Todos se dizem amigos durante o tempo bom, mas, quando a tempestade veio, alguns se recusaram a dividir o guarda-chuva.
Foi assim que a chefe do Poder Executivo da União Europeia, Ursula von der Leyen, descreveu o impacto da pandemia de coronavírus no continente, em discurso na semana passada.
Em vez de “todos por um”, o bloco criado em 1951 para potencializar recursos aderiu ao “cada um por si”, e a Europa saiu do mês de março completamente diferente do que entrou.
No final de fevereiro, quando o norte da Itália soou o alarme e fechou 11 cidades da região da Lombardia, a reação dos vizinhos foi coordenada. Reunidas, França, Alemanha, Áustria, Suíça, Eslovênia e Croácia descartaram fechar fronteiras.
Evitavam esburacar o espaço Schengen, território de 26 países em que o trânsito de cidadãos é livre. Passaportes tiveram que sair da gaveta no começo de março, porém.
No dia 9, a Itália decretou quarentena para combater uma crise sanitária já fora de controle, e um a um, países foram fechando suas portas —primeiro aos italianos, depois aos espanhóis, aos não europeus, aos não residentes e, finalmente, em alguns casos, a qualquer estrangeiro.
Governos como os da Polônia e da Hungria barraram a passagem até de médicos, enfermeiros e motoristas de caminhão.
Com o abastecimento de comida e remédios em risco, a Comissão Europeia mandou abrir à força uma “linha verde” para o transporte de carga —nesta terça, anunciou que congestionamentos de 30 km se reduziram a 3 km.
Mas não havia o que comemorar quando o espaço Schengen completou 25 anos, na quinta passada: todos os países signatários do acordo tinham restrições à entrada, alguns involuntariamente, como Liechtenstein, emparedado entre a Suíça e a Áustria, e Luxemburgo (onde fica a cidade de Schengen), ilhado por Bélgica, França e Alemanha.
E a desunião europeia não parou nas fronteiras. Chegou também ao mercado comum, com governos proibindo a exportação de material médico e impulsionando a proteção a produtos nacionais.
Na França, o ministro das Finanças, Bruno Le Maire, e o da Agricultura, Didier Guillaume, pediram ao país “um gesto de patriotismo alimentar”: “Comprem alimentos franceses”.
Em resposta, a rede Carrefour anunciou que só colocaria nas gôndolas frutas e legumes estrangeiros se não houvesse alternativa nacional.
Nesta segunda-feira (30), foi a vez de liberdade política e de imprensa apresentarem sintomas preocupantes. O premiê da Hungria, Viktor Orbán, obteve poder para governar por decreto por tempo indeterminado, contrariando posicionamento da Comissão Europeia.
O bloco convocou uma reunião para analisar medidas de emergência, nesta quarta (1º), mas evitar uma guinada nacionalista passa também por cuidados intensivos com os danos econômicos da crise.
Um debate sobre como financiar a recuperação dos países europeus azedou na última quinta (26), após seis horas de reunião entre líderes dos 27 membros da UE. A questão foi polarizada por dois grupos: os Nove e os 4 Frugais.
O primeiro (formado por Bélgica, França, Grécia, Irlanda, Luxemburgo, Portugal, Eslovênia, Espanha e Itália, que lidera o grupo) argumenta que esta é uma crise diferente da financeira, atravessada em 2010-2012, ou da de imigração, em 2015-2016, porque atinge a todos igualmente.
É o que chamam de uma “emergência horizontal”, pela qual ninguém é mais ou menos responsável.
Para enfrentar um tombo que será feio —previsões recentes falam em recessão de 4,5% em 2020—, defendem uma emissão conjunta de dívida (títulos já batizados de “coronabonds”), que daria a todos as mesmas condições de acesso ao mercado.
A proposta é rejeitada pelos Frugais (Holanda, Áustria, Dinamarca e Suécia, com apoio de Alemanha e Finlândia), posição criticada abertamente por governantes e veladamente pela UE, em comentários sobre “falta de solidariedade”.
Por trás da questão econômica, está o risco político de fornecer combustível para a retórica nacionalista e populista, cada vez mais estridente no continente.
“Se não concordarmos agora com uma resposta poderosa e eficaz para a crise econômica, seu impacto será mais devastador, seus efeitos mais duradouros, e isso colocará em risco todo o projeto europeu”, disse o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, em comunicado na TV neste final de semana.
O diretor de Programas do Centro de Estratégias Liberais, Daniel Smilov, concorda. “A Europa precisa encontrar uma resposta que pareça justa a seus cidadãos. Se egoísmo nacional vencer, será um desastre”, escreveu o professor da Universidade de Sofia.
A um plenário do Parlamento Europeu vazio, com eurodeputados em trabalho remoto, a presidente da Comissão Europeia avisou: “As pessoas se perguntam se terão um emprego para voltar, o que será de sua empresa, de sua poupança ou sua dívida. Sabem que é preciso tomar decisões duras. Mas vão se lembrar de quem as apoiou e quem se omitiu”.
O cerne da questão, para Von der Leyen, é que haverá um amanhã, e ele depende das decisões tomadas agora.