Os parlamentares britânicos impuseram ontem mais duas derrotas ao premiê Boris Johnson, frustrando seu esforço para tirar o Reino Unido da União Europeia (UE) no fim de outubro e demovendo sua tentativa de antecipar as eleições no país.
Os sucessivos golpes ao governo minoritário de Johnson reduzem significativamente as chances de o Reino Unido deixar o bloco de forma desordenada em 31 de outubro, sem um acordo para amenizar a esperada ruptura nos laços econômicos. Mas eles também prenunciam mais um período de incertezas políticas e econômicas para a segunda maior economia da Europa.
Isso porque a estratégia do Parlamento de atar as mãos de Johnson deixa o Brexit no ar, com possibilidades abertas que vão desde uma saída sem acordo da UE até o abandono completo de todo o esforço – resultados que seriam inaceitáveis aos eleitores britânicos.
Trezentos e vinte e sete parlamentares votaram a favor (e 299 contra) de uma proposta que exige que o governo solicite uma prorrogação de três meses no prazo do Brexit – caso não consiga chegar a um acordo com a UE até 19 de outubro sobre os novos termos da separação que satisfaçam o Parlamento. O prazo atual para a saída do Reino Unido da UE é 31 de outubro.
A Câmara dos Comuns (deputados) também rejeitou ontem a pressão de Johnson por eleições antecipadas em 15 de outubro, embora o impasse entre o Parlamento e o primeiro-ministro provavelmente vá colocar o Reino Unido a caminho de sua terceira eleição nacional em quatro anos, embora mais para o fim do ano.
A decisão de adiar o Brexit ainda precisa da aprovação da Câmara dos Lordes (senado), onde alguns membros trouxeram cobertores de casa, antecipando uma árdua e longa votação.
Apesar dessas decisões não está claro que vai acontecer com o processo do Brexit nas próximas semanas, se Johnson vai cumprir as medidas aprovadas pelo Parlamento ou não, havendo o risco de judicialização da questão e até mesmo de risco institucional.
Logo após as derrotas, Johnson manteve o tom desafiador e prometeu que não buscará um adiamento no prazo do Brexit, afirmando que mais um atraso seria uma afronta aos eleitores que escolheram sair da UE num plebiscito realizado em 2016. A saída do Reino Unido, originalmente marcada para 29 de março, já foi adiada duas vezes.
Em reunião privada com alguns membros do seu partido Conservador, Johnson disse que continuará a pressionar o Parlamento para antecipar a eleição, que vê como única forma de romper o impasse. Ele estaria planejando uma nova votação sobre o tema na próxima semana, segundo pessoas próximas ao premiê.
Mas o plano de Johnson é uma aposta arriscada, uma vez que uma vitória trabalhista não está descartada – uma ideia que já não sofre tanta resistência dos investidores (veja texto abaixo).
Isso prepara o caminho para novos choques com o Parlamento. Ontem, Johnson não conseguiu reunir a maioria de dois terços necessária para convocar eleições para 15 de outubro. Parlamentares da oposição temem que uma eleição antecipada possa dar a Johnson uma abertura para impor uma saída sem acordo em 31 de outubro.
Em vez disso, muitos preferem realizar uma eleição depois que o Brexit for adiado, possivelmente em novembro. Jeremy Corbyn, líder do Partido Trabalhista, o principal da oposição, disse que só apoiaria uma eleição depois que uma saída sem acordo em 31 de outubro deixar de ser uma opção.
Corbyn descreveu a tentativa de Johnson de realizar eleições antecipadas como um ardil para manter essa perspectiva em aberto. “A realidade é profundamente intragável: um desastroso Brexit sem acordo que nos jogue nos braços de Donald Trump para um acordo comercial que colocaria a América em primeiro lugar e o Reino Unido num distante segundo lugar”.
Johnson precisa reinventar a sua liderança no governo e no seu Partido Conservador depois de expulsar 21 parlamentares da legenda na noite de terça-feira. Contrários a um Brexit sem acordo, os rebeldes conservadores votaram contra o governo. Tendo perdido a maioria no Parlamento, Johnson precisa de um novo mandato convincente para cumprir sua promessa de tirar o Reino Unido da UE.
Desde que Johnson assumiu em julho, seu partido deu um salto nas pesquisas de opinião, abrindo uma distância em relação ao principal partido da oposição, o Partido Trabalhista, e muitos de seus apoiadores acreditam que ele é um bom cabo eleitoral. Mas as preferências político-partidárias dos eleitores têm se mostrado voláteis e o enfraquecimento do partido na Escócia e outras áreas que são contra o Brexit significa que os conservadores terão que se sair melhor em outras áreas do que se saíram nas eleições de 2017.
Num sinal de que o governo se prepara para uma eleição, o ministro de Finanças britânico, Sajid Javid, anunciou ontem uma série de promessas de gastos para agradar os eleitores, incluindo financiamentos para a contratação de 20 mil policiais e dinheiro para escolas e hospitais.
Javid disse que o progresso na eliminação do déficit fiscal e taxas de juros em patamares recorde de baixa, significa que o Tesouro britânico poderá tomar mais recursos para financiar gastos extras com serviços públicos e infraestrutura.
“Podemos agora virar a página da austeridade”, afirmou ele.
Javid também anunciou um pacote de 2 bilhões de libras (US$ 2,4 bilhões) para a contratação de pessoal para a patrulha de fronteira e renovação da infraestrutura portuária em preparação para o Brexit.