Pequim segue com reformas apesar da desaceleração

A economia da China cresceu 4,9% no terceiro trimestre em comparação a igual período de 2020 e um anêmico 0,2% em relação ao segundo trimestre – um de seus desempenhos mais fracos em mais de dez anos. 

A desaceleração mais forte que o esperado pelos analistas reflete o impacto da crise de energia que levou ao racionamento em todo o país, elevou a inflação ao produtor para o seu nível mais alto desde 1995 e forçou o governo a aumentar a produção de carvão para geração de energia. A China também enfrentou surtos de covid-19 que levaram à imposição de restrições de viagens e lockdowns locais. 

Mas nada disso foi ruim o suficiente para dissuadir o presidente do país, Xi Jinping, de continuar com uma série de políticas que prioriza mudanças estruturais de longo prazo à custa do crescimento de curto prazo, no momento em que entra no ano final de seu segundo mandato no poder. 

As autoridades econômicas chinesas, na verdade, se sentem encorajadas pelo fato de a segunda maior economia do mundo ter se expandido 9,8% no acumulado dos três primeiros trimestres de 2021 ante igual período do ano passado – bem acima de sua meta de 6%. Como resultado, elas avaliam que há uma “janela de oportunidade” para fazer uma reengenharia do que consideram uma dependência excessiva da economia chinesa em relação aos investimentos no setor de construção, alimentados por dívidas, para gerar crescimento, segundo analistas. 

“A economia chinesa manteve o ímpeto de recuperação nos primeiros três trimestres, [juntamente] com o avanço do ajuste estrutural e um desenvolvimento de alta qualidade”, disse Fu Linghui, porta-voz da Agência Nacional de Estatísticas da China. 

O diretor de investimentos na região da Ásia-Pacífico na Fidelity International, Paras Anand, disse que “a única surpresa nos números do PIB da China foi não terem sido mais baixos”. “A economia viveu uma onda de aperto monetário, fiscal e regulador […] para reduzir os riscos de longo prazo e arrefecer a forte retomada vista desde o relaxamento das restrições relacionadas à covid-19 em 2020.” 

A determinação de Xi em manter o rumo foi sinalizada em duas ocasiões na sexta- feira, o último dia útil antes da divulgação dos dados oficiais do PIB ontem. 

A primeira foi quando o banco central da China, enfim, se pronunciou sobre a crise da dívida da Evergrande, uma das maiores incorporadoras imobiliárias do país. 

A segunda sinalização veio do próprio Xi, no principal jornal do Partido Comunista da China, o “Qiushi”, que publicou uma versão estendida de seu discurso de agosto sobre a política econômica e a necessidade de alcançar a “prosperidade comum”, uma agenda idealizada para estimular a redistribuição de riqueza. Até então, os comentários de Xi de dois meses atrás, um choque para o establishment político e empresarial da China, haviam sido apenas sido resumidos pela mídia estatal. 

“Os ricos e pobres em alguns países se polarizaram diante do colapso da classe média, [levando] à desintegração social, à polarização política e ao populismo desenfreado – as lições são profundas!”, disse Xi, de acordo com o artigo no “Qiushi”. “Nosso país precisa proteger-se com firmeza contra a polarização, impulsionar a prosperidade comum e manter a estabilidade e harmonia social.” 

Domar a especulação imobiliária é parte crucial da ideia de Xi para uma sociedade mais igualitária. Ele também destacou a necessidade de redobrar os esforços governamentais, há muito adiados, para criar um imposto nacional imobiliário, que teria implicações drásticas ao modelo econômico chinês. 

Segundo Eswar Prasad, especialista em finanças chinesas na Universidade Cornell, esses e outros sinais indicam a “determinação [do governo de Xi], pelo menos até agora, em evitar recorrer à sua cartilha tradicional de promover uma enxurrada de investimentos, alimentada por créditos, para conter desacelerações no crescimento”. 

Embora o Banco do Povo da China (PBoC, o banco central chinês) tenha feito duras críticas públicas à Evergrande em agosto, vinha se mantendo em silêncio desde que a endividada incorporadora deixou de honrar uma série de pagamentos a investidores de varejo e detentores de bônus em meados de setembro. Isso havia gerado esperanças entre alguns investidores de que o PBoC pudesse organizar algum pacote de socorro à Evergrande, temendo o risco de danos econômicos maiores se a empresa não conseguir pagar mais dívidas de seu passivo de US$ 300 bilhões. 

Zou Lan, chefe do departamento de mercados financeiros do PBoC, pôs fim a esse otimismo ao culpar a Evergrande pelos próprios problemas e argumentar que o colapso da empresa seria facilmente absorvido pelo sistema financeiro da China. 

“A [Evergrande] teve uma gestão ruim, errou ao não gerir seus negócios com cautela de acordo com as mudanças nas condições de mercado e se expandiu cegamente”, disse Zou, sem estender-se a respeito do papel que os limites ao endividamento, definidos em 2020 pelo governo, tiveram na crise da empresa. Ele acrescentou que “os credores de Evergrande estão [bem] espalhados e a exposição de cada banco é pequena – o risco de disseminação [da crise] para o setor financeiro é controlável”. 

Zou também expressou confiança de que uma combinação de vendas de ativos e de apoio financeiro de governos locais poderia ajudar a concluir os empreendimentos paralisados da Evergrande, muitos dos quais foram financiados por pagamentos antecipados dos compradores das casas. 

“As autoridades ainda não piscaram diante da saga Evergrande”, disse Larry Hu, economista-chefe para a China no banco de investimentos Macquarie. Ele observou que o PBoC tolerou em setembro o menor crescimento histórico no crédito na comparação anual, de 10%, e acredita que as autoridades financeiras chinesas estabelecerão uma meta de crescimento anual de 5% para 2022. 

Existem, no entanto, outras maneiras de o banco central estabilizar o crescimento e, ao mesmo tempo, afrouxar apenas moderadamente seu aperto sobre o setor imobiliário como um todo. 

Em julho, o PBoC reduziu a exigência de depósito compulsório dos bancos, liberando liquidez para o sistema financeiro, que, em seguida, tentou direcionar para a “economia real”, como a indústria. Desde 2016, a participação do setor imobiliário nos novos empréstimos diminuiu de mais de 50% para cerca de 15%. 

Prasad, porém, acredita que será desafiador conter as consequências da crise da Evergrande e, ao mesmo tempo, manter o crescimento. “Pequim parece determinada a reduzir o acúmulo de dívidas e a especulação no mercado imobiliário. Infundir estímulos à economia enquanto mantém esses riscos contidos representa um teste difícil para o governo.” 

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2021/10/19/xi-esta-determinado-a-seguir-com-as-reformas-apesar-da-desaceleracao.ghtml

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