Depois de semanas de combate duro e um número de morte de civis horripilante, comandantes militares israelenses veem a guerra em Gaza movendo-se para uma nova fase, que requererá menos soldados e muito menos bombardeios, deverá resultar em menos baixas palestinas — e, esperam eles, sepultará o Hamas em seu labirinto de túneis subterrâneos.
Olhando para o mapa percebemos um aliado natural de Israel: o Mar Mediterrâneo. Acionar soldados israelenses para missões dentro dos túneis seria uma batalha longa e custosa; bombardear os túneis seria caótico e poderia resultar em ainda mais mortes de civis. Mas o fato geográfico de Gaza beirar o Mediterrâneo pode dar a Israel uma vantagem no desfecho deste conflito.
A guerra em Gaza tem sido uma tragédia desde o perverso ataque terrorista do Hamas que a desencadeou, em 7 de outubro, até a catástrofe humanitária que se seguiu sobre os palestinos. Militarmente, a campanha israelense contra o Hamas tem sido implacável e bem-sucedida. Mas muitos israelenses reconhecem que têm perdido a guerra da informação conforme o mundo assiste às imagens do terrível sofrimento palestino.
Na Cidade de Gaza, na semana passada, eu testemunhei a marcha vagarosa de refugiados palestinos fugindo da carnificina. Essas imagens de cidadãos traumatizados e despossuídos em Gaza deixaram em mim uma impressão indelével. Mas também me fizeram querer entender melhor como Israel está forjando seu plano para a guerra. A liderança do país sabe aonde a campanha em Gaza chegará?
Para conseguir algumas respostas, eu me reuni com uma dúzia de altos comandantes das Forças de Defesa de Israel (IDF). A maioria das entrevistas ocorreu no complexo militar conhecido como “Kirya”, na região central de Tel-Aviv, onde soldados jovens e reservistas atravessam o portão dia e noite. Os indivíduos com que conversei são soldados profissionais e ponderados. Fiquei impressionado com sua capacidade e dedicação.
Mas eis a verdade: Israel não tem nenhuma concepção clara para “o dia seguinte”. Líderes políticos e comandantes militares concordam a respeito da necessidade de destruir o Hamas e cortar qualquer conexão de Israel com Gaza. Mas não há consenso sobre os passos seguintes. Comandantes militares e líderes políticos têm ideias, esperanças e ambições. E cada vez mais se dão conta de que, se Israel não trabalhar muito melhor em relação às questões humanitárias desta guerra, isso prejudicará suas relações com Estados Unidos, Europa e seus vizinhos árabes, como Jordânia, Egito, Emirados Árabes Unidos e talvez Arábia Saudita.
O ministro da defesa israelense, Yoav Gallant, afirmou em um comunicado que está aberto para qualquer solução que permita a Israel cortar a ligação com Gaza — contanto que o desfecho siga uma fórmula simples: “No fim da guerra, o Hamas será destruído, não haverá mais nenhuma ameaça militar a Israel a partir de Gaza, e Israel não ficará em Gaza”.
O objetivo em Gaza é “nem Hamas, nem caos”, afirmou o almirante Daniel Hagari, chefe do setor de comunicações das IDF. OK, mas isso não diz muito a respeito do caminho adiante.
A maior lição que aprendi com as conversas que tive por aqui é que Israel e os palestinos precisam de ajuda para imaginar seu futuro — especialmente dos EUA. Os combatentes estão imersos demais neste conflito e traumatizados demais para pensar no que virá depois. É aí que os amigos podem ajudar.
Um alerta aos leitores: esta reportagem é uma tentativa de examinar como Israel está conduzindo o que poderá vir a ser a mais difícil e controvertida guerra urbana na história moderna; esta apuração percebe este terrível conflito principalmente através de visões israelenses. Mas eu devo aos meus leitores meu próprio julgamento: esta guerra me convenceu, mais que nunca, que os palestinos precisam de um Estado próprio e bem administrado, sem o Hamas, onde possam viver dignamente e em paz com Israel, da mesma maneira que a maioria de seus vizinhos árabes fazem atualmente. Se os EUA forem capazes de ajudar os palestinos a alcançar tal objetivo, esta guerra, com todos os seus horrores, poderia produzir algo bom.
Quase todos os oficiais militares israelenses com que me encontrei começaram a contar sua história da mesma maneira: o que ele ou ela estava fazendo às 6h30 de 7 de outubro, quando ouviram os primeiros relatos a respeito do perverso ataque do Hamas. Era fim de semana e feriado; a maioria dos soldados estava com suas famílias. Quando a notícia se espalhou, muitos militares foram imediatamente se apresentar às suas unidades; alguns relataram que ensinaram rapidamente suas mulheres e filhos a disparar armas automáticas. Naqueles primeiros dias, as IDF estavam abaladas e surpreendidas. Os comandantes nunca tinham imaginado um ataque como aquele.
