Tensão UE-China coloca em risco acordo de investimentos

As crescentes tensões em torno das acusações de violações de direitos humanos pela China em Xinjiang podem extravasar para o comércio mundial e colocar na berlinda cadeias de fornecimento e um acordo de investimento entre Pequim e a União Europeia (UE). 

A UE citou supostos abusos contra a população de minoria muçulmana uigur na decisão tomada na segunda-feira de impor sanções à China pela primeira vez em três décadas. No mesmo dia EUA, Reino Unido e Canadá anunciaram medidas semelhantes. 

Isso ocorre na sequência do aumento da pressão sobre as empresas para encerrar ou reduzir seus negócios com fornecedores em Xinjiang. 

Pequim respondeu às medidas da segunda-feira com a proibição de entrada no país de pessoas e organizações da UE, inclusive membros do Parlamento Europeu, que “prejudicam gravemente a soberania e os interesses da China”. 

O presidente do Parlamento Europeu, David Sassoli, disse que as sanções são “inaceitáveis e com certeza terão consequências”. Ele postou fotos dos parlamentares visados no Twitter em uma demonstração de apoio. 

A hostilidade surge no momento em que o Parlamento Europeu delibera sobre a ratificação do Acordo Abrangente sobre Investimentos fechado entre Bruxelas e Pequim no fim do ano passado. 

O acordo tornaria mais fácil a entrada de empresas da UE no mercado chinês, que observadores esperam que apoie a recuperação dos setores prejudicados pela pandemia de covid-19. Mas a escalada do atrito sobre a questão uigur anuviou ainda mais as perspectivas de sua aprovação. 

O segundo maior grupo político do Parlamento Europeu, a Aliança Progressiva dos Socialistas e Democratas, de centro-esquerda, divulgou um comunicado na segunda- feira em que declara que “a suspensão das sanções contra os deputados europeus é uma precondição para entrarmos em negociações com o governo chinês sobre o acordo de investimentos”. 

Parlamentares com uma posição mais dura em relação à China têm pressionado por mais sanções em resposta à repressão de Pequim ao movimento pró-democracia em Hong Kong. 

O confronto com Pequim a respeito dos direitos humanos já começou a ter repercussões nas cadeias de fornecimento internacionais, à medida que os EUA e os países europeus intensificam a fiscalização para impedir a entrada de produtos feitos com suposto trabalho forçado em Xinjiang. 

A região é um importante centro de produção de roupas e eletrônicos, e empresas como a Nike e a Adidas já foram acusadas de adquirir produtos feitos com trabalho forçado lá. Em dezembro, o governo do então presidente Donald Trump proibiu as importações para os EUA de algodão originário do Corpo de Produção e Construção de Xinjiang. O secretário do Partido Comunista chinês desse órgão está entre as autoridades que são alvo das sanções anunciadas pelo governo do presidente Joe Biden na segunda-feira. 

Em janeiro, o Reino Unido e o Canadá anunciaram novas regras para impedir que empresas se tornem cúmplices de violações dos direitos humanos em Xinjiang. 

As medidas “ajudarão a garantir que nenhuma organização britânica, do governo ou do setor privado, deliberada ou inadvertidamente lucre ou contribua para as violações dos direitos humanos contra os uigures ou outras minorias em Xinjiang”, disse o ministro das Relações Exteriores do Reino Unido, Dominic Raab. 

Londres multará empresas de médio e grande porte que deixem de divulgar as medidas que tomam para impedir a “escravidão moderna” em suas cadeias de fornecimento, e vai barrar a participação em licitações públicas de empresas que estão sob suspeita de envolvimento com trabalho forçado. O governo alemão aprovou neste mês uma lei que exige que empresas tomem medidas preventivas na área dos direitos humanos, sem citar a China diretamente. 

Um relatório de março de 2020 do think-tank Australian Strategic Policy Institute citou mais de 80 grandes empresas que têm em suas cadeias de fornecimento fábricas que empregam uigures “em condições que sugerem fortemente trabalho forçado”. Grupos internacionais de direitos humanos lançaram campanhas pelo boicote às empresas dessa lista. 

Algumas das empresas, como a francesa Lacoste e a sueca Hennes & Mauritz, responderam que encerrariam seus relacionamentos com fornecedores acusados de usar trabalho forçado. Outras, como a Nike, têm investigado suas cadeias de fornecimento em busca de ameaças aos direitos humanos.

No Japão, que carece de uma estrutura legal forte para determinar sanções relativas a violações dos direitos humanos, as empresas têm adotado iniciativas por conta própria para enfrentar o problema.

A Mitsubishi Electric, que está na lista do instituto australiano, intensificou as ações preventivas em sua cadeia de fornecimento. A Fast Retailing, operadora da rede de roupas casuais Uniqlo, informou em um comunicado que não tem laços comerciais com as fábricas de Xinjiang às quais foi vinculada no relatório do Australian Strategic Policy Institute. 

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2021/03/24/tensao-ue-china-coloca-em-risco-acordo-de-investimentos.ghtml

Comentários estão desabilitados para essa publicação