Um dia, os smartphones como os conhecemos vão desaparecer. O som (ou vibração) das notificações constantes se tornará uma lembrança distante, do mesmo modo que aconteceu com os pagers e os aparelhos de fax. Pelo menos é o que acreditam diferentes especialistas da indústria tecnológica. Alguns apostam que isso ocorrerá em uma década e outros, em cinco anos, mas concordam que o caminho para a eventual substituição dos telefones inteligentes por outro tipo de tecnologia está sendo construído por gigantes como Microsoft, Amazon, Elon Musk e Facebook. Chama-se realidade aumentada.
A empresa de Mark Zuckerberg, sempre em competição direta com o Google e a Apple, tem especial interesse em criar um universo paralelo de experiências através de aplicativos e ferramentas que não necessitem do suporte de um smartphone, esse aparelho tão pequeno que pode ser levado a qualquer lugar e robusto o bastante para executar um número cada vez maior de tarefas diárias, como mostrou matéria assinada por Joana Oliveira, no site do El País, de 25/05.
Em abril passado, na conferência de desenvolvedores F8, o Facebook se perguntava: “E se fosse possível escrever diretamente com seu cérebro?”. É só uma das propostas para implementar seu plano de 10 anos: construir um mundo baseado na realidade aumentada, uma projeção virtual sobre o mundo real. Nesse mundo, as telas físicas são dispensáveis. Para ver um filme ou uma série, basta projetar uma tela virtual maior que qualquer televisão disponível no mercado. Foi o que fez Zuckerberg no palco do Vale do Silício ao apresentar um protótipo de óculos de realidade aumentada.
A Microsoft também aposta que o futuro está nos óculos. Em 2015, a empresa apresentou o Hololens, um aparelho com sistema holográfico que combina elementos do mundo físico com cenários virtuais e permite, por exemplo, tanto fazer uma videoconferência, como tomar um café com o interlocutor através de hologramas. “Dentro de um sistema como esse, não é preciso ter um smartphone, pode simular um e pronto”, comenta Mar González, pesquisadora da Microsoft Research.
Aldis Sipolins, diretor de Realidade Virtual nos laboratórios da IBM, diz que as aplicações dessa tecnologia são “infinitas”. O que a realidade aumentada faz, segundo ele, é “oferecer informação de maneira não intrusiva”. Por exemplo, um motorista que precisa de indicações do caminho não precisaria tirar os olhos da estrada para receber a informação que hoje consultaria no telefone. Ou um médico não teria que olhar diferentes telas para ler os sensores durante uma cirurgia: todos os dados seriam projetados diante de seus olhos. “Não estamos falando da próxima plataforma da moda. Esta é a plataforma definitiva”, afirma Sipolins.
A Apple prefere não comentar, por enquanto, a possível ameaça ao futuro do iPhone e dos dispositivos influenciados por ele – a empresa não respondeu às perguntas do EL PAÍS –, mas os especialistas dizem que a empresa está trabalhando em um aplicativo de câmara integrada com realidade virtual para os próximos celulares. Nessa mesma linha, o último lançamento da Samsung, o Galaxy S8, vem equipado com o Bixby, um assistente virtual que promete ao usuário, um dia, poder controlar tudo simplesmente através de sua voz. E fontes do Google – cuja mais recente aposta na realidade aumentada é o Projeto Tango, um sistema que transforma o celular em um visor 3D do mundo – afirmaram ao EL PAÍS que estão colaborando com a Huawei, a Asus e a Motorola para criar “experiências de imersão através dos telefones celulares”.
Para Allen Yang, diretor do Centro de Cognição Aumentada da Universidade de Berkeley (Califórnia), esses são os indícios de que já começou a luta dos telefones inteligentes por sua sobrevivência. “Trata-se de mais uma etapa do processo de renovação econômica da indústria tecnológica. O smartphone perdurará nos próximos anos combinado com a realidade aumentada, como um subconjunto dessa tecnologia. Por outro lado, quem quiser desenvolver novos produtos tecnológicos terá necessariamente de trabalhar com a indústria de telefonia móvel. E precisará criar outro aparelho sem o qual as pessoas não consigam viver”, afirma.
E que aparelho substituirá os celulares? Yang não sabe ao certo qual será o formato do dispositivo do futuro, mas não tem dúvida de que precisará combinar uma alta capacidade ótica com tecnologias de comunicação e características de um wearable. “Tem que ser algo cômodo. Os óculos como Hololens ainda não são. As pessoas usam durante cinco minutos e depois deixam de lado”, diz. Alan Craig, diretor do Instituto de Computação em Humanidades, Artes e Ciências Sociais da Universidade de Illinois, toma partido das lentes de contato que não só mudam o entorno físico, como também projetam os pensamentos do usuário. “Hoje em dia as pessoas gastam muito dinheiro justamente para não ter que usar óculos”, justifica.
Os especialistas assinalam, entretanto, que o grande desafio da tecnologia que pretende substituir os telefones inteligentes é alcançar a distribuição maciça, devido ao custo elevado. O kit Hololens, por exemplo, custa 3.000 dólares (quase 10.000 reais), mas a Microsoft afirma que está trabalhando com colaboradores para colocar no mercado dispositivos de realidade aumentada por cerca de 300 dólares.
Tanto os especialistas como os desenvolvedores da indústria tecnológica têm consciência de que o que parece ser o início do fim da era do smartphone soa a ficção científica. Alertam, entretanto, que se pode ir ainda mais à frente. “A realidade virtual é a única plataforma que já permite projetar informação no espaço físico. O próximo passo estará em áreas como a bioengenharia, que aproximará cada vez mais a informação dos nossos cérebros”, comenta Yang. Elon Musk, dono da Tesla e da SpaceX, deu o primeiro passo nessa direção ao apresentar, em março, a Neuralink, start-up que pretende combinar os computadores com o cérebro humano por meio de uma medula eletrônica, como um chip, para controlar as máquinas feitas com inteligência artificial.
“Se você parar para pensar, um smartphone é simplesmente um computador que faz chamadas. É fácil acreditar que será substituído pela realidade virtual, muito mais completa”, diz Craig, convecido de que essa transição mudará o modo de vida atual. “Estamos perto de uma mudança tão importante como a gênese da internet”.