Por que o preço do petróleo caiu mesmo com restrições à Rússia

Financial Times; Esta semana marcou um momento de virada na geopolítica mundial, com a entrada em vigor de um embargo europeu e de um limite de preços imposto pelo G7 ao petróleo bruto russo.

A Rússia, diante da humilhação de ver as potências ocidentais ditarem o preço que pode cobrar por seu petróleo, ameaçou suspender as exportações para qualquer país que adote o limite de preço. Em poucas horas, as interrupções no suprimento já eram visíveis, com um acúmulo de petroleiros em fila à espera no Estreito de Bósforo.

Tudo isso normalmente teria causado uma alta nos preços do petróleo, especialmente porque há apenas algumas semanas o cartel Opep+ surpreendeu o mercado ao anunciar novos cortes profundos de produção. No entanto, na quinta-feira, o petróleo padrão Brent, a referência internacional para a commodity, chegou à marca de US$ 76,15 por barril, sua cotação mais baixa em 2022. O que está acontecendo?

O FORNECIMENTO RUSSO CONTINUA ROBUSTO

A proibição europeia à importação de petróleo bruto da Rússia, maior exportadora mundial de petróleo, é uma sanção genuína, com o objetivo de forçar Moscou a redirecionar os suprimentos e desmontar a percepção negativa que surge quando os aliados da Ucrânia dilacerada pela guerra canalizam petrodólares para o presidente Vladimir Putin.

Mas o objetivo do plano de limitação de preços do G7 é aliviar a situação.

Quando a União Europeia anunciou que imporia sanções a qualquer petroleiro que transportasse petróleo bruto russo, mesmo a navios navegando em águas asiáticas, surgiu em algumas capitais ocidentais a preocupação de que essa medida causasse um colapso nas exportações russas e um aumento nos preços do petróleo. Os políticos ocidentais teriam de arcar com o ônus de uma inflação ainda mais alta, e Putin poderia arrecadar ainda mais dinheiro com o petróleo.

No entanto, o limite de preços pretende manter o fluxo de petróleo russo para os compradores e evitar que os custos do petróleo disparem ainda mais. Outras medidas ligadas à limitação de preço também foram atenuadas, o que dá aos operadores alguma segurança de que os fluxos continuarão sem grandes alterações.

Os Estados Unidos persuadiram a União Europeia, por exemplo, a abandonar uma cláusula em suas sanções que teria proibido permanentemente os navios punidos de receber serviços marítimos na Europa, se violassem o limite de preços. A punição foi atenuada para uma suspensão por 90 dias.

O limite, fixado em US$ 60 por barril, foi projetado “para garantir que um aumento brusco do preço não seja usado para dividir a aliança e enfraquecer a capacidade de apoiar a Ucrânia [e] para garantir que não haja um aumento da renda do agressor que possa bancar a continuação da agressão”, disse Amos Hochstein, conselheiro sênior presidente americano Joe Biden para questões de energia.

O presidente Vladimir Putin declarou na sexta-feira que o limite de preço correspondia ao valor pelo qual a Rússia já estava vendendo seu petróleo, dando a entender que a medida teria um impacto limitado sobre o orçamento russo. “Não sofreremos perdas em circunstância alguma”, ele disse. No entanto, “se necessário”, a Rússia ainda pode optar por desestabilizar o mercado de petróleo em resposta, por meio de cortes de produção, ele acrescentou.

A Rússia se recusou a negociar com qualquer comprador que deseje utilizar o limite de preço, mas as autoridades ocidentais dizem que o nível de US$ 60 ainda assim está ajudando as refinarias asiáticas a negociar preços mais baixos.

A variante Urais –a principal variedade de petróleo russa— estava sendo negociada a cerca de US$ 53 por barril na tarde de sexta-feira, de acordo com dados da Reuters.

“O suprimento russo continua tão alto no mercado quanto em qualquer ponto do ano”, disse Florian Thaler, chefe da OilX, que acompanha os movimentos do mercado mundial de petróleo. Qualquer queda só seria visível mais tarde, no primeiro trimestre de 2023, ele acrescentou.

OS CORTES PROFUNDOS DA OPEP+ NÃO SÃO TÃO PROFUNDOS

Em outubro, quando a Arábia Saudita, Rússia e outros aliados da Opep+ anunciaram um corte de dois milhões de barris por dia em suas cotas de produção –o equivalente, em tese, a cerca de 2% do suprimento mundial—, a reação do Ocidente foi rápida. A Casa Branca deu a entender que Riad tinha se alinhado com a Rússia em uma guerra mundial de energia. A AIE (Agência Internacional de Energia) acusou o cartel de colocar em perigo a economia mundial.

Mas embora a inflação puxada pelos preços da energia continue a ser um problema nas economias ocidentais, as cinco últimas semanas indicam que a ação da Opep+ foi relativamente astuta.

Os preços do petróleo não subiram, mas sim caíram, o que alimentou o argumento do ministro saudita da Energia, príncipe Príncipe Abdulaziz bin Salman, de que, diante de uma economia mundial que está enfraquecendo, cortes preventivos eram necessários para impedir uma queda acentuada do mercado. A Opep+ manteve suas cotas de produção em sua reunião do domingo passado.

Os cortes reais feitos pela Opep+ também foram menores do que o número básico anunciado em Viena, em parte porque alguns produtores, como Angola e Nigéria, já estavam lutando para atingir suas cotas. Em vez de reduzir a produção em dois milhões de barris diários, o total do corte está mais perto de um milhão de barris ao dia, dizem os analistas —ainda substancial, mas não o suficiente para movimentar o mercado na direção de uma alta.

RECEIOS QUANTO À PROCURA SUPERAM AS PREOCUPAÇÕES QUANTO À OFERTA

Depois de meses de preocupação sobre as interrupções de suprimento, os operadores agora estão concentrados nos temores de recessão mundial, à medida que as consequências da invasão russa à Ucrânia e da guerra energética contra a União Europeia se espalham e os bancos centrais correm a aumentar as taxas de juros a fim de deter a inflação descontrolada.

Os bancos de Wall Street vêm fazendo projeções cautelosas sobre a economia em 2023. “Quando converso com clientes, eles parecem extremamente cautelosos”, disse David Solomon, presidente-executivo do Goldman Sachs, esta semana. “Muitos presidentes de empresas estão observando os números e esperando para ver o que acontece”.

O sentimento de pessimismo é perceptível na virada do mercado petroleiro da “backwardation” —uma estrutura de mercado na qual os preços spot são mais altos do que os preços dos contratos futuros de petróleo— para seu inverso, o “contango”.

Essa mudança sugere que os operadores percebem que o mercado está com excesso de suprimento, e a virada às vezes é vista como um indicador de expectativas de uma desaceleração econômica iminente.

As grandes preocupações do mercado petroleiro estão centradas na China e nos Estados Unidos, os dois maiores consumidores de energia do mundo. A política chinesa de “Covid zero” e o enfraquecimento da economia do país significam que o consumo total de petróleo da China este ano será inferior ao de 2021, de acordo com a AIE, a primeira contração anual do número neste século.

Embora a economia dos Estados Unidos talvez seja capaz de escapar de uma recessão, a sede de seus consumidores por petróleo também parece ter chegado a um pico. O consumo nesta temporada do ano só foi tão baixo quanto o de 2022 uma vez, nas duas últimas décadas —em 2020, quando surgiu a pandemia do coronavírus. A procura total por petróleo nos Estados Unidos ainda não voltou ao patamar anterior à Covid.

MAS OS PREÇOS AINDA PODEM SE RECUPERAR

O mercado petroleiro acredita que isso tudo aponte para uma baixa cíclica e duradoura dos preços do petróleo. Mas os otimistas do mercado estão confusos. Eles argumentam que anos de investimento insuficiente em produção acabarão por fazer efeito no mercado se a demanda continuar aumentando, mesmo que modestamente. O crescimento lento da produção do petróleo de xisto betuminoso nos Estados Unidos é outro risco. Qualquer declínio na oferta russa talvez se torne visível apenas no ano que vem, argumentam alguns analistas. E a demanda fraca na China não vai perdurar, eles dizem.

“Estamos basicamente passando de um crescimento zero da demanda por energia em 2022 [na China] para o equivalente a cerca de 3 milhões de barris diários de demanda adicional por todos os combustíveis, no ano que vem”, disse Dan Klein, da S&P Global Commodity Insights. “Vamos ver uma demanda muito maior por energia na China, no futuro”.

Enquanto isso, o governo dos Estados Unidos está encerrando um programa de vendas de petróleo de seu estoque de emergência que durou meses, e planeja começar a reabastecer o estoque se os preços do petróleo bruto americano caírem para US$ 70 por barril. O petróleo bruto padrão West Texas Intermediate estava cotado a US$ 71,46 na quinta-feira.

“Na margem, um operador que vendeu 200 milhões de barris em 2022 se tornaria um dos maiores compradores de petróleo em 2023”, disse Bill Smead, presidente da Smead Capital Management, se referindo ao volume de petróleo do estoque de emergência colocado no mercado este ano. “A História permitiria argumentaria que temos anos de preços mais altos para o petróleo e o gás natural à nossa espera”.

Tradução de Paulo Migliacci

https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2022/12/por-que-o-preco-do-petroleo-caiu-mesmo-com-restricoes-a-russia.shtml

Comentários estão desabilitados para essa publicação