Os chefes das IDF em Kirya tiveram de fazer planos apressadamente naqueles primeiros dias, em vez de seguir o roteiro que guiou todas as guerras desde 1982. Os líderes israelenses estavam tão preocupados com a possibilidade do Irã e seus apoiadores explorassem sua desorientação que o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu quase lançou um ataque preventivo contra o Hezbollah no Líbano. Afortunadamente, mentalidades mais ponderadas prevaleceram.
Nos primeiros dias, um duro plano de batalha foi forjado. A primeira fase da guerra seria três semanas de bombardeios implacáveis da Força Aérea israelense contra a infraestruturas do Hamas — dando tempo para os soldados se concentrarem e treinarem para uma invasão terrestre e permitindo aos estrategistas considerar e preparar opções.
A segunda fase foi a invasão terrestre que começou em 27 de outubro; que, segundo avaliação dos comandantes duraria provavelmente três meses. Se essa fase da operação durar mais tempo, a economia israelense, que depende dos mais de 300 mil reservistas convocados, começará a sofrer.
Um desafio agonizante para as IDF tem sido esmagar o Hamas sem matar os cerca de 240 reféns israelenses e de outros países mantidos em cativeiro no subsolo. Parece que vários reféns já morreram conforme a campanha avançou, mas nós não conhecemos nenhum detalhe.
O conceito da ofensiva terrestre foi simples: cortar Gaza em dois e empurrar os civis para o sul enquanto Israel ataca bases do Hamas no norte. O objetivo foi separar o Hamas da população civil, um preceito clássico da guerra de contrainsurgência. Os israelenses afirmam que espalharam panfletos, emitiram alertas e fizeram telefonemas. Mas francamente, essa estratégia foi irrealista: o Hamas estava por toda parte, e por semanas os civis não puderam ou não quiseram se deslocar para um lugar seguro. Presos em meio a uma troca de fogo selvagem.
O norte de Gaza está agora quase totalmente sob controle israelense. No processo, seus edifícios foram reduzidos a esqueletos de concreto. Na Rua Salah al-Din, em Gaza, há uma semana, eu vi prédios destruídos em todas as direções.
“O Hamas perdeu o controle no norte da Faixa de Gaza. Eles não têm esconderijo seguro”, afirmou Netanyahu no fim de semana passado. Um graduado oficial das IDF explicou o que aconteceu no norte de Gaza da seguinte maneira: “Para derrotar um sistema, você tem que romper seus pontos gravitacionais; daí ele cai”.
Esse sucesso no campo de batalha foi custoso na guerra da informação. Israel argumentou que o Hamas usando civis como escudo e se escondia até em hospitais, e o governo Biden apoiou essa afirmação. Mas conforme o número de mortes de palestinos aumentou, grande parte do mundo pareceu não se convencer.
A próxima fase terá foco sobre o sul de Gaza, para onde mais de 1 milhão de civis desesperados fugiram — provavelmente junto com um dos principais líderes políticos do Hamas, Yahya Sinwar, que, acreditam oficiais das IDF, estaria escondido em túneis sob sua cidade-natal, Khan Younis. Como fez no norte, as IDF tentarão separar o espaço de batalha — dividindo o restante de Gaza em alvos militares na área de Khan Younis e zonas seguras para civis a oeste. Mas essa separação poderá ser tão difícil quanto no norte — com civis novamente pegos no fogo cruzado.
Para dar assistência aos palestinos em fuga das zonas de batalha,Israel planeja criar uma vasta cidade de barracas para refugiados em Al-Mawasi, na costa imediatamente ao norte da fronteira de Gaza com o Egito. A localização deverá permitir que ajuda humanitária seja entregue facilmente por terra e mar. Depois das intensas críticas internacionais em razão das batalhas em hospitais no norte de Gaza, os comandantes israelenses querem criar rapidamente instalações médicas temporárias para milhares de civis feridos, ameaçados agora por fome e doenças infecciosas.
Os israelenses precisam entender que esse apoio humanitário não é um tema periférico, isso é absolutamente essencial para eles alcançarem seus objetivos de guerra. Alguns generais veteranos reconhecem essa realidade. “O esforço humanitário deveria ser uma bola de neve, trazendo amigos do Golfo, Arábia Saudita, Jordânia e Egito”, afirmou um comandante. Mas eu não tenho certeza de que os políticos israelenses ou o público enfurecido e traumatizado estão convencidos disso.