Ocidente eleva aposta com mais ajuda militar à Ucrânia

Passados mais de dois meses da invasão russa da Ucrânia, o Ocidente abandona crescentemente o temor de provocar uma Terceira Guerra Mundial com Moscou e dobra a aposta no fornecimento de armas ofensivas para Kiev combater as forças de Vladimir Putin.

Sob ataque duro desde 24 de fevereiro, os ucranianos já viram a ajuda militar internacional superar, em valores nominais, todo o seu orçamento de Defesa. São cerca de US$ 7 bilhões já anunciados, US$ 3,7 bilhões só dos Estados Unidos, ante um gasto total por Kiev em 2021 de US$ 4,3 bilhões.

A disputa retórica também está aquecida. Depois de o Reino Unido incentivar nesta terça (26) a Ucrânia a atacar alvos em território russo, o Ministério da Defesa em Moscou afirmou que Londres enfrentaria uma “resposta proporcional” se insistisse no curso.

Mas houve avanços práticos. Também nesta terça, 40 países da Otan e aliados se reuniram na maior base americana na Europa, em Ramstein, na Alemanha. Ali, o secretário de Defesa Lloyd Austin, recém-chegado de Kiev, comandou um esforço para aumentar o influxo de blindados, peças de artilharia e sistemas de mísseis sofisticados.

Conseguiu, além de promessas já feitas anteriormente por potências como França e Reino Unido, uma importante vitória política: a Alemanha anunciou que fornecerá blindados com canhões antiaéreos Gepard usados para Kiev. O número não foi especificado, mas marca uma mudança fundamental.

País mais associado à dependência europeia de gás e petróleo da Rússia, a Alemanha vinha resistindo à entrega de material mais pesado para a defesa contra os russos. Já havia rompido uma barreira ao anunciar um plano de seu próprio rearmamento, triplicando o orçamento militar deste ano.

Segundo o governo do premiê Olaf Scholz, há quase US$ 2 bilhões reservados para ajuda a Kiev, e o número pode ter um acréscimo de US$ 1,5 bilhão se for aprovada a venda de cem obuseiros PzH-2000.

O Gepard, usado em países como o Brasil, é usado para proteger colunas de blindados de ataques aéreos com canhões. Algo obsoleto, pode ser bastante eficaz contra aviões de ataque de baixa altitude russos, como os Su-25 amplamente usados na Ucrânia.

Ao fim do encontro, o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas americanas, Mark Milley, disse que o destino da Ucrânia “dependia das pessoas nesta sala”. “O tempo não está do lado da Ucrânia”, afirmou, sobre a ofensiva russa que nesta terça tomou a totalidade da região de Kherson (sul do país). É um tom bastante diferente do usual de autoridades americanas.

Foi estabelecido que um centro na Alemanha coordenará os envios de armas, e haverá ao menos uma reunião mensal para checar o avanço.

Na segunda-feira, após a visita de Austin e do secretário de Estado, Antony Blinken, ao presidente Volodimir Zelenski, os EUA já haviam anunciado mais um pacote de ajuda militar, de US$ 713 milhões em 90 obuseiros, munição, radares e drones suicidas de ataque.

Com isso, Washington se fixou como o maior provedor daquilo que o chanceler russo, Serguei Lavrov, chamou de “guerra por procuração” do Ocidente contra a Rússia na Ucrânia. São US$ 3,7 bilhões anunciados desde o começo da guerra, quase todo o orçamento militar de Kiev em 2021, aferido pelo Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (Londres).

Os valores chegam e podem superar os US$ 7 bilhões, embora as contas sejam obscuras, porque não há dados centralizados e existe o risco de sobreposição. A ajuda do fundo especial da União Europeia, de US$ 1,6 bilhão, pode incluir algo da contribuição alemã.

Até aqui, segundo o Instituto da Economia Mundial de Kiel (Alemanha), 31 países deram ajuda à Ucrânia, a maioria militar. O temor é maior nos países da franja leste da Otan, que se veem como próxima etapa caso Putin vença na Ucrânia: a Polônia não dá valores, mas se comprometeu a repassar cem tanques T-72 de origem soviética para Kiev, enquanto a Estônia forneceu o equivalente a 0,8% de seu PIB em ajuda militar.

Sistemas antitanque e antiaéreos portáteis ocidentais foram vitais para que a Ucrânia resistisse à fase inicial da guerra russa, com várias frentes de ataque e pouca concentração de forças. Os britânicos, por exemplo, deram 5.400 mísseis NLAW para ataque a blindados. Isso mudou agora, com a ação focada no leste e no sul do país na chamada batalha do Donbass, e por isso há uma corrida por material adequado para guerra de movimento em larga escala, como artilharia, blindados e drones de ataque.

A questão aeronáutica segue, contudo, um tabu. A Otan nunca aceitou o pedido de uma zona de exclusão aérea sobre a Ucrânia, e os EUA vetaram a transferência de 28 caças MiG-29 da Polônia para Kiev.

Por outro lado, na semana passada o porta-voz do Pentágono, John Kirby, sugeriu que o Ocidente havia fornecido aviões a Kiev, para depois dizer que eram só peças de reposição. Nas contas de Moscou, o dano à Força Aérea ucraniana é grande, mas não total, como era esperado após dois meses de ação.

O Ministério da Defesa russo disse nesta terça ter derrubado até aqui 141 aeronaves tripuladas do rival, que tinha antes da guerra 124 aviões de combate e cerca de 120 helicópteros. Moscou diz ter destruído 269 sistemas antiaéreos, mas não especifica quantos são de longo alcance, como os S-300 soviéticos usados pelos ucranianos.

A Eslováquia, membro da Otan, chegou a transferir sistemas do tipo para Kiev, mas os russos dizem tê-los destruído. Moscou já afirmou que essas armas são alvos legítimos, mas não arriscaram atacar comboios até o momento, preferindo bombardear depósitos em que elas são colocadas antes de ir a campo.

Desde o início, Putin ameaçou quem apoiasse a Ucrânia com nada menos que o uso de armas nucleares. Reiteradamente saca essa carta, como no teste de um novo míssil intercontinental na semana passada.

https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2022/04/ocidente-eleva-aposta-contra-putin-com-mais-ajuda-militar-a-ucrania.shtml

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