O que esperar do acordo EUA­China

É grande a expectativa no mercado para o anúncio de um acordo entre China e Estados Unidos que apresente uma solução para a disputa entre as duas maiores economias do mundo. A negociação entre os países não conseguiu evoluir para um acordo antes da data estipulada de 1o de março e agora se espera um encontro entre Trump e Xi Jinping em futuro próximo. Neste último ano, o confronto entre ambos países ganhou várias frentes e a pergunta que fica é qual o formato e o que esperar desse acordo?
Antes de entrar nos pontos em discussão do acordo, é importante registrar que tanto Trump quanto Xi Jinping se encontram em um momento em que uma vitória cairia muito bem. No lado dos EUA, um acordo com a China daria ao presidente americano um importante triunfo na política externa. Em um contexto onde não foi possível chegar a um acordo com a Coreia do Norte e em que a situação na Venezuela ainda está se desenvolvendo, um entendimento com a China será celebrado com destaque pela Casa Branca.
Já pelo lado chinês, a queda no crescimento econômico do ano passado, o menor em anos, e a expectativa de ainda maior redução do crescimento do PIB para o futuro, colocam o presidente chinês em uma posição de querer chegar logo a um acordo. Normalizar as relações econômicas com seu principal parceiro comercial e investidor garante a Pequim os pontos percentuais de crescimento necessários para estar dentro dos patamares desejados pelo governo.
Também se deve ter em mente que este acordo não solucionará os problemas entre os países. Ele é importante no sentido de diminuir as tensões e, principalmente, as incertezas no mercado sobre as condições de envolvimento da relação entre China e EUA. Na área de comércio e tarifas é onde se espera maior efetividade do acordo. Apesar da elevada imprevisibilidade das ações do presidente americano, se espera que uma vez baixadas as tarifas em função do acordo, estas não voltariam a ser utilizadas. Já na área de investimentos e propriedade intelectual é certo que ainda haverá disputas mais à frente, independente do que for acordado no final deste mês.
Na área comercial se espera do acordo que os EUA retirem tarifas de US$ 200 dos 250 bilhões em importações chinesas. Por outro lado, a China irá se comprometer em realizar grandes compras de produtos agrícolas e energéticos americanos e reduzir algumas barreiras que impedem as empresas americanas de operar na China. O número que foi mencionado, até o momento, seria da compra de US$ 30 bilhões em produtos agrícolas. Ainda não se sabe se serão US$ 30 por ano ou US$ 30 bilhões além do que já costumava importar.
O cenário de US$ 30 bilhões além do que já se costumava importar acende o sinal amarelo para a relação com o Brasil. Isso se justifica, pois não há como a China importar volume referente a este patamar dos EUA sem que haja algum nível de redução das exportações brasileiras. Entretanto, como ainda não há um número exato e detalhes da lista de produtos, ainda não é possível chegar a conclusões sobre o impacto para o Brasil.
O acordo deve ser interpretado como um grande avanço para reduzir as tensões bilaterais e incertezas no mercado Os desafios trazidos pela emergência de grandes empresas chinesas de alta tecnologia são temas que continuarão causando atritos
Além de produtos agrícolas, a China também tem indicado que se comprometerá em elevar as importações de carros, diminuindo a tarifa que hoje é de 15% e permitindo que empresas americanas tenham maior participação em montadores em solo chinês. Assim como gás natural, onde a estatal chinesa, Sinopec, concordaria em comprar US$ 18 bilhões em gás natural liquefeito de Cheniere. A China também indica que vai importar mais etanol, que hoje tem uma tarifa de 70% no mercado chinês.
A parte mais complexa do acordo visa lidar com a questão das barreiras ao investimento, subsídios e a apropriação de propriedade intelectual americana por parte das empresas chinesas. Isso se justifica, pois não é simples incluir em um acordo com um país estrangeiro uma série de questões que vão além da agenda bilateral e tratam de temas domésticos. Já há na China a intenção e um esforço para realizar algumas reformas em sua economia, cortar subsídios e ampliar a participação de empresas estrangeiras no mercado.
Por exemplo, em paralelo ao acordo comercial, Pequim está tentando resolver algumas reclamações americanas sobre investimento estrangeiro e transferência de tecnologia com uma nova lei de investimento estrangeiro. Uma versão preliminar da legislação foi revelada em dezembro do ano passado, e o Congresso Nacional do Povo irá aprovar uma versão revisada no final da semana.
Neste sentido, o embate com os EUA serviu para mover algumas pautas reformistas na China. Entretanto, não devem ser criadas expectativas de que, através deste acordo, será possível rapidamente se desmantelar décadas de planejamento estatal e relações de apoio entre governo e empresas.
No lado financeiro e monetário, os EUA esperam maior abertura e participação de seus bancos no sistema financeiro chinês, com maior liberdade de movimento de capitais. Os americanos também estavam pressionando a China para manter a sua moeda estável. A China deve rejeitar as exigências dos EUA para manter o yuan estável contra o dólar como parte do acordo, embora possa se comprometer a não mantê-lo em um nível artificialmente baixo.
O acordo também deverá conter uma série de mecanismos de acompanhamento e cumprimento das medidas acordadas. Neste momento, se fala em reuniões bilaterais trimestrais de equipes técnicas e encontros semestrais entre os ministros. Este tipo de calendário convém mais à parte chinesa, pois em dois semestres os EUA já estarão mergulhados na campanha para as eleições presidenciais de 2020.
Em conclusão, o acordo entre China e EUA deve ser interpretado como um grande avanço para reduzir as tensões bilaterais e as incertezas no mercado. Ele certamente será muito celebrado pelos líderes de ambos os países. No entanto, se deve ter em mente que o acordo solucionará, apenas, questões de curto prazo no âmbito comercial. As questões estruturais da economia chinesa e os desafios impostos pela emergência de grandes empresas chinesas de alta tecnologia são temas que ainda continuarão causando atritos na relação entre China e EUA.

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