Startup cria frango de laboratório

O gosto de fato é parecido com o do frango. Uma startup da Califórnia voltada ao setor de alimentos anunciou ter criado as primeiras “chicken strips” do mundo (tiras de frango, em geral servidas como aperitivo) produzidas a partir da autorreprodução de células – e sem precisar arrancar uma pena animal sequer.
O gosto é bastante parecido com o de frango, conforme pessoas que receberam amostras para degustar, antes do anúncio formal feito ontem pela Memphis Meats, como mostrou matéria distribuída pela DowJones Newswires, assinada por Jacon Bunge, publicada no Valor de 17/03.
Cientistas, startups e ativistas defensores dos animais acreditam que o produto pode ajudar a revolucionar a indústria de carnes, que só nos EUA movimenta US$ 200 bilhões por ano. Seu objetivo: substituir bilhões de vacas, suínos e galinhas por carne animal que possa ser produzida de forma mais eficiente e “humana”, em tanques biorreatores de aço inoxidável.
O novo conceito vem sendo pesquisado por startups como a Memphis Meats e a holandesa Mosa Meat, que o chamam de “carne limpa”, inspirados na “energia limpa”. Para eles, a técnica poderia ajudar a indústria de alimentos a evitar custos relacionados à criação de gado bovino, como as despesas com grãos, água e tratamento de lixo. Cientistas já produziram carne bovina, cultivada a partir de células bovinas, com a qual fizeram hambúrgueres e almôndegas. Até agora, porém, ninguém havia produzido frango por esse método.
A Memphis Meat desenvolve a carne isolando células do animal com capacidade de se renovar, fornecendo a elas oxigênio e nutrientes. Essas células se desenvolvem em tanques biorreatores e se convertem em músculo que pode ser “colhido” depois de 9 a 21 dias.
Grandes empresas de carnes já tomaram nota dessa movimentação. A Tyson Foods, maior empresa de carne dos EUA em vendas, lançou em dezembro um fundo de capital de risco que pode investir na produção de carne em laboratório, célula a célula. No fim do ano passado, Kevin Myers, chefe de desenvolvimento de produto da Hormel Foods, considerou as pesquisas sobre tecnologias de culturas de células para criar carnes como “uma boa proposta de longo prazo”.
Com sede na Bay Area, em São Francisco, a Memphis Meats convidou degustadores a uma cozinha e preparou o frango frito, servindo-o com pato assado com laranja. Alguns que provaram as tiras de frango – um pouco mais esponjosas que um peito inteiro de frango e que foram preparadas empanadas e fritas submersas em óleo – disseram que o sabor foi quase igual ao do frango tradicional. O veredicto: comeriam de novo.
O cofundador e executivo-chefe da Memphis Meat, Uma Valeti, afirmou que a cultura de células de frango representa um salto tecnológico e abre um importante mercado. “O frango é a proteína mais popular em nosso país”, disse.
Em 2016, os americanos comeram, em média, 41,23 quilos de frango per capita, segundo o Departamento de Agricultura dos EUA (USDA). É quase o mesmo que o consumo somado de carne bovina e suína.
No mundo, por ano, são criados cerca de 61 bilhões de frangos para o consumo de sua carne. A FAO, agência das Nações Unidas para agricultura e alimentação, projeta que até 2020 o frango – relativamente barato de produzir e com poucas barreiras religiosas e culturais – ultrapassará o suíno como carne mais consumida no mundo.
O consumo de carne de pato, por sua vez, é mais relevante na China. O país consome 2,7 milhões de toneladas de carne de pato por ano, a maior quantidade no mundo, quase dez vezes mais que o segundo colocado, a França, conforme o Conselho Internacional Avícola (IPC). Cada chinês come, em média, 2 quilos de pato por ano.
A carne produzida a partir de culturas de células ainda está distante de substituir a rede mundial de chocadeiras, granjas e indústrias de processamento e de ração da indústria avícola. As startups, porém, dizem estar fazendo progressos. A Memphis Meats estima que sua atual tecnologia pode produzir 1 libra-peso (0,45 quilo) de carne de frango por menos de US$ 9 mil. É metade do custo que a empresa teve para produzir a almôndega de carne bovina há um ano.
As startups almejam produzir uma carne com custo competitivo em comparação à criada de forma tradicional. O peito de frango desossado custa cerca de US$ 3,22 a libra-peso nos supermercados americanos, segundo a Agência de Estatísticas Trabalhistas dos EUA.
A Memphis Meats espera começar a vendar suas carnes comercialmente em 2021, mas já enfrenta o ceticismo de alguns no setor de bovinos, confiantes de que os carnívoros vão continuar a preferir a carne das fazendas. As startups, contudo, ganharam adeptos entre os defensores dos animais, incluindo até alguns dos que se opõem ao consumo de qualquer tipo de carne. Ingrid Newkirk, presidente do People for the Ethical Treatment of Animals (Peta), disse que o grupo de defesa dos animais, é “muito favorável a qualquer coisa que reduza ou acabe com os abatedouros”. O grupo ajudou a financiar as primeiras pesquisas na área.

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