Sem jovens, futuro do Facebook é incerto

Há quase dez anos, o Facebook se aflige com um problema existencial: não consegue mais atrair jovens usuários nos Estados Unidos (EUA). Documentos internos da empresa mostram um quadro que levanta sérias dúvidas sobre o futuro 

da companhia. O número de usuários nos EUA com menos de 30 anos está em declínio e o Instagram, que vinha sendo um fenômeno popular desde sua compra pelo Facebook em 2012 por US$ 1 bilhão, parece estar chegando a seu teto de crescimento entre os usuários jovens em mercados importantes. 

Agora, uma das soluções da empresa para seus problemas de crescimento – encorajar os usuários a abrir diversas contas – vem causando dores de cabeça técnicas, jurídicas e reputacionais. 

Em particular, o Facebook parece ter dificuldade para calcular precisamente quantos usuários reais seus serviços têm. Isso causa problemas para seus negócios publicitários, principal motor da receita da empresa, que subiu 56% no trimestre passado, para US$ 29,1 bilhões. 

O problema foi trazido à tona por documentos revelados por Frances Haugen, ex- funcionária do Facebook, ao Congresso e a autoridades reguladoras – que chegaram de forma resumida a alguns veículos da imprensa, incluindo o “Financial Times” -, e por outros documentos judiciais e de reguladores. 

Um estudo interno de 2021 com 5 mil novos usuários detectou que entre 40% e 60% das novas contas são abertas por usuários que já têm uma conta no Facebook, um proporção enorme para uma plataforma que originalmente se propunha a representar a identidade on-line real de uma pessoa. Também mostrou que essa porcentagem das contas duplicadas pode até estar sendo subestimada pelo Facebook. 

Outra análise revelou que hoje há mais contas nos EUA no nome de pessoas de 18 a 30 anos registradas no aplicativo do que o número real de pessoas nessa faixa demográfica, descrevendo o problema como um “elefante na sala”. Essa discrepância pode ter um efeito em cadeia em outras métricas relacionadas, tornando-as menos confiáveis. 

A confiabilidade das estatísticas do Facebook tem gerado pressões de muitos profissionais do marketing para que a companhia abra suas plataformas à verificação por terceiros. 

O Facebook divulgou que no terceiro trimestre teve 2,9 bilhões de usuários mensais no mundo e que houve aumento de 7% nos usuários, na comparação anual. A companhia não divulga o número de contas duplicadas desses números trimestrais, apenas uma contagem na documentação anual que envia aos reguladores. Em 2020, a companhia estimou que 11% dos usuários ativos mensais eram de contas duplicadas. 

Muitas vezes, contas múltiplas são criadas porque um usuário não consegue mais acessar a que já tinha, um problema que o Facebook tenta resolver direcionando os usuários a reconfigurar suas senhas. 

Há memorandos, no entanto, mostrando que funcionários do Facebook e do Instagram também pressionam os usuários a abrir diversas contas, como parte de uma estratégia de crescimento. Análises internas, que datam desde 2018, sinalizaram que permitir aos usuários, particularmente os adolescentes, criar múltiplas identidades e perfis estimula o engajamento, um “grande crescimento e aumentos nos compartilhamentos”. 

Por exemplo, muitos usuários do Instagram têm uma conta privada e outra pública. A penetração de mercado na faixa dos adolescentes nos EUA e Reino Unido está em 108% e 132%, respectivamente, em razão das contas duplicadas, segundo um slide de uma apresentação publicada pelo “The Wall Street Journal”. 

As ações do Facebook tiveram desvalorização de 9% desde que o “The Wall Street Journal” começou a publicar as revelações dos documentos obtidos por Haugen. 

“Não é revelação [alguma] que estudamos as contas duplicadas, e esse instantâneo fotográfico de uma informação não conta a história toda”, diz Joe Osborne, porta-voz do Facebook. “Nada nessa história altera a estimativa de contas duplicadas que revelamos em nossa documentação pública, que inclui novos usuários, nem [o fato de] que fornecemos o contexto em nossos produtos de anúncios, interfaces de anúncios, em nossas centrais de ajuda e em outros lugares.” 

Não está claro quanto o Facebook ainda pode crescer, em especial, no Ocidente, e uma acusação formal encaminhada por Haugen à Securities and Exchange Commission (SEC, a Comissão de Valores Mobiliários dos EUA) sustenta que a empresa vem escondendo dos investidores a escala do problema. 

Segundo um documento de março de 2021, citado na queixa feita por Haugen na SEC, os números de usuários diários do Facebook nos EUA na faixa de jovens adultos (18 a 29 anos) e na de adolescentes caíram, respectivamente, 2% e 13% nos últimos dois anos. Para 2023, a empresa projeta declínios de 4% e 45%, respectivamente. 

No Instagram, por sua vez, os usuários jovens vêm passando menos tempo no aplicativo e produzindo menos conteúdo. A maior ameaça atual parece ser o TikTok, o aplicativo de compartilhamento de vídeos. Os usuários passam entre duas e três vezes mais tempo no TikTok do que no Instagram, segundo estimativas de analistas que constam de um documento de 2021, noticiado pelo “The Wall Street Journal”. 

“O Facebook é irrelevante para os adolescentes, isso simplesmente é um fato”, disse um ex-funcionário sênior, que trabalhou nos planos da empresa para atrair um público mais jovem. “O Instagram é a rampa de acesso para os usuários mais jovens – e isso está se tornando cada vez mais ameaçado pelo TikTok. É uma ameaça existencial para o Facebook.” 

Haugen também argumentou na queixa enviada à SEC que a inclusão de contas duplicadas nos números do Facebook não apenas mascarou um declínio no total de usuários, mas também fez com que a empresa cobrasse dobrado de alguns anunciantes em certos casos. Um estudo de 2018 mostrou que, pelas próprias estimativas do Facebook, se contas duplicadas fossem removidas, a audiência teria sido mais de 10% menor para quase 20% dos anunciantes que fazem grandes campanhas de anúncios. 

“É razoável supor que a SEC investigará se o Facebook cometeu alguma omissão ou deturpação material em suas declarações públicas, inclusive nos registros enviados à SEC”, disse Joseph Grundfest, professor de direito em Stanford e ex-comissário da SEC. Ele disse que o órgão regulador poderia considerar, por exemplo, se ter deixado de relatar contas duplicadas trimestralmente configura uma falha “material”. 

O Facebook também é alvo de uma ação coletiva na Califórnia que acusa a empresa de ter exagerado deliberadamente seu público potencial para os profissionais de marketing, ao incluir contas duplicadas, e de não ter divulgado isso para “preservar seu lucro”. 

Documentos mostram que funcionários, incluindo executivos, levantaram preocupações internamente. “[A empresa está gerando] receitas que nunca deveríamos ter obtido”, chegou a dizer um deles. 

O Facebook nega com veemência as acusações e argumenta que o número sobre “alcance potencial” que divulga para os anunciantes é apenas uma estimativa. Segundo a companhia, os anunciantes não pagam por isso, mas pelos cliques e pela impressão dos anúncios. 

Em um e-mail revelado nos documentos judiciais, citando estudos anteriores, um funcionário do Facebook escreveu que a receita da empresa dependia dessa estimativa de alcance para quase 10% das receitas nos casos em que as marcas pagam para impulsionar as postagens. Mas em um registro separado apresentado em apoio ao Facebook, outro funcionário contestou isso, dizendo que eles não haviam encontrado esses estudos relevantes. 

Não é a primeira vez que as métricas do Facebook são expostas em tribunais. Em 2016, o Facebook chegou a acordo para pagar US$ 40 milhões a alguns profissionais de marketing, admitindo ter calculado mal o tempo médio de exibição de alguns anúncios em vídeo. Em alguns casos, argumentaram os requerentes, o tempo médio de exibição foi inflado em até 900%. 

“Fazemos uma ampla divulgação, em nossos registros enviados à SEC, sobre os desafios que enfrentamos, incluindo o engajamento dos usuários [e] a estimativa de contas duplicadas e falsas”, disse Osborne, do Facebook. “Temos confiança de que nossas divulgações dão aos investidores as informações que precisam para que tomem decisões estando [bem] informados”.  (Hanna Murphy.  Financial Times) 

https://valor.globo.com/empresas/noticia/2021/10/25/sem-jovens-futuro-do-facebook-e-incerto.ghtml

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