Pós Brexit, moda pede socorro no Reino Unido

O primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, foi advertido de que o setor de moda e de produtos têxteis do país, que movimenta 35 bilhões de libras, corre o risco de “aniquilamento” como resultado dos trâmites burocráticos e restrições de viagens criados pelo novo acordo comercial pós-Brexit com a União Europeia. 

Em uma carta aberta ao primeiro-ministro, dirigentes da indústria da moda, executivos-chefes e ícones como as modelos Twiggy e Yasmin Le Bon disseram que o Brexit estrangula as complexas cadeias internacionais de fornecimento e os relacionamentos que sustentam o setor. 

“O acordo feito com a UE [deixou] uma grande lacuna onde deveria estar a prometida livre circulação de bens e serviços para todos os setores criativos, incluindo o de moda e têxteis”, escreveram eles na carta, que foi coordenada pelo Fashion Roundtable, um fórum da área. 

As preocupações seguem a mesma linha das que foram levantadas há pouco tempo pela indústria da música sobre a necessidade de obter permissões de trabalho para cada Estado membro da UE e sobre a papelada necessária para movimentar produtos e equipamentos, e pedem medidas urgentes ao governo. 

O setor, que emprega quase 900 mil pessoas, de acordo com uma pesquisa da Oxford Economics, alertou no verão passado que a pandemia da covid-19 colocara 250 mil empregos em risco. 

Na semana passada, Samantha Cameron – cujo marido, David, então primeiro-ministro, convocou o referendo sobre o Brexit em 2016 -, afirmou que sua empresa de moda achava o comércio pós-Brexit com a UE “desafiador e difícil”. 

Segundo a carta aberta, muitas das 52 mil empresas menores que constituem a espinha dorsal do setor não têm como pagar pela ajuda profissional necessária para navegar pelos novos controles. E clientes dos dois lados do Canal da Mancha estão rejeitando compras por causa da cobrança imprevista de imposto sobre valor agregado (IVA) e outras tarifas. 

“Precisamos de uma revisão radical dos procedimentos alfandegários que incluem o IVA sobre todas as mercadorias enviadas para a UE até o fim de fevereiro, ou as marcas britânicas morrerão”, afirmou a estilista Katharine Hamnett, mais conhecida pelas camisetas com temas políticos e por sua defesa de práticas empresariais éticas.

Helen Brocklebank, executiva-chefe da Walpole, a associação representativa do setor britânico de artigos de luxo que tem entre seus membros as grifes Alexander McQueen e Burberry, disse que o governo precisava simplificar o regime comercial pós-Brexit e impulsionar o turismo de compras de varejo. 

“Como 42% de todas as vendas de exportação de artigos de luxo britânicos são para a UE, os custos e encargos administrativos do comércio na Europa continental significam que muitos de nossos membros – e especialmente as pequenas e médias empresas – concluíram que simplesmente não podem mais continuar a vender para esses países”, acrescentou ela. 

Isabel Ettedgui, executiva-chefe da Connolly, a marca de moda de Savile Row que vende caxemira escocesa e fabrica artigos de couro na Espanha, disse que as ramificações financeiras do Brexit podem afetar sua sobrevivência. “O resultado pode ser o possível fechamento de uma empresa de 185 anos que detém o Royal Warrant (certificado de que uma empresa é fornecedora de produtos ou serviços para a família real britânica]”, disse ela. 

Entre os signatários da carta estão Nick Knight, o fotógrafo de moda; Jefferson Hack, do Dazed Media Group; John Horner, executivo-chefe da agência Models 1 e diretor da British Fashion Models Association; Sam McKnight, o cabeleireiro que trabalhou com a princesa Diana; a estilista Roksanda Ilincic, que é sérvia, mas vive em Londres, e cujos vestidos são usados pela duquesa de Cambridge e por Michelle Obama; Laura Bailey, a modelo e editora colaboradora da “Vogue”; e Andrea Thompson, editora-chefe da revista “Marie Claire”. 

Os mais de 400 signatários exigem “medidas urgentes” do governo para proteger um setor que é extremamente fragmentado, mas cujo valor é estimado em 1,6% do Produto Interno Bruto (PIB) do Reino Unido, de acordo com pesquisa da Oxford Economics para o British Fashion Council no ano passado. Em comparação, o setor alemão de moda representa 0,8% do PIB. 

A Fashion Roundtable reivindica, entre outras coisas, que o governo acrescente imediatamente os trabalhadores do setor de confecções à lista de “ocupações em escassez”, que têm mais facilidades na obtenção de vistos de trabalho, para ajudar a preencher milhares de vagas em fábricas de roupas do Reino Unido. Também cobra isenções fiscais para encorajar práticas sustentáveis e negociações para viagens de integrantes dos setores criativos britânicos e seus equipamentos a países da UE sem burocracia. 

O grupo também renovou os apelos ao governo para que volte atrás na decisão de acabar com o Esquema de Exportação de Varejo (Retail Export Scheme), que permitia a visitantes estrangeiros recuperarem 20% do IVA pago em suas compras e foi encerrado em 1o de janeiro. 

O gabinete do primeiro-ministro informou que tem trabalhado em estreita colaboração com as empresas da indústria da moda para se ajustar ao novo ambiente comercial e está ciente de que algumas empresas enfrentam dificuldades. 

“Temos operado linhas de apoio à exportação, realizado webinars com especialistas em políticas e oferecido apoio às empresas por meio de nossa rede de 300 consultores de comércio internacional”, disse um porta-voz. “Isso se soma aos milhões que investimos para expandir o setor de despachantes alfandegários.” 

https://valor.globo.com/empresas/noticia/2021/02/02/a-moda-pede-socorro-no-reino-unido.ghtml

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