Setor de tecnologia da China começa a sentir efeitos de restrições americanas

O setor de tecnologia da China vem sentindo o impacto das grandes restrições às exportações americanas ao país anunciadas em 2022 para conter as ambições de Pequim em indústrias de ponta, como as de inteligência artificial (IA) e de supercomputadores. 

As importações de semicondutores pela China têm apresentado queda. Empresas chinesas relatam dificuldades para obter maquinário e componentes essenciais. Além disso, chips que foram redimensionados para ficar menos potentes e não entrar no alvo das sanções dos EUA agora estão sob risco de sofrer mais restrições. 

Os sinais de tensão mostram que a política iniciada há nove meses por Washington, para privar Pequim do acesso aos semicondutores mais avançados e às ferramentas para produzi-los, começa a surtir efeito, apesar de brechas e soluções alternativas que permitem a continuidade do fluxo de alguns componentes-chave. 

As restrições também colocam em evidência os obstáculos enfrentados pela China para desenvolver alternativas locais a algumas das tecnologias de semicondutores estrangeiras mais cobiçadas. “Os controles parecem estar tornando mais difícil e mais caro para a China obter certos insumos”, disse Emily Benson, pesquisadora de tecnologia e comércio exterior no Center for Strategic and International Studies (CSIS). 

Dados alfandegários divulgados por Pequim em julho chamaram a atenção para a realidade enfrentada pelos compradores chineses de chips de alto desempenho: nos primeiros seis meses de 2023, em termos de valor, as importações de semicondutores caíram 22% em comparação ao mesmo período do ano anterior. As importações de equipamentos para a fabricação de chips diminuíram 23%, somando- se à queda já registrada em 2022. 

Os principais países onde há produção de chips responderam pela maior parte da queda nas importações de semicondutores pela China. Taiwan, sede da Taiwan Semiconductor Manufacturing Co., maior fabricante de chips do mundo, representou cerca de 40% da queda nos primeiros cinco meses do ano. A Coreia do Sul, sede da Samsung, SK Hynix e outras gigantes de chips, foi responsável por mais de 30% da queda. 

As restrições dos EUA incluem as exportações à China feitas por empresas estrangeiras que usam maquinário americano de fabricação de chips – o que abarca praticamente todas as empresas. 

Provavelmente, também há outros fatores influenciando a queda nas importações de semicondutores. A economia da China está em desaceleração em razão da demanda mundial mais fraca. Além disso, Pequim investiu alto em indústrias de tecnologia local, em busca de uma maior autossuficiência, embora isso leve tempo para dar frutos. Até lá, a China não terá a capacidade de produzir os chips mais avançados, uma vez que elementos-chave de sua cadeia produtiva são controlados pelos EUA e seus aliados. 

Em 23 de julho, o Japão restringiu a exportação de equipamentos cruciais para a fabricação de semicondutores, depois de medidas similares anunciadas pela Holanda. Os dois países, com os EUA, são os únicos fabricantes de algumas máquinas essenciais para a produção dos chips mais avançados. 

Sem ter acesso aos chips mais modernos, as empresas chinesas de IA correm o risco de ficar para trás em um setor no qual Pequim havia anunciado pretensões de chegar a 2030 como líder mundial. Por sua vez, sem impedimentos, gigantes tecnológicas americanas, como Microsoft, Google e Amazon, vêm despejando bilhões em plataformas de IA. 

Outras empresas chinesas também enfrentam desafios para obter peças. Em Xangai, uma importante fabricante de ferramentas informou que agora precisa solicitar licenças por meio de seus fornecedores dos EUA para obter certos componentes. O procedimento pode levar meses e não há garantia de recebimento, segundo um funcionário da empresa. 

As regras americanas de restrição incluíram limites à potência de certos processadores usados em sistemas de IA e supercomputadores, além de restrições aos tipos de máquinas, componentes e softwares de fabricação de chips que podem ser vendidos à China. 

Embora vender chips e ferramentas de ponta para compradores chineses possa não ser mais uma opção, algumas empresas ocidentais se beneficiam da aceleração da capacidade local da indústria de chips chinesa. A ASML, fabricante holandesa de máquinas essenciais para a fabricação de chips, registrou um aumento de 27% na receita do segundo trimestre, impulsionado em parte pelas vendas à China, seu terceiro maior mercado durante o período. 

O executivo-chefe da ASML, Peter Wennink, disse que a demanda chinesa por máquinas menos avançadas, não afetadas pelas sanções, se mostra “muito sustentável pelos próximos anos”. 

Pelo menos duas gigantes de chips dos EUA adaptaram as especificações de seus produtos para atender aos limites das restrições à exportação. Em 2022, a Nvidia lançou uma versão menos avançada de um chip de IA de alto padrão para o mercado chinês. No início de julho, executivos da Intel disseram que a empresa estava lançando uma versão modificada de seu chip de IA para o mercado chinês. 

O governo Biden cogita novas restrições, incluindo aplicar mais empecilhos à exportação à China de chips usados em IA, noticiou o “The Wall Street Journal”. “Se os controles continuarão a ser bem- sucedidos ou se, sem querer, acelerarão os esforços de nacionalização chinesa” ainda está por descobrir-se, disse Benson, do CSIS. 

Em 3 de julho, a China anunciou limitações à exportação de gálio e germânio, usados na produção de alguns semicondutores avançados. Recentemente, o embaixador da China nos EUA, Xie Feng, ameaçou tomar mais ações retaliatórias e disse que Pequim “não recuará ante provocações”. 

“É como, numa competição de natação, restringir o outro lado de usar maiôs ultrapassados, enquanto você usa um Speedo Fastskin”, disse Xie, referindo-se aos modelos que a marca considera seus supermaiôs. “Não é justo.” 

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2023/08/03/setor-de-tecnologia-da-china-comeca-a-sentir-efeitos-de-restricoes-americanas.ghtml

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