Países europeus passam a controlar preços ante alta do custo da comida

Comerciantes e governos da Europa estão enfrentando a mais feroz alta de custos dos alimentos em 50 anos, com as autoridades recorrendo ao controle de preços para enfrentar a pior crise do custo de vida em uma geração. 

Apesar de os preços mais baixos da energia terem amenizado as pressões sobre os preços em geral, os custos dos alimentos continuam aumentando muito, o que está levando a intervenções de mercado cada vez menos convencionais de políticos que tentam atenuar a indignação popular. 

Os preços dos alimentos na União Europeia (UE) aumentaram 16,6% no ano até abril, segundo a Eurostat, excedendo muito a taxa de inflação, de 8,1%. Os maiores aumentos ocorreram nos custos de itens como ovos, leite e açúcar, que subiram 22,7%, 25% e 54,9% no período, respectivamente. 

“De um modo geral, não temos controles de preços na Europa desde a década de 70”, diz Lars Jonung, um economista sueco especialista em controle de inflação. Os países do centro e do leste da Europa mais duramente atingidos pela alta dos preços, como a Hungria e a Croácia, passaram a limitar os preços de produtos essenciais para proteger os mais vulneráveis, que tendem a gastar parcelas maiores de suas rendas com a alimentação. 

Nora, mãe de três filhos de 32 anos que vive em Budapeste, diz que “é bom” que o controle dos preços tenha deixado produtos como o leite mais baratos. Mas observa que os supermercados estão limitando compras, o que significa que precisa visitar vários deles para aproveitar preços menores. 

A Grécia adotou uma postura alternativa para limitar os preços impondo um teto às margens de lucro dos varejistas com alimentos e outros produtos essenciais. 

Entre os países mais ricos, a França negociou um acordo com os supermercados para que ofereçam uma cesta de itens com preços menores. A Espanha é um dos vários países que reduziram o imposto sobre valor agregado dos alimentos. Outros, como a Itália, são pressionados a impor um teto aos preços de alimentos muito apreciados como o macarrão. 

A pressão sobre varejistas para manter o controle dos preços aumentou após uma grande queda nos custos das commodities agrícolas no último ano. O Índice de Preços dos Alimentos da ONU foi 19,7% menor em abril, em comparação ao mesmo período de 2022. 

“Embora alguns aumentos de preços possam ser justificados, há uma suspeita crescente de que outros são apenas desculpas oportunistas das empresas para inflar os preços”, afirma Monique Goyens, diretora do Bureau Européen des Unions de Consommateurs, que representa 46 organizações de consumidores europeus, e que pediu aos governos que “adotem medidas fortes para proteger os  consumidores da alta dos preços”. 

A Test Achats, organização de proteção do consumidor da Bélgica, pediu uma medida semelhante à proposta antiinflação da França, que era mais dura do que a que Paris conseguiu implementar. A AK, órgão da câmara do trabalho da Áustria, também pediu uma “regulação de preços” dos alimentos.

No entanto, comerciantes afirmam que a culpa não é deles e que, longe de manipularem os preços, eles estão arcando com o ônus do controle dos preços dos produtos. 

O Kodály Delikatessen, um supermercado de Pécs, no sul da Hungria, agrupou os produtos com preços controlados sob uma placa que adverte os clientes contra a compra de “produtos da ditadura”, afirmando que os preços no atacado de certos itens foram maiores do que os preços com que são vendidos no varejo. O Delikatessen acrescenta: “A regulação nos força a vender com prejuízo!”. 

Grandes empresas que operam na Hungria – como Lidl, Spar e a rede francesa Auchan – dizem o mesmo. “Se você procura açúcar, vai pagar 500 forints (€1,35) o kilo e terá de vendê-lo por 300 forints (€0,85)”, diz um representante de um grupo varejista. “Há uma margem negativa em cada unidade vendida, um absurdo no setor de varejo, caracterizado por volumes elevados e margens baixas.” 

Embora as medidas estejam sendo bem-sucedidas na contenção dos custos de itens essenciais, economistas acreditam que elas são uma solução ruim para os altos preços dos alimentos. 

Um relatório divulgado pelo Banco Mundial na quinta-feira pediu aos governos europeus que forneçam mais “intervenções políticas direcionadas e redes de segurança social” para ajudar os que estão sofrendo com a crise do custo de vida. No entanto, a instituição multilateral observou que os controles de preços e subsídios são “abaixo do ideal porque eles distorcem os sinais de preços para os consumidores e produtores”. 

György Matolcsy, presidente do banco central húngaro, foi além em uma audiência parlamentar em dezembro. “Não se pode vencer essa batalha com ferramentas velhas. Os tetos de preços e ideias similares já se mostraram ineficientes durante o socialismo”, disse ele. 

Péter Virovácz, um analista do ING Bank, disse: “Você pode impor um teto ao preço de um tipo de leite, mas a cesta inflacionária contém dezenas de tipos”. 

Mas as dificuldades enfrentadas pelos consumidores atingidos pelo aumento do custo de suas compras semanais significam que os economistas temem que os políticos continuarão a recorrer aos tetos de preços, independentemente de sua eficácia. “Como instrumento para reduzir a inflação, o controle de preços não funciona. Mas eles são viciantes e é difícil abandonar esse vício.” 

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2023/05/22/paises-europeus-passam-a-controlar-precos-ante-alta-do-custo-da-comida.ghtml

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