Reconhecer independência eleva risco de guerra

Financial Times; O reconhecimento da independência de duas regiões separatistas apoiadas por Moscou no leste da Ucrânia deve elevar drasticamente o risco de uma guerra em grande escala.  A decisão veio após apelos dos líderes das autoproclamadas Repúblicas Populares de Donetsk e de Luhansk para que Putin os reconhecesse como países independentes e os proteja do que do que dizem ser um plano de ofensiva da Ucrânia para retomar os territórios. A Ucrânia negou isso e disse que a Rússia tenta usar a alegação como pretexto para uma invasão.

Mais de 14.000 pessoas morreram no conflito no leste da Ucrânia desde que Moscou anexou a península da Crimeia, em 2014. A Ucrânia e os países ocidentais disseram que há evidências de que a Rússia fornece armas e combatentes para alimentar a guerra separatista, o que Moscou nega.

O que são as repúblicas populares de Donetsk e Luhansk? 

Quase totalmente dependentes do apoio do Kremlin, as Repúblicas Populares de Donetsk e de Luhansk declararam independência de Kiev em abril de 2014, depois que milícias apoiadas pela Rússia tomaram o controle de sedes do governo local após a invasão da Crimeia por Moscou. Os territórios fazem fronteira com a Rússia ao leste da Ucrânia. Grande parte da população da região, de mais de 3 milhões de pessoas, fala a língua russa. A área recebeu muita ajuda financeira, humanitária e militar do Kremlin. O apoio de Moscou veio depois que o movimento ucraniano pró- Ocidente derrubou o presidente pró-Rússia da Ucrânia, em fevereiro de 2014. 

Pelos acordos de Minsk, negociação de paz mediada por França e Alemanha, um cessar-fogo deixou os separatistas no controle de fato de cerca de um terço das províncias ucranianas de Donetsk e Luhansk, com uma linha de controle pesadamente fortificada separando-os das tropas ucranianas. 

A Ucrânia descreve as regiões como “territórios temporariamente ocupados”, e o acordo de Minsk prevê seu eventual retorno a Kiev. Mas tanto a Ucrânia quanto a Rússia falharam em implementar os termos dos acordos, deixando o status dos territórios no limbo. 

Ao mesmo tempo, a Rússia passou os últimos oito anos aumentando sua influência na região. Deu passaportes e cidadania russa para cerca de 800 mil cidadãos locais, disseram ontem autoridades russas, enfatizando a necessidade do Kremlin de protegê-los. 

Por que seu reconhecimento por Moscou seria importante? 

No passado, Moscou recuou do reconhecimento, preferindo exercer controle indireto e usar os territórios como ponta de lança em sua disputa mais ampla com a Ucrânia e o Ocidente. O reconhecimento deverá trazer dois grandes resultados iniciais. Primeiro, o colapso do acordo de Minsk e das esperanças de resolver o status da região numa solução diplomática para o conflito na Ucrânia. 

Em segundo lugar, dá à Rússia uma justificativa para enviar tropas e equipamentos militares russos aos territórios. Isso provavelmente elevará o risco de um conflito total entre Moscou e Kiev ao longo de uma linha de frente já ativa. 

Um problema maior é que as duas “repúblicas” reivindicam todos os distritos em torno das cidades de Luhansk e Donetsk, parte dos quais são controlados pela Ucrânia. Não ficou claro se o reconhecimento de Moscou abrange só a área controlada atualmente pelos separatistas ou todo o território das duas regiões. 

Porque isto ocorre agora? 

Após uma grande escalada militar russa perto das fronteiras da Ucrânia, governos ocidentais alertaram por semanas que Donetsk e Luhansk poderiam ser usados para criar um pretexto para a guerra, seja provocando uma resposta de Kiev ou pela encenação de um ataque forjado, pelo qual a Rússia culparia a Ucrânia. A Rússia negou ter planos de invasão, mas insistiu que o Ocidente concordasse com uma série de garantias de segurança, como barrar a Ucrânia de se juntar à Otan (a aliança militar ocidental) e retirar as tropas da Otan de países da aliança próximos à Rússia.  

Moscou já viu as duas regiões separatistas como moeda de troca. A Rússia exigia que seu retorno à Ucrânia viesse com o veto sobre as principais decisões de política externa do país, principalmente a solicitação de Kiev de ingressar na Otan. Seu reconhecimento por Putin agora, depois que a Rússia optou por não fazê-lo no passado, eleva assim o risco de conflito. 

O que isso significa para os esforços diplomáticos para evitar a guerra entre a Rússia e a Ucrânia? 

A medida sugere que Putin desistiu dos esforços diplomáticos para evitar um conflito na Ucrânia. O futuro das duas regiões separatistas é visto como crítico para qualquer solução negociada, e o reconhecimento da independência acaba com essa possibilidade. 

O ex-presidente russo Dmitri Medvedev deixou claro ontem que achava que a Rússia deveria prosseguir independentemente do risco de conflito e consequências. “Sabemos o que vai acontecer. Ouvimos todas as ideias de sanções [do Ocidente]. Mas sabemos como suportar essa pressão”, afirmou. 

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2022/02/22/reconhecer-independencia-eleva-risco-de-guerra.ghtml

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