a indivíduos buscarem novas habilidades, mas também a governos darem os recursos e as oportunidades para isso. Já os executivos à frente de empresas terão que tomar decisões difíceis sobre o papel que a tecnologia terá dentro de suas companhias. “Ao invés de usá-la para substituir humanos, é preciso investir tempo para pensar sobre como ela pode ampliar o comportamento humano dentro da organização”, diz Philbeck.
O especialista foge das opiniões que considera hiperbólicas sobre as transformações que a tecnologia trará para o mundo do trabalho, e não dá respostas prontas para o que considera um futuro que não pode ser completamente previsto. “O debate atualmente é se a automação vai substituir seres humanos ou ampliar a capacidade humana. É possível que no longo prazo tenhamos mais empregos, mas serão empregos diferentes.”
Ele reforça, no entanto, a importância de discutir o assunto e atuar de forma coletiva para mitigar os riscos de mudanças precipitadas. “Não é certo que o futuro será uma distopia tecnológica, nem que ele será uma utopia tecnológica. Vai depender de como vemos o mundo e se assumimos responsabilidades”, diz. Nesse contexto, executivos têm papel relevante como tomadores de decisões. Para Philbeck, são muitos os exemplos de empresas com lucros recordes que ainda assim escolhem cortar funcionários e reinvestir o dinheiro em máquinas, análise de dados e robótica – uma decisão que precisa ser considerada com mais cuidado. “Os executivos devem prestar atenção em aspectos intangíveis e garantir que eles também estejam no radar”, afirma.
Mudanças são inevitáveis, no entanto, e para Philbeck a principal será a segmentação de cargos em tarefas, levando à transição de um mercado de trabalho baseado em funções para um movido por habilidades. “Não se olhará para o histórico da pessoa e as posições por onde ela passou, mas se ela tem as habilidades necessárias para resolver determinadas tarefas”, explica. Para ele, isso poderá se mostrar uma vantagem para países em que a força de trabalho já se organiza de forma mais informal, em oposição a lugares onde a taxa de emprego formal é maior e essa mudança é mais disruptiva.
Nos EUA, dados mostram aumento no uso de trabalho freelancer e da chamada “gig economy”, ou “economia dos bicos”, movida por fontes de rendas alternativas como Uber e Airbnb. Para Philbeck, uma das questões mais importantes desse cenário são as consequências das mudanças no papel que o trabalho tem na vida das pessoas. “O que significa para indivíduos, em suas vidas pessoais, sua segurança social, e seu status em uma comunidade quando todas essas coisas que eram associadas com empregos mudam dramaticamente?”, questiona.
Para ele, as empresas também terão que se reorganizar para abarcar esse cenário na forma como enxergam funções, na maneira como treinam funcionários e nas habilidades que buscam em profissionais. Ter alguma habilidade técnica para lidar com as interfaces tecnológicas baseadas em, por exemplo, inteligência artificial e robótica, será uma competência básica e funcional, “como ler e escrever” – mas Philbeck lembra que a tendência é que essas tecnologias se infiltrem também na nossa vida pessoal, tornando essa familiarização mais fácil. Em termos de competências importantes, ele destaca a capacidade de trabalhar coletivamente, em equipes que se complementam.
Na sua opinião, ao invés de só desenvolver indivíduos como líderes, as empresas poderão construir equipes em que diferentes qualificações sejam combinadas para que o grupo, em conjunto, lidere. “Desde o início dos tempos, nosso jeito de criar capacidades maiores sempre foi trabalhar em grupo.”
São ainda importantes habilidades para gerar inovação e a capacidade cognitiva de questionar o trabalho das máquinas. “Você precisa ter a habilidade de não ficar só sujeito às mudanças, mas de influenciá-las”, diz. Para isso, ele recomenda estudar o básico das novas tecnologias, entender suas capacidades e limites, para então refletir sobre qual seria sua melhor maneira de contribuir.
Já é possível ver companhias se posicionando para promover a inclusão de assuntos como robótica nos currículos do ensino público – uma relação que Philbeck entende ser questionável, mas que considera importante para criar um espaço de deliberação e reflexão sobre o assunto. Indivíduos devem assumir a responsabilidade de dedicar tempo e esforço para se preparar, mas isso só acontece quando eles têm a capacidade e a oportunidade de tomar essas decisões.
“É quando a responsabilidade passa para o governo. Ele provê o tipo certo de educação, reduz as desigualdades e o tipo de emprego que explora cidadãos? Quando os governos atuam nessas áreas, isso gera oportunidades para as pessoas”, diz. Se esses fundamentos não estiverem sólidos, o risco será o despreparo para agir em um mundo cada vez mais incerto.
Philbeck lembra que a introdução até de pequenos elementos em um sistema – como uma nova tecnologia na sociedade ou uma mudança no currículo nacional – pode ter efeitos enormes e imprevisíveis, com o risco de gerar mais desigualdade e aumentar o progresso econômico em detrimento do progresso social. “E se o resultado for esse, então para que estamos fazendo tudo isso?”, questiona.

http://www.valor.com.br/carreira/5483835/vamos-precisar-pensar-junto-com-maquinas#

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