O comprometimento dos EUA com a Europa é nobre, bem-sucedido e já dura gerações. Isso não impede que seja um pouco esdrúxulo. Passados 30 anos da queda da União Soviética, por exemplo, os EUA seguem mantendo soldados numa Alemanha que não apenas é rica, mas também é mais estável internamente que os EUA.
Uma explicação é que a Rússia ainda é uma força que precisa ser desencorajada. Outra é que a Europa é base para as ações dos EUA no Oriente Médio e outros lugares. O primeiro motivo não explica por que os americanos, a um oceano de distância, devam formar boa parte desse desencorajamento. O problema do segundo é que é ilimitado em termos de tempo.
Se a Europa tem posição estratégica hoje, quando isso deixará de valer? A implicação disso é um papel eterno dos EUA no continente. Não é preciso seguir o lema “America First” para questionar as distorções que isso causa tanto nos EUA como nos países europeus com bases americanas. Não é preciso ser um eurofederalista para perceber que isso impede a Europa de avançar à autossuficiência.
A aliança entre EUA e Europa também não deve ter um futuro garantido após Trump. O relacionamento está exposto a tendências inexoráveis, e não apenas a um presidente desestabilizador. Os que dão valor a esse relacionamento seriam ingênuos em acreditar numa salvação com o candidato presidencial democrata Joe Biden.
A mais clara dessas tendências é a guinada dos EUA em direção à Ásia. Biden foi um vice-presidente influente no governo que iniciou esse processo. Em 2013, Barack Obama o enviou à Ásia para reforçar essa guinada. Sete anos depois, o agora candidato, famoso por falar demais, não tem muito a dizer sobre a Europa em sua campanha. Já quanto à China, ele é eloquente, ainda que não muito coerente.
A inclinação do Partido Republicana para o lado asiático é ainda mais pronunciada.
A outra tendência que Biden não interromperá é a transformação demográfica dos EUA. O americano médio, de 38 anos, não tem muita memória da Guerra Fria, para não falar das guerras mundiais que formaram a base emocional da aliança com a Europa. A probabilidade de esse americano ser descendente de asiáticos ou latinos é bem maior hoje do que em 1948, quando os EUA, então com forte ascendência europeia, fundaram a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan, a aliança militar ocidental). O estatuto da Otan fala da “herança comum” como base de sua unidade. A cada ano essa frase parece fazer menos sentido.
Também não adianta citar “valores” como a base que mantém o projeto de pé. Em 1948, “democracia, liberdade individual e Estado de Direito”, para citar novamente o estatuto, eram características raras o bastante para definir as nações que as tinham. Ainda no fim dos anos 70, a maioria dos países era autocrático. Os poucos liberais buscavam segurança na união. Agora, mesmo após recentes retrocessos, a maioria dos países tem algum grau de democracia. Outros fizeram uma transição do autoritarismo para sistemas “mistos”.
A disseminação da forma de governo do Atlântico Norte foi a narrativa global da minha vida. Mas isso priva o próprio Atlântico Norte de seu ímpeto de coesão.
Sem dúvida, um governo Biden colaboraria com a Europa quanto às mudanças climáticas e reduziria a tensão no comércio. Tampouco atacaria a UE como sendo uma heresia contra o “Estado-nação”.
Fora esse bem-vindo descongelamento, os dois lados não ficarão muito mais próximos. Essa relação está retrocedendo para a fase do fim do século 19, quando EUA e Europa tinham pouco a ver, a não ser pelo fluxo de pessoas e mercadorias. Por mais cômodo que seja culpar Trump pela divergência, ele na verdade dá apenas um tom malicioso a um processo já existente.
Sua decisão de retirar tropas americanas da Alemanha encoraja os inimigos do Ocidente, comenta-se. E é isso mesmo. Mas países sérios não identificam simplesmente o que seus inimigos querem e fazem o oposto. Para sobreviver, a aliança EUA-Europa precisa de uma razão de ser mais profunda do que essa. E a eleição de um novo líder nos EUA não trará uma